Lembrança 22 | Um Dia Branco

Livea Chefer
Diário Atrasado de Intercâmbio
2 min readAug 30, 2018

Eu odeio despedidas.

Acho que é de família.

Outro dia, minha avó me contou que ela sempre esquece de nos lembrar de levar aquela sacola de chuchu ou o docinho que ela fez no momento que estamos indo embora.

“Ah, eu fico muito tensa e acabo esquecendo.”

Eu entendo bem o que ela quer dizer. Durante os mais de 10 anos que moramos em Brasília, longe dos avós, tios e primos … sempre foi assim.

Era muito chato dizer adeus.

E foi com esse sentimento que saímos para a rua naquele dia branco no Canadá.

Eu e meu marido tínhamos que ir à Prefeitura para quitar nossa conta de luz e desativar a rede.

A gente estava saindo do apartamento que a gente morou por mais de 10 meses. Em breve, eu retornaria pro Brasil.

Ele continuaria por mais 4 meses no Canadá … dividindo a moradia com outra pessoa.

A neve caía desde a madrugada. Era dezembro.

Nevar tanto era raro na nossa cidade. E, naquele dia, dava pra fazer snowboarding nas ladeiras da cidade.

Era um dia branco, assim.

Branco também nas emoções.

Lembro vagamente de termos quitado a conta e avisado pra atendente que a gente mudaria daquele endereço.

Ela nos desejou um Feliz Natal (quem dera todos os atendimentos na Prefeitura fossem assim, tão gentis e solícitos) e nos deu um chaveiro refletor de luz … para colocar na mochila caso a gente saísse de bicicleta à noite.

Tudo pela segurança.

Mas segurança era a última coisa na minha mente.

De repente, tudo se tornou muito real para mim.

Eram meus últimos no Canadá. Últimos dias de neve … de risadas com os amigos … de abraços das crianças da escola em que eu trabalhava.

Era a insegurança muito real de retornar pro Brasil e não ter a mínima ideia de como seria.

Por um lado, era bom saber que eu iria voltar pra casa. Mas era tão triste, ao mesmo tempo.

Pois ali, no Canadá, eu tinha construído uma casa também.

Os tijolos eram feitos de solidão e saudade, o cimento continha a força dos vínculos que eu criei ali … o telhado era sustentado pelo conhecimento de que — independente de onde eu estivesse — eu era amada.

E se despedir daquilo … foi surreal. Foi neutro, foi branco, foi vazio.

Um dia coberto de neve. Gelado no coração.

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Livea Chefer
Diário Atrasado de Intercâmbio

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