Achei roupas que cabem direitinho
Achar mesmo: de graça, na pilha de coisas esquecidas por outras pessoas. Um casaquinho verde e uma calça jeans elástica justinha e flexível, do jeito que eu gosto. Estão meio sujas, mas tudo bem, porque eu vou sujar mais. Depois eu lavo e vão ficar como novas.
Sabe o que é vir pra um sítio no interior da Bahia e na caixa de roupa usada encontrar umas que servem exatamente em ti? Exatamente as peças que tu tava precisando? Da cor e modelo que tu gosta? E que custaram zero reais?
Pra mim, que leio sinais como se fossem placas de trânsito, é um grande SIM. O caminho é esse, a pista tá livre, o farol tá verde; abriu, pode passar.
Eu presto bastante atenção nos fluxos não mediados pelo dinheiro. Canais por onde corre a abundância da vida. E nas coisas que aparecem na hora e na medida que são necessárias. Nem antes, nem depois; nem mais, nem menos: o bastante. O bastante abundante.
Ontem meu entrevistado falou: "Eu levo uma vida muito simples. Não lembro qual foi a última vez que entrei em uma loja pra comprar uma roupa". Eu sim. Lembro inclusive da última vez que tive um "ataque de consumismo". Foi em agosto de 2017, na Colômbia. Eu queria uma calça branca, inspirada pelo vestuário dos cubanos, muito azul e branco. Comprei duas calças e três shorts brancos. Em junho eu já tinha comprado num brechó em Austin quatro camisas de flanela (para adotar o estilo dos agrofloresteiros). Provavelmente não precisava de quatro camisas, e nem de três shorts, ou de duas calças. Mas no ano passado eu comecei a "descamar", mudar de pele. Eu estava mudando por dentro e queria uma nova forma de me expressar visualmente no mundo. Nessa compra adquiri a casca nova — mas também foi um sintoma do meu ainda recorrente recurso de usar coisas externas (comida, compras, álcool, drogas) para tampar buracos interiores.
Adoraria dizer que depois disso não comprei mais roupa, mas não é verdade. Um vestidinho colorido do ambulante na praia, uma camisa com cheiro bom no veraneio em Valizas, um chinelinho com florzinhas amarelas... Eu ainda compro coisas que não preciso. Tem uns buracos internos ainda querendo ser preenchidos, e de vez em quando eu me distraio e saio do presente e faço coisas que "tampam" sentimentos. Mas nada se compara ao que era antes. Antes: dois guarda-roupas, de duas e três portas. CHEIOS. De coisas que passei anos comprando: sapatos (MUITOS), roupas, maquiagem. Ainda tenho muitas dessas coisas. E já estou me desfazendo delas há quase dois anos.
Não tenho a ilusão de que nunca mais vou comprar roupa. Mas aos poucos tá dando pra entender quando se aproxima uma compra-tampa, e evitar. Eu lembro quando isso começou. Eu pensava em comprar e sentia um vazio. A sensação era nítida: não, comprar essa coisa não vai tapar esse buraco. Hoje, cada vez menos eu tenho vontade de comprar coisas (atualmente estou trabalhando na questão comida: como eu compro comida na tentativa de evitar a falta futura de comida. Comida como garantia de segurança. Comida como… tampa).
Achar roupas que cabem perfeitamente é mais legal do que comprar. Não apenas porque não envolve dinheiro (e eu adoro as coisas que não são mediadas pelo mercado) — mas também porque tem história: serão sempre as roupas do kilombo — e porque faz sentido. É uma roupa que chegou não porque tá na moda ou porque "eu não tenho roupa!" (dito na frente do armário cheio). Tá mais frio do que eu esperava na Bahia. Cheguei aqui e pensei “seria legal se eu tivesse trazido um casaquinho molinho, pô, como é que eu não trouxe uma legging?”. Daí lembrei que o kilombo devia ter uma caixa de achados e perdidos, coisas que as pessoas esquecem. A calça justinha e o casaco verde tavam ali me esperando.
O aqui/agora já tem tudo. As coisas (que já estão ali) vão aparecendo na hora e na medida que são necessárias. Nem antes, nem depois; nem mais, nem menos. O bastante abundante.
O aqui-agora é exatamente o que é, sendo. ❤
Gosto de hortas, bichos, dança, sol, mar, mato, gente pelada, comida-planta, amor, desejo, entusiasmo, gratidão. Ando pelo mundo vivendo isso e estudando/praticando agroecologia, agricultura sintrópica, permacultura e agricultura urbana. Escrevo na Herbívora, no coletivo de mídia independente Por Que Não? e aqui no Medium. Minha vida é um livro aberto no Instagram e também arrisco uns vídeos toscos no HerbívoraTube. Dou oficinas pra quem quer começar a plantar em casa e compostar. Cozinho, danço e dou cada abraço… ❤