Diálogo Elétrico: Leandro Jardim

Uma conversa com o autor de “A Angústia da Relevância”

Gabriel Pardal
Diálogos Elétricos
7 min readJan 23, 2017

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Esta aqui é a terceira edição do Diálogo Elétrico, série de conversas que estou começando a fazer com artistas pelo chat do Facebook. A ideia é conversar informalmente sobre as atividades profissionais, os interesses pessoais, reflexões, pensamentos e o que mais surgir no momento. A conversa deve seguir seu fluxo com questões nem sempre abordadas numa entrevista convencional, e o bate-papo virtual é perfeito para isso.

Nesta terceira edição publico o papo que tive com o autor Leandro Jardim. Leandro é um escritor, poeta e compositor carioca, seus livros mais recentes são “A Angústia da Relevância” (romance, 2016), “Peomas” (poesia, 2014) e “Rubores” (contos, 2012). Em parceria musical com Rafael Gryner, lançou os EP’s “O Sonhador” (2014) e “Sementes musicais para um mundo cibernético” (2011).

A conversa aconteceu no final de dezembro de 2016.

Gabriel Pardal: No livro “A Angústia da Relevância” o narrador anuncia que o que ele irá contar não aconteceu com ele, mas com um amigo. Esse amigo é um aspirante a escritor que lhe entrega diversos textos escritos a partir de sua própria experiência. Portanto o livro "Angústia…" trata muito da criação literária, dos processos criativos de escrita, o meio literário. Como você vê o cenário literário do Rio de Janeiro atualmente e no Brasil? Pelo livro eu achei que você reflete muito sobre o ato se escrever, a atividade do escritor, e por que escrevemos. Visto que vivemos neste país que ninguém lê, e o escritor não é nada. Isso te angustia?

Leandro Jardim: Boa pergunta, difícil. Acho que a cena literária carioca se dá principalmente a partir de nichos. Em torno de eventos, de editoras, de gêneros literários, de departamentos acadêmicos ou de veículos de mídia, os escritores vão se agrupando. Não são grupos fechados, muita gente circula por muitos deles. Mas dentro dos nichos há, me parece, uma espécie de escambo que minimiza a solidão e as angústias da escrita. As pessoas leem mais os colegas de grupo, comentam, divulgam-se, fazem companhia nas conversas sobre livros e escritores. Reunidos, esses nichos compõem a vida literária da cidade, acho.

O alcance literário da grande maioria, portanto, transcende muito pouco esses espaços de nicho. Mas há também aqueles escritores, em geral nas editoras maiores, que mesmo fazendo partes de nichos ou grupos conseguem alguma projeção em críticas e prêmios. E isso rende convites para eventos pelo Brasil e oficinas,viabilizando um sustento financeiro literário. É uma realidade para poucos, mas que permite a muitos sonhar.

Isso nos leva a outra pergunta em que a reposta é sim. Essa angústia é o tema central do livro. E uma questão recorrente em meus textos. O que vale a pena ser escrito? Por que alguém iria querer ler isso?

Gabriel Pardal: Essa é a resposta mais clara que alguém já me deu sobre essa pergunta. Obrigado. Concordo contigo. Sou de Salvador, moro há quase 10 anos no Rio e percebo isso que você falou, mas não conseguia pôr em palavras com essa clareza que você colocou.

Qual as respostas para essas questões? “O que vale a pena ser escrito?” e “Por que alguém iria querer ler isso?”

Leandro Jardim: Um traço da minha personalidade é uma constante sensação de ser estrangeiro. Tenho também meus nichos, claro, mas é sempre como se eu fosse um pouquinho de fora. São espaços construídos, cavados, de um jeito-meio-sem-jeito, em que parece sempre no ar o risco de me descobrirem penetra. Talvez por isso haja essa identificação com a visão de quem vem de outro estado.

Mas, voltando, você me devolveu as perguntas. Elas são algumas das principais molas motoras do que escrevo. Em grande medida, minha literatura é uma tentativa de respondê-las. E, pensando agora, talvez seja quase o mesmo do que se perguntar sobre o que é a literatura. Acho que é prazer. Um prazer que mistura pensamento, estética, entretenimento, descoberta, empatia, desabafo, diálogo e outras coisas do gênero. É, sobretudo, troca. Uma troca atemporal e solitária mas sempre com um outro, que está em outro lugar e outro tempo. E me refiro tanto à escrita quanto à leitura, estão espelhadas. Parêntese: vejo a leitura como um ato criativo e literário, parte fundamental da constituição de qualquer texto. De volta, então, é nessa troca que tentamos nos inscrever ao escrever. Acho então que de certa forma o papel do escritor é encontrar na singularidade de sua experiência o que é que vale a pena compartilhar com o mundo. E naturalmente isso varia tanto quanto variam as singularidades. Para tornar o mundo mais bonito, compreensível, rico, justo, divertido, para, enfim, dar sentido à vida (ainda que apenas temporariamente). No “A Angústia da Relevância” tem um pouco isso de que a arte, mais do que a religião ou a filosofia, é o que pode dar sentido a existência. Quando estamos num fluxo, seja de criação ou fruição artística, tudo parece enfim justificado e prazeroso. Talvez por isso ler e escrever. Por prazer.

Gabriel Pardal: Como você concilia o seu trabalho e o tempo dedicado à ele, com o seu processo de escrever? Você escreve todo dia? Escreve em casa? Tem ritual?

Leandro Jardim: O meu trabalho é bastante flexível. Na verdade são vários trabalhos. Eu faço consultoria, dou aula, estou terminando mestrado e entrando no doutorado, enfim, me divido em muitas atividades e no meio disso tudo vou encaixando leituras e escritas. Em geral não tenho rotina. Se algo algo acende meu espanto, tento cavar um espaço para descrevê-lo. A inspiração é um ponto de partida. Daí mergulho quase obsessivamente em um processo de releitura e reescrita, aproveitando cada intervalinho. Já para a novela que estou lentamente escrevendo, como ela requer um fôlego maior, eu me vejo na necessidade de criar uma rotina. Funciona em temporadas. São temporadas de rotina. Na última, por exemplo, eu acordava bem cedo, por volta de 5 da manhã, e escrevia até meu filho acordar. Mas agora, confesso, já estou precisando criar uma nova para que o livro possa avançar.

Gabriel Pardal: Quanto tempo você levou escrevendo o Angústia?

Leandro Jardim: Cara a escrita original e a primeira montagem do mosaico devem ter levado uns 9 meses. Mas depois foram alguns anos, 5 talvez, pedindo opiniões de amigos, trabalhando nos comentários, recheando lacunas, escrevendo um pouco mais, apagando um pouco mais e alterando a ordem até as vésperas do lançamento.

Gabriel Pardal: Você está escrevendo algo nesse momento?

Leandro Jardim: Estou pra reunir novas coletâneas de contos e poemas escritos mais recentemente, e tenho um terço de uma nova novela em lenta evolução.

Gabriel Pardal: Acho que o conto é o formato que eu mais gosto de ler e escrever. Acho que a literatura da América Latina é muito essa pegada, histórias curtas e firmes. Rubem Fonseca e Sérgio Santanna são dois mestres. E o Dalton Trevisan, Cortazar, Borges, David Foster Wallace, Clarice, Marcelino, todos esses tem essa escrita curta maravilhosa.

Eu gosto de pensar também que o conto é como um disco. Em um disco você tem várias faixas que contam histórias separadas que no total formam uma unidade. Tô falando isso porque também estou terminando um livro de histórias curtas e imagino muito isso como um disco. O Dylan, por exemplo, para mim cada disco dele é um livro de contos. Aliás, esse teu livro, "A Angústia…"tem uma pegada de conto.

Leandro Jardim: Estou totalmente de acordo, em muitas camadas… também sou aficionado pelo conto latino americano e por Sérgio Sant’anna e Rubem Fonseca… falando nisso você já leu "Pássaros na boca" da Samanta Schewblin? é uma contista argentina fenomenal!

E, sim, a ideia original do "A Angústia…" era ele poder valer como livro de contos, misturado com livro de poemas e com uma costura ficcional. Ele já teve até outras ordens e que eram mais enigmáticas ou menos explícitas… os trabalhos de edição acabaram me incentivando a tornar o livro um pouco mais linear, o que eu acabei por gostar bastante. Mas a ideia é que todo e qualquer trecho tenha seu valor por si só, mesmo fora do todo.

Me vejo mais no conto também, estou nesse processo de escrever uma livro de maior fôlego, mas para mim é um esforço hercúleo e anti natural. Acho que sou do time das formas curtas em que, como diz o Cortázar: a vitória tem que ser por nocaute (e não por pontos, como o romance).

Gabriel Pardal: Simsim. Também estou terminando uma narrativa longa. Estou gostando de escrever esse livro, é uma jornada interessante, mas de fato quando falam “escrita de fôlego” é exatamente isso. Sinto que escrever essa história mais longa é um exercício físico, quase sempre saio da frente do computador exaurido, suando. Enquanto que no conto eu me divirto mais, parece ser mais uma expressão artística (racional, intuitiva, emocional, leve, pesada) como pintar um quadro ou compor uma música.

Quais são os últimos livros que você leu e recomenda?

Leandro Jardim: Cara minhas duas últimas leituras, que terminei bem recentemente e que me fascinaram são “Um amor feliz” da Wislawa Szymborska, e “A história dos meus dentes” da Valéria Luiselli. Recomendo muitíssimo ambos.

Dicas do Leandro Jardim.
Um livro:
Um livro cuja leitura me marcou, e que considero pouco comentado, é o Milagrário Pessoal, do Agualusa.

Um disco: Seguindo na linha afro-lusófona vale muito a pena ouvir a Mayra Andrade, meu disco preferido é o Navega, o Crioulo cabo-verdiano é uma língua incrível.

Um filme: E no cinema, ainda estou bastante impactado pelo tristíssimo e engraçado "Capitão Fantástico", baita filme.

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Gabriel Pardal
Diálogos Elétricos

Artista. Escreve sobre processos criativos, inspiração e criatividade nos dias de hoje. https://www.gabrielpardal.com/