Música para vender

adailton moura
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8 min readJul 3, 2023

Imagine por um instante como seria o seu cotidiano sem música. [3, 2, 1] Você pode concordar com Nietzsche que “sem música a vida seria um erro[i]” (afirmação feita em O Crepúsculo dos Ídolos) ou criar sua própria justificativa para chegar à conclusão que é inimaginável uma realidade sem a presença da arte das musas.

Nas palavras de Zuza Homem de Melo, […] “as notas musicais misturam-se, entrelaçam-se em combinações tão diferentes umas das outras, capazes de provocar sensações tão variadas quanto os sentimentos de um ser humano[ii]”. E por causar esse frenesi, despertando sentimentos de euforia e desejo[iii], inevitavelmente, ela se tornou uma das principais ferramentas para vender produtos.

Antes mesmo do surgimento dos jingles, os cantos e poemas comerciais eram feitos por comerciantes ambulantes que aos gritos chamavam a atenção de seus clientes. A estratégia do século XIII, quando foram registrados os primeiros anúncios de rua com notações musicais, teve influência de espetáculos de Vaudeville (em atividade na América do Norte entre 1880 e 1930), que no intervalo de uma atração e outra tinham discursos de vendas com o acompanhamento de um piano ou apenas declamações em forma de prosa.

Passados vários séculos, esse tipo de propaganda continua sendo muito utilizado nas feiras de rua, centros comerciais e mercados públicos em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil. O objetivo principal é a comercialização de algo, mas também serve para entreter o consumidor. Exemplo disso é o conhecido verso “Mulher bonita não paga, mas também não leva”. (Baseado nele, o Spoleto criou uma ação em 2013 no Dia Internacional da Mulher, que isentava as mulheres do pagamento se elas olhassem no espelho e falassem: eu sou bonita).

O sabão Sapolio soube utilizar muito bem essa estética na campanha “Spotless Town”, criada na segunda metade dos anos 1870 por Artemas Ward. A linguagem descontraída, seguindo uma linha de tirinha de jornal, foi inicialmente desenvolvida para o impresso, mas ganhou uma versão teatral e fez a marca ser a mais reconhecida da época. A Procter & Gamble (P&G) seguiu o mesmo formato, fazendo um concurso em 1892 para escolher os melhores versos e ilustrações publicitárias para alguns de seus produtos. Os criativos não eram tão bons quanto se imagina, mas contavam boas histórias e servia como entretenimento para o público-alvo (target).

O cinema também servia como balcão de anúncios. Porém, música e imagem ainda não estavam tão entrosadas. O marco da união delas aconteceu em 1927, com o filme The Jazz Singer (O Cantor de Jazz), estrelado por Al Jolson (fazendo blackface) com a direção de Alan Rosland. O longa deu início da sincronização de som e vídeo, feito através de uma máquina de projeção acoplada ao toca-discos.

Antes disso, as músicas eram executadas ao vivo nas salas de exibição, na maioria das vezes, por orquestras e jazzistas. O mesmo acontecia com o espaço publicitário disponível naquele meio.

Propaganda da Sapolio na metade do anos 1870

QUANDO A MÚSICA ENTRA NO JOGO DE FATO

É impossível tirar da cabeça aquele hit do Big Mac, do McDonalds, lançado nos anos 1990: “Dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial, cebola, picles num pão com gergelim. É o Big Mac”. Ele é um dos grandes exemplos de como músicas publicitárias bem executadas entram na mente do consumidor e nunca mais saem de lá, passe o tempo que for. Esse tipo de composição começou a ganhar popularidade no final dos anos 1920 e início dos 1930 com a Crise de 1929 (a Grande Depressão).

Como não estava fácil para ninguém, os anunciantes tiveram que criar estratégias para fazerem abordagens mais diretas, que mexessem com o emocional do consumidor — mesmo este tendo poucas condições financeiras. Nas rádios, o espaço destinado à publicidade tinha quase o mesmo tempo que os programas diários. Então, as marcas utilizavam para falar de seus produtos e, ao mesmo tempo, entreter os ouvintes. Seguia uma estrutura próxima do que tem sido feito pela Polishop na TV, mas somente em áudio e com um pouco mais de conteúdo artístico.

Uma das primeiras mudanças desse formato aconteceu em 1936 durante o programa do creme dental Pebecco, da empresa Lehn e Fink, quando o radialista Eddie Cantor fez a transmissão de um “comercial cantado” (seguindo as mesmas características do que o Seu Jorge fez em “Eterna Busca”, uma canção encomendada pela “Sagatiba”). Sem repetições, a canção fez tanto sucesso que a rádio recebeu diversos pedidos para reproduzí-la. Porém, apesar desse sucesso, o formato não gerou tanto retorno como o esperado.

Foi a partir de diferentes "testes", que o embrião do que hoje conhecemos como jingle nasceu com a peça “Try Wheaties”, de 1929, do cereal Wheaties. Assim como as atuais, o objetivo final era vender o produto e não ser um passatempo com um anúncio embutido.

Simples e objetivo, a propaganda musical — interpretada por Jack Armstrong — ajudou a alavancar as vendas nas áreas em que foi transmitida. Um dos motivos da sua popularização pode estar no seu refrão "chiclete" copiado de “Jazz Baby”, um HIT de 1919 popularizado por Marion Harris. Pegar a melodia de uma música conhecida e compor outra letra com base no que se queria anunciar fazia parte da estratégia — não muito diferente do que tem acontecido.

CRIATIVIDADE, SUCESSOS E LICENCIAMENTOS

A música é um elemento tão fundamental na publicidade que a partir da década de 1960, as grandes agências nos Estados Unidos tinham produtores musicais em seus quadros de funcionários, sendo algumas delas comandadas por um diretor musical. Josh Rabinowitz, Consultor Musical para Conteúdo Digital e Media, escreve no artigo A History Of Music Supervision In Advertising, publicado na synchtank, afirma que antigamente, produtores musicais de publicidade tinham expertise em produção concreta de música tradicional.

“Eles demonstraram não apenas uma compreensão de qual música era relevante e importante na cultura, mas também como criar habilmente essa música no estúdio, com um colaborador, músicos, compositores e engenheiros”, observa. “Eles eram criadores e tratados no processo criativo como tal. Muitos começaram como engenheiros em estúdios de gravação, ou eram músicos em bandas, ou até mesmo produziram discos para gravadoras. Vários eram uma ‘combinação’ disso. Um exemplo clássico do lado da agência de publicidade foi Billy Davis (também conhecido como Tyran Carlo)[iv]”.

Esse mesmo Davis foi responsável pela produção daquele que é considerado o maior jingle de todos os tempos: “I’d Like to Buy the World a Coke”, composta por Roger Cook e Roger Greenaway, feito pela McCann Erickson para a Coca-Cola, que também se tornou um single de sucesso de dois grupos nos anos 1970 (The New Seekers e The Hillside Singers).

Intitulado “Hilltop”, o filme dirigido por Haskell Wexler apresentava jovens “de todo o mundo” cantando no topo de uma colina nos arredores de Roma, Itália. Tão icônico, ele entrou para o acervo da Livraria do Congresso (Library of Congress) estadunidense.

Infelizmente, toda a criatividade que extrapolava o meio publicitário começou a perder força no final dos anos 1990 até 2000. Ao invés de criarem suas próprias “canções”, as grandes marcas preferiram seguir o caminho do licenciamento de sucessos que conversavam com a ideia do criativo visual. A Pepsi fez isso contratando Michael Jackson para estrelar o filme “New Generation”, dirigido por Bob Giraldi, e interpretar uma versão publicitária de Billie Jean.

Teve também a Apple revolucionando os filmes publicitários e toda a indústria musical; a Nike reformulando a icônica “A Little Less Conversation”, de Elvis Presley, para o filme “Ocean’s Eleven” produzido para a Copa do Mundo de 2002; e Bob Dylan embolsando $ 5 Milhões de dólares (dividido com a editora Sony/ATV) por liberar “Things Have Changed” — de 2000, que fez parte da trilha sonora do filme “Wonder Boys” — e narrar o comercial da Chrysler no Super Bowl de 2014.

Esses são apenas alguns de milhares de obras licenciadas ao redor do mundo. Quando não existe a possibilidade de licenciá-las, a saída é voltar aos primórdios e “copiar” a estrutura sonora desejada — algo que geralmente não agrada artistas, editoras, gravadoras e detentores de direitos, podendo até gerar processos judiciais.

Por outro lado, o uso de obras musicais — seja original ou “paródias” (como a do Nissan Sentra, de 2007, interpretada pela banda “The Uncles”, que parodiou “Será que é pra mim?” e fez todos cantarem o refrão “não tem cara de tiozão, mas roubou meu coração”) — tem ajudado a colocar clássicos de volta ao cenário e dar relevância à artistas até então desconhecidos em diferentes partes do mundo.

Esse é um negócio lucrativo para ambos os lados, que mostra o quão a música e a publicidade estão totalmente conectadas. Porém, ainda falta visão criativa na sincronização dessas músicas com o conceito visual do que tem sido produzido, especialmente no Brasil. Geralmente, elas são usadas por ser o hit do momento e chamar atenção do expectador, e não para ser o fio condutor da história que está sendo contada.

No filme “Gerações” (AlmapBBDO), em que comemora seus 70 anos no Brasil, a Volkswagen consegue prender a atenção do início ao fim e emocionar quem assiste o encontro de Maria Rita e sua mãe Elis Regina — possibilitado pelo uso de Inteligência Artificial. O objetivo de manter olhos e ouvidos atentos foi atingido e a mensagem entregue com sucesso. Mas falta coerência entre o conceito da composição de Belchior e a intenção da marca. Existe um certo ruído que vai passar despercebido pelo receptor por causa da emoção gerada.

Neste caso — para ser mais assertivo, e evitar contestações — , é melhor fazer uma produção original (com letra e música própria), como aconteceu com “Pôneis Malditos”, feita pela Lew’Lara\TBWA para promover a Nissan Frontier (em 2011) — com criação de Max Geraldo e Cesar Herszkowicz; direção de criação de Jaques Lewkowicz, Manir Fadel, Mariana Sá e Luciano Lincoln; e produção da Corporação Fantástica, com direção de cena de Marlon Klug. Resultado: dias depois de entrar no ar, a propaganda já estava entre os assuntos mais comentados na internet, virou meme, um hit viral e aumentou o número de vendas da picape. Meta atingida.

CITAÇÕES

[i] NIETZSCHE, Friedrich. O crepúsculo dos ídolos ou como se filosofa com o martelo. São Paulo: Companhia Das Letras, 2006, p. 11.

[ii] MELLO, Zuza Homem de. Música Com Z: artigos, reportagens e entrevistas (1957–2014). São Paulo: Editora 34, 2014, p. 32.

[iii] Salimpoor, Valorie N; Benovoy, Mitchel; Larcher, Kevin; Dagher, Alain; Za- torre, Robert J. Anatomically distinct dopamine release during anticipation and experience of peak emotion to music. Nature Publishing Group, a division of Macmillan Publishers Limited. All Rights Reserved, 2011. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1038/nn.2726>.

[iv] A HISTORY OF MUSIC SUPERVISION IN ADVERTISING. Disponível em: https://www.synchtank.com/blog/a-history-of-music-supervision-in-advertising/.

FONTES DE PESQUISA

A Brief History of Audio Marketing. Disponível em: https://www.audiodraft.com/blog/a-brief-history-of-audio-marketing/.

Music in Advertising: An Overview of Jingles, Popular Music and the Emotional Impact of Music in Advertising. J. Disponível em: https://digitalcommons.liberty.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=&httpsredir=1&article=1675&context=honors

Music In Advertising. https://medium.com/@shelrochaleal/music-in-advertising-ffe56b956932

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adailton moura
adailton moura

jornalista. autor do livro “A Indústria da Música Gospel”. txts no @ RAPresentando, Sounds and Colours, TAB UOL, AUR, Rapzilla, Per Raps, Bantumen, Gospel Beat.