O que é fast fashion e por que a moda brasileira precisará inovar?

Dhyogo Oliveira
Dhyogo Oliveira
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5 min readMar 2, 2018
Foto por Hermes Rivera em Unsplash.

Nunca se viu antes na história um consumo tão democratizado e acelerado de roupas como nas duas últimas décadas. Tendências de moda nas araras das lojas populares poucos meses após serem apresentadas nas semanas de moda internacionais, e tudo a um preço muito baixo? Foi graças à Fast Fashion.

Uma receita de “sucesso”

A receita parece simples: os pesquisadores por trás das grandes marcas globais como Zara, H&M, C&A e Forever 21 observam as tendências vindo de dois lugares. Primeiro das marcas da chamada “alta moda” e as tendências que emergem das ruas, numa escala global, como bem acompanhamos nos blogs de street style. Dessa maneira, produzem versões parecidas dessas roupas em larga escala, priorizando o baixo custo. Isso se traduz em matéria prima de baixa qualidade e mão de obra barata com uma logística que permite que essas roupas cheguem a diferentes países em pouco tempo. O que não é vendido é remanejado para outros mercados e, com um bela estratégia de marketing, chegam nesses locais como nova coleção e são finalmente vendidas. E depois de todo esse ciclo, que deve durar em média seis meses, as roupas que não são vendidas já temos uma pista do que pode acontecer, uma vez que recentemente a H&M que foi acusada de queimar 12 toneladas de roupas por ano. Afinal, seis meses depois os consumidores estão ávidos por novas tendências e não querem mais roupas com informação de moda passada.

O fast fashion mudou completamente todo o processo de produção que vigorava há algum tempo: se antes as marcas lançavam duas coleções ao ano, hoje temos pelo menos 52 grandes ou pequenas coleções nas araras das lojas — e nem precisa ser de fast fashion. O calendário tradicional da moda inclusive já foi modificado duas vezes e até as grifes que não vendem para o mesmo público precisaram se adaptar ao novo modo de consumir: tudo ao mesmo tempo e agora. Os blogs de moda explodiram, a internet chegou na palma da mão e processo da indústria acelerou. Acelerou tanto que, nessa nova dinâmica, quem vence é o mais forte (e quem oferece o menor preço, claro). Na concorrência acirrada de gigantes da indústria, quem precisou se espremer são os donos das fábricas asiáticas e, por consequência, seus funcionários.

Os efeitos também em escala global

Até a década de 1960, os Estados Unidos produziam 95% das roupas que vendia. Hoje eles produzem pouco mais de 3% e o restante é feito em países subdesenvolvidos, especialmente na Ásia. Dentro da lista dos países que produzem essas roupas, está Bangladesh. Lá, 4 milhões de pessoas trabalham nas quase 5 mil fábricas têxteis. 85% desses trabalhadores são mulheres que ganham menos de 3 dólares por dia.

Se esses números te assustam, é só o começo. Hoje compramos juntos, 80 bilhões de peças ao ano e isso quer dizer 400% a mais do que comprávamos em apenas 20 anos atrás. As empresas de fast fashion mudaram o seu modo de consumir roupa e, por consequência, criaram uma indústria que só empobrece os mais pobres, contamina a natureza e escraviza famílias.

Esses dados foram extraídos do documentário The True Cost, que mostra os efeitos desse modo de produção no mundo. Os problemas são enumerados durante todo o processo: desde o cultivo do algodão à etiquetagem, os danos causados pela indústria são assustadores. As cenas gravadas nas fábricas e os dados apresentados pelos especialistas deixam claro que isso precisa ser urgentemente revisto. Para se ter uma ideia, um americano comum descarta cerca de 38 quilos de lixo têxtil por ano que somados chega a mais de 11 bilhões de toneladas só nos Estados Unidos. E o que se faz com toda essa roupa descartada é ainda mais cruel. 90% dessas roupas vão para países pobres como Haiti, onde este ciclo fez a indústria local desaparecer. O que vira lixo, permanece por quase duzentos anos em lixões liberando gases danosos ao meio ambiente. Não é à toa que a indústria da moda é segunda mais poluente — perdendo apenas para o petróleo.

É preciso se reinventar

A fast fashion começou a ser implantada ainda na década de 1970, e em 2018 já há saídas para que este modo de produção não engula os pequenos produtores, os estilistas independentes e, finalmente, o próprio consumidor final.
É cansado desse modo de consumo desenfreado e insustentável que surgiu o slow fashion, uma alternativa para marcas que almejam atingir um ciclo de produção equilibrada, justa e o mais sustentável possível. O movimento surgiu há pouco mais de dez anos e ganha cada vez mais adeptos. Como resposta ao fast fashion, o slow fashion valoriza os recursos locais ao invés de globais, contribuindo com pequenos produtores. Ao invés de lançamentos a cada semana, por exemplo, o slow fashion prioriza uma coleção em menor escala, feita com materiais de maior qualidade, mais duráveis e sustentáveis. Por isso, as tendências são colocadas em segundo plano, pois o slow fashion afirma que até o consumidor se cansa de roupas que precisam ser trocadas a cada seis meses. O resultado são peças geralmente atemporais que criam um vínculo até afetivo com o consumidor final.

A transparência foi outra maneira encontrada por algumas marcas de lidar com a concorrência desleal das gigantes da moda. Algumas marcas brasileiras já estão abrindo seus custos para o consumidor final. O e-commerce da Alhma, marca liderada por André Carvalhal, a tabela de custos aparece junto com a tabela de medidas. Lá o consumidor tem acesso aos impostos, custo de produção, despesas operacionais e até o lucro que a marca ganha por peça. Isso aproxima o consumidor final dos produtores, diminuindo o distanciamento entre quem faz e quem compra. Outro exemplo brasileiro que deu certo é da marca de bolsas Catarina Mina, que trabalha com artesãs do Ceará. Abrindo o custo, a marca mostra o quão importante é valorizar o trabalho local, além de valorizar o próprio produto, que passa a ter outro significado para o consumidor. O resultado? A marca cresceu 70% após a iniciativa.

O processo é crescente e o caminho ainda é grande, mas a certeza é que quando as marcas buscam maneiras inteligentes de se destacarem no mercado, todos se beneficiam: o consumidor, a marca, os profissionais envolvidos no processo de produção e o mercado no geral. O segredo é mudar o modo de pensar, fazendo com que o consumidor se aproxime de todo o ciclo da vida do produto, se entendendo como parte essencial no processo. No fim, o consumidor vai reavaliar as consequências da maneira de consumir moda e olhar com mais complexidade como isso pode verdadeiramente afetar a vida de outras pessoas, além da sua. Para mais dicas de como se reinventar na moda e notícias do que está acontecendo de mais atual, inscreva-se em nossa fanpage no Facebook e acompanhe as atualizações.

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