Diálogo Elétrico: Victor Heringer

Uma conversa com o escritor de "O amor dos homens avulsos"

Gabriel Pardal
Diálogos Elétricos
8 min readSep 22, 2016

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Esta aqui é a estreia de uma sequência de diálogos que estou começando a fazer com pessoas pelo chat do Facebook. A ideia é conversar informalmente sobre as atividades profissionais, os interesses pessoais, reflexões, pensamentos e o que mais surgir no momento. A conversa deve seguir seu fluxo com questões nem sempre abordadas numa entrevista convencional, e o bate-papo virtual é perfeito para isso.

A primeira edição do Diálogo Elétrico é com o escritor Victor Heringer. Nascido no Rio de Janeiro em 1988, é autor de Glória (7Letras, 2012, Prêmio Jabuti), O escritor Victor Heringer (7Letras, 2015), Lígia (e-galáxia, 2014), e acaba de lançar o romance O amor dos homens avulsos (Cia das Letras, 2016).

A conversa aconteceu entre as 14h e 18h da quarta-feira 21 de setembro de 2016.

Gabriel Pardal: Me conta um pouco da sua formação, você fez Letras na UFRJ? Como foi seu primeiro contato com a literatura, por que quis ser escritor e como foi a faculdade?

Victor Heringer: Na primeira vez que vi um texto meu publicado eu estava na quinta ou sexta série. Era um microconto intitulado “O piquenique”, no qual a protagonista manipula seus amigos para conseguir o que queria: um piquenique.

Então não me entendo como não-escritor. Sempre fui e estou condenado a ser.

O restante partiu dessa constatação: já que sou escritor, preciso arrumar uma profissão paralela que me dê dinheiro, a Letras foi essa escolha (não sou bom de escolhas). A UFRJ é onde me formei de verdade: ali minha personalidade se fez e onde entendi que a universidade, quando não é voltada exclusivamente para “o mercado de trabalho”, é uma das coisas mais bonitas que o homem inventou.

Gabriel Pardal: Pois é, essa é uma questão… Uma angústia da escolha de se tornar escritor no Brasil, certo? Porque aqui parece que tudo luta contra ser escritor — que é diferente do escritor lutar contra tudo, que ao meu ver, é necessário. Mas qual é o lado bom? Quais as vantagens em ser um escritor brasileiro?

Victor Heringer: É. No Brasil, ser escritor nunca foi uma escolha prudente. Ou é uma condenação, ou é vaidade de quem tem imóveis como fonte de renda. Daí que, para os imprudentes condenados, escrever passe a ser uma espécie de missão. É bonito. Pouco prático, mas bonito.

Gabriel Pardal: E nisso tudo você ganhou o Prêmio Jabuti em 2013 pelo romance "Glória". Como foi receber esse prêmio?

Victor Heringer: Foi surpreendente. Há três anos, quando o “Glória” foi premiado, eu tinha 25 anos de idade. A idade pouca me salvou do deslumbre, porque a primeira coisa que pensei foi “Quem ganhou foi o livro, não eu — ninguém em sã consciência premia um garoto de 25 anos de idade”.

Gabriel Pardal: Engraçado porque pode-se pensar exatamente o oposto. “Tenho 25 anos e fui premiado, devo ser um gênio.”

Victor Heringer: O conceito de “genialidade” é um troço que já deu o que tinha que dar, né. Não tenho muita paciência para me achar gênio. Teria que me vestir todo excentricão e falar coisas muito misteriosas? Teria que ser insensível com quem convivo? Me parece trabalhoso demais… Dá preguiça. O que é bom, a preguiça às vezes é a mãe da humildade.

Gabriel Pardal: Quando você começou a escrever Glória, quantos anos você tinha?

Victor Heringer: Não lembro quando comecei o “Glória”. Devia ter uns 21. [rs]

Gabriel Pardal: Esse prêmio foi um negócio importante para a cena literária carioca, eu acho. Mesmo que os escritores cariocas não falem isso, ou não tenham falado isso (e provavelmente não falam, por uma questão de “inveja”, “concorrência”, etc), mas iluminou uma produção de prosa contemporânea de escritores cariocas que não é muito difundida.

Victor Heringer: Nunca tinha ouvido essa teoria. Que bonito. Se serviu como iluminação, fico realmente feliz.

Gabriel Pardal: O Rio de Janeiro atual é mais conhecido pelos seus poetas e compositores, não tanto por prosadores.

Victor Heringer: O Rio é mesmo um acachapante poetódromo (aí incluo a música). Uma das nossas maiores invenções em prosa foi a crônica, que dorme com a poesia todas as noites e vai trabalhar na redação de dia.

Gabriel Pardal: Mas não que não haja prosadores aqui. É um negócio da mídia, do que interessa para o mercado literário, sei lá. Observando isso a gente diz que em São Paulo têm 347 escritores, em Porto Alegre têm 265 escritores, e aqui no Rio têm 2. Hehehehe é uma brincadeira, claro, mas é o que chega ao público de livros (se é que isso existe).

Victor Heringer: É uma percepção esquisita, né? Não sei — porque estive quase três anos fora do Rio — como estamos de vida literária por aqui, mas acho que é uma impressão que passa pelo que aconteceu na cidade. O Rio virou esse über-balneário, ofereceu o próprio pescoço ao turismo predatório.

Em 2013, a gente tinha basicamente duas opções de cidade diante de nós, as duas ligadas às vocações básicas do Rio: uma cidade-hotel, puramente turística (em seu pior sentido), ou uma cidade de convivência aberta (inclusive ao turismo). Deu no que deu.

Lembro do Vila-Matas reclamando da Barcelona olímpica: “Viramos uma cidade de camareiros”. O que prejudica um pouco a vida dos artistas.

Gabriel Pardal: E agora, depois de passar dois anos em São Paulo, você está de volta ao Rio. São Paulo não foi boa com você?

Victor Heringer: São Paulo tentou, tadinha. Até que não é culpa dela, embora eu tenha meus problemas com a cidade. Eu sofro da síndrome de Aires. Como o conselheiro Aires do Machado, tenho uma pulsão de eterno retorno ao Catete. [rs]

Gabriel Pardal: Acho São Paulo muito diferente do Rio de Janeiro. E eu que sou de Salvador, acho São Paulo completamente diferente da Bahia. Eu não conseguiria morar entre prédios e mais prédios. O Rio é mais parecido com Salvador, tem essa coisa da natureza fazer parte da cidade, essas florestas, essas pedras, esse mar, não conseguiria viver sem isso.

Victor Heringer: Pois é. Eu também não. As ruas do Rio têm mais camadas para mim do que as ruas de Londres, por exemplo, que tem mais de dois milênios de história. Não há por que viver longe do que se ama.

Gabriel Pardal: Vamos falar do seu novo livro “O amor dos homens avulsos”, publicado pela Companhia das Letras. Como surgiu a ideia desse romance?

Victor Heringer: “O amor dos homens avulsos” foi surgindo por acumulação, como todos os meus livros. Primeiro eu sonhei com o conflito básico: um menino desconhecido chega para morar na casa de outro.

Depois decidi que se amariam. Que um dos dois teria limites físicos bem definidos (algo que poucos meninos, estourados e enérgicos, experimentam na primeira infância). Que haveria um assassinato…

Gabriel Pardal: E daí você escrevia todos os dias?

Victor Heringer: Não. Sou pouco industrial nesse sentido. Cada etapa demanda uma dedicação diferente. Só fui escrever mais seguidamente quando o núcleo foi surgindo, que é a voz do narrador. A partir dessa voz, o livro “foi se escrevendo”. Antes disso, é aos trancos, barrancos e reescritas.

Gabriel Pardal: Durante o processo você se pergunta por que está escrevendo isso? Por que você escreveu sobre o primeiro amor? Além disso, o livro tem um tom meio melancólico, triste. O quanto disso é uma escolha e por que escolheu isso?

Victor Heringer: As preocupações de fundo estão lá, mas esses porquês fazem parte da escrita: você descobre as perguntas enquanto escreve e essas descobertas viram preocupações temáticas e formais. É um processo delicioso. Acho incompreensível aquela blague de escritor-sofrido que diz que o bom não é escrever, é ter escrito.

Eu sou meio triste e melancólico, então os personagens que vou compondo pegam um pouco disso. E eles vão me compondo também. Mas o tom no “Amor…” 🏇 vai em direção à ternura, que é melancólica, mas não é triste.

Gabriel Pardal: Eu gosto de escrever. Geralmente acho difícil começar a escrever. Porque é um exercício como qualquer outro, do tipo, quando saio pra correr, adoro, tenho muito prazer correndo, mas muita preguiça de sair de casa, calçar os tênis e correr. Mas quando corro é ótimo. A escrita funciona da mesma forma pra mim.

Victor Heringer: E quando você não corre/escreve se sente culpado?

Gabriel Pardal: Sentia. Porque hoje em dia eu escrevo todos os dias, porque quero ou porque preciso. Mas não tenho corrido, então me sinto culpado por não correr.

Victor Heringer: É um mecanismo similar ao do vício, né? Daí que somos condenados, como os vigoréxicos.

Gabriel Pardal: E agora que está de volta ao Rio, quer contar o que está nos seus planos? Novos livros, novos trabalhos? Ou vai ficar o dia inteiro, todos os dias, na praia?

Victor Heringer: Escrever é meu único modo de negociar minha própria identidade em relação ao mundo. Não posso não escrever. Mesmo se passar o dia inteiro na praia, estarei escrevendo. (O que é uma ótima desculpa para se passar o dia inteiro na praia).

Gabriel Pardal: Qual é a tua praia?

Victor Heringer: Vou escapar da resposta metafórica e te dar o local exato…

Gabriel Pardal: Boa. É bem exatamente onde eu corro (corria).

Victor Heringer: Na época em que eu corria ali tinha um velhinho que corria só de shortinho, chinelos e com dois sacos cheios de arroz. Não há como não amar.

Gabriel Pardal: Então é isso, camarada. Mucho obrigado pelo seu tempo. Agora que está no Rio vamos combinar de tomar uma água de coco, umas cervejas, pegar essas praias e escalar umas montanhas.

Victor Heringer: Agora, à praia e à cerveja. Beijos!

Dicas do Victor Heringer

Um filme: “Des hommes et des dieux” é um filme do Xavier Beauvois, um dos meus preferidos. Além de ser importante como ponto de pensamento-pólvora, tem uma das cenas mais bonitas que já vi no cinema.

Um disco: “Feiticeira de côr morena”, do violinista cabo-verdiano Travadinha. Esse homem precisa ser ouvido à larga no Brasil.

Um livro: “Panteros”, do Décio Pignatari. É um dos meus romances brasileiros favoritos. Muito pouco lido, infelizmente.

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Gabriel Pardal
Diálogos Elétricos

Artista. Escreve sobre processos criativos, inspiração e criatividade nos dias de hoje. https://www.gabrielpardal.com/