O ressentimento como categoria histórica para análise política

Bruna Rocha
Diálogos da Incerteza
2 min readSep 26, 2020
Jean Michel Basquiat

Em uma sociedade onde direitos foram historicamente tratados como privilégios nas transações estelionatárias do racismo capitalista, o auto-ódio tornou-se tecnologia cara aos mecanismo de manutenção do sistema de pisadores e pisados.

A articulação milimétrica de papéis e profunda fragmentação de sistemas hierárquicos desde o capataz, à governanta, uma infinidade de capitães do Mato forjados pra operar a lógica do genocidio mascarado de suicídio, estrutura ainda hoje nossas subjetividades.

Todo mundo que nasceu negro, pobre, em condições subalternizadas e em contextos de escassez, conheceu alguma vez na vida a dimensão estruturante da inveja e do ressentimento. Como não? Se o outro tem tudo e eu não tenho nada, e a televisão me diz que eu sou o que tenho. A inveja portanto atravessa a dimensão material do ter para a dimensão ontológica do ser, minando autoestimas antes mesmo de nascer e produzindo subjetividades deprimidas e estruturalmente amarguradas.

Como, portanto, trabalhar com esse traço histórico de nossas sociabilidades, encarando o ressentimento como uma categoria histórica, política e psicanalítica de análise das relações na contemporaneidade? E, mais importante, como trabalhar para diluir a força paralisante do ressentimento, por exemplo, quando ele nos impede de comemorar e estarmos felizes com as conquistas do outro?

Eu não acho que é uma tarefa fácil. A todo momento, nesse jogo de desequilíbrios, podemos ser olhadas e olhar com ressentimento. Mas como transformar isso em reflexão para que compreendamos mais profundamente a dimensão coletiva e entrelaçada de nossas vitórias e derrotas — mesmo as individuais?

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Bruna Rocha
Diálogos da Incerteza

Jornalista, ativista, mestranda em Comunicação e Cultura Contemporâneas e pesquisadora em Análise do Discurso. Ativista, feminista, afro-latina em diáspora.