Diálogo Elétrico: Bruno Brum

Uma conversa com o escritor de “Mastodontes na sala de espera”

Gabriel Pardal
Diálogos Elétricos
6 min readJun 6, 2017

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Esta aqui é a quarta edição do Diálogo Elétrico, série de conversas que estou começando a fazer com artistas pelo chat do Facebook. A ideia é conversar informalmente sobre as atividades profissionais, os interesses pessoais, reflexões, pensamentos e o que mais surgir no momento. A conversa deve seguir seu fluxo com questões nem sempre abordadas numa entrevista convencional, e o bate-papo virtual é perfeito para isso.

Nesta edição publico o papo que tive com o poeta Bruno Brum. Ele nasceu em Belo Horizonte, em janeiro de 1981. Publicou os livros Mínima idéia (2004), Cada (2007), Mastodontes na sala de espera (2011, Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura 2010) e 20 Sucessos (2016). Atualmente ele está finalizando a publicação de seu próximo livro.

A conversa aconteceu entre dezembro de 2016 e janeiro de 2017.

Gabriel Pardal: “20 Sucessos” (Luna Park, 2016) é o último livro que você publicou. Este livro você assina a autoria junto com o Fabiano Calixto. Como surgiu a ideia e como foi o processo de escrever em parceria?

Bruno Brum: O 20 sucessos surgiu do convite feito pelo Leonardo Gandolfi, da Luna Parque. Eles (Leo e Marília Garcia) estavam criando uma coleção de poesia contemporânea, com essa lógica de dois autores por número. Como eu e o Fabiano Calixto somos amigos e temos essa proximidade muito grande, esse diálogo e essa amizade, foi meio natural pra eles chamar nós dois para um livro. Topei sem pensar, pois, além de me sentir muito à vontade trabalhando com o Fabiano, confiava no trabalho que o Leo e a Marília vinham fazendo à frente da editora. A princípio pensamos em fazer um livro a quatro mãos, ir mandando os poemas por e-mail e ir mexendo aos poucos. Um negócio bem orgânico. Logo isso se mostrou inviável, e começamos a pensar em um processo em que cada um faria seus poemas, mas mandaria para o outro para discutirmos e chegarmos a um corpo final. No final das contas nada disso deu certo e acabamos trabalhando de forma isolada. De minha parte, escolhi 10 poemas que entrarão em meu próximo livro, ainda sem título, e coloquei no livro. O Calixto fez o mesmo e chegamos ao corpo final. Por incrível que pareça, acho que o 20 sucessos tem uma certa coerência. Não me pergunte qual, mas acho que tem.

Gabriel Pardal: Na excelente crítica que o Victor da Rosa escreveu sobre o seu livro “Mastodontes na sala de espera” ele diz “Os poemas de Mastodontes não são sutis nem vagos, muito menos complicados; pelo contrário, são precisos e diretos, às vezes literais mesmo — por isso carregam certo peso e lentidão. A sintaxe e o léxico são simples, quase nunca há metáfora ou qualquer espécie de alusão; e há quem diga também que não haja poesia.” Você concorda com isso? O que você acha que mudou na sua poesia neste último livro (o 20 sucessos e o próximo)?

Bruno Brum: Não apenas concordo, como afirmo ter perseguido isso durante muitos anos. Queria uma poesia simples, direta, contundente. Uma poesia que pudesse falar das coisas mais absurdas (o nonsense é um traço recorrente em meus poemas), mas de forma clara. Creio ter atingido esse objetivo em alguns poemas do “Mastodontes”. No “20 sucessos” dou continuidade a essa busca, deixando de lado certas manias e cacoetes dos livros anteriores, que não eram nada mais que as influências literárias decorrentes de minhas leituras. Hoje, algumas dessas influências ainda estão lá, mas de forma mais discreta, mais diluída. Tenho dito ultimamente que meus poemas nunca foram tão parecidos comigo: minha forma de pensar, minha forma de agir, minha forma de ver as coisas. Minha poesia hoje talvez seja aparentemente um pouco mais pobre, mas muito mais prósima do que se pode chamar de uma voz própria. Aos poucos estou encontrando essa voz.

Gabriel Pardal: Encontrar a voz, essa parece ser a busca do artista, afinal. É tipo quando falamos “um filme do Woody Allen” estamos querendo dizer mais do que um filme dirigido pelo Woody Allen, mas sim que tem a marca dele, a voz dele. Saramago tem isso, Cortazar tem, Leminski tem, enfim. Eu acho que você já tinha encontrado essa voz no Mastodontes, eu sinto uma unidade ali, uma coisa própria e original sua.

Bruno Brum: Acho que sim. O Mastodontes foi meio que esse divisor de águas na minha poesia. O que estou fazendo hoje é, de certa forma, desenvolver alguns pontos (procedimentos, técnicas, temáticas) que iniciei lá. Se você olhar bem, o meu primeiro livro, Mínima Ideia, de 2004, já tinha alguns desses elementos: um humor, uma ironia, um escracho, uma forma de ver o mundo e de abordar a linguagem. O que acontece é que essa voz própria vai se modificando com o tempo, alguns elementos vão sendo abandonados, enquanto outros são incorporados. Hoje acredito que essa minha voz está mais afiada que nos meus trabalhos anteriores, o que não significa que ela não possa mudar nos próximos livros.

Gabriel Pardal: De onde vem os seus poemas?

Bruno Brum: Dificilmente escrevo poemas sobre as coisas que acontecem comigo. Nunca fui de escrever poemas para namoradas, familiares, personagens da minha infância etc. Minha filha tem 4 anos e até hoje não fiz um poema para ela. Tenho dificuldade para escrever de forma direta sobre minha vida. Mesmo os poemas que descrevem situações bastante claras, acontecimentos e tal, são pura invenção. Por outro lado, toda a minha escrita está muito ligada à minha experiência de estar no mundo. Pode parecer meio contraditório, mas não é. O que acontece é que essa experiência passa por diversos filtros, é trabalhada e retrabalhada e no final o poema acaba sendo uma coisa muito diferente do fato acontecido. Sou muito estimulado pelo som das palavras, por imagens, por sugestões de todo tipo. Os poemas muitas vezes vêm do cruzamento de uma conversa que tive com um amigo, um poema que li, um filme que assisti, um outdoor que vi ao passar de ônibus. Sou onívoro em relação à informação, não faço o tipo “intelectual puro”. Isso quer dizer que num momento posso estar lendo Maiakóvski e no momento seguinte assistindo um programa qualquer na tv, e essas duas coisas influenciam minha escrita. Faço muitas anotações. Anoto ideias soltas, versos, títulos. Às vezes penso numa frase curta e acho que ela daria um excelente último verso. Aí escrevo todo um poema só para usar aquela frase no final. Nos últimos meses adquiri o hábito de escrever diariamente, mesmo que não tenha nenhuma ideia. Me sento na frente do computador e vou puxando as palavras, acessando essas diversas informações guardadas na memória. Isso tem sido uma experiência bastante produtiva.

Gabriel Pardal: Engraçado, há um tempo eu descobri um dispositivo que é escrever pensando em uma pessoa, que é para aquela pessoa que eu estou escrevendo, para ela ler. Isso afeta todo o texto, a linguagem, o formato e o conteúdo. Eu não vou escrever o mesmo e-mail, mesmo que conte a mesma história, para um amigo ou para uma ex-namorada. Pensar assim me ajudou a decolar com o texto.

Quais os últimos livros que você leu e recomenda?

Bruno Brum: “Risco no disco”, de Ledusha (Luna Parque, 2016, reedição do livro originalmente publicado em 1981); “O eremita viajante (haikus — obra completa)”, de Matsuo Bashô (Assírio & Alvim, Portugal, 2016); “Lambe-lambe”, de Sérgio Fantini (Jovens Escribas, 2016).

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Gabriel Pardal
Diálogos Elétricos

Artista. Escreve sobre processos criativos, inspiração e criatividade nos dias de hoje. https://www.gabrielpardal.com/