Esse 2018

Tá me dando vontade de fazer uma retrospectiva

Alessandra Nahra
diário da viagem pra dentro
12 min readDec 30, 2018

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Esse ano foi eu achando as novas configurações o tempo todo. Qual é meu trabalho, o que eu faço no mundo, como me relaciono, quem são as parcerias. 2017 foi o primeiro ano da vida nova "pós-capitalismo". Teve muito estudo, cursos, vivências, e a viagem pela América Central. 2018 foi o ano para assentar, enraizar, e ver como seria minha ação, o meu trabalho. Te digo que não deu tempo. Ainda não sei.

Eu acho que em 2018 não fiz muita coisa. Mas ao mesmo tempo fiz coisas intensas e importantes. E dezembro ofereceu um fechamento apropriado, com projetos sendo finalizados e sementes sendo plantadas.

Destaques do ano:

  • Escrevi dois livros. Não autorais, mas sob encomenda, para uma editora. Nunca tinha escrito nada tão longo. Foi uma grande oportunidade, um grande aprendizado.
  • Gravei um curso online de Horta Caseira Agroecológica. Gente. Delicioso espanto. Eu? Fazendo isso??
  • Agora em dezembro abri um canteiro, com Felipe Chammas, no que era a Horta Comunitária da Vila Pompéia. Sem pretensão nenhuma, eu e ele não vamos estar aqui pra cuidar nos próximos meses. Mas é tão significativo deitar sementes no chão sem expectativa de resultado. A gente planta porque sim. Passei lá uma semana depois do plantio e tá tudo germinando lindo.

Mesmo que eu soubesse que o mundo acabaria amanhã, ainda assim eu plantaria uma macieira.

-Martinho Lutero

Lugar no mundo

Não sei pra onde ir, geograficamente. Alguma coisa me inquieta aqui onde estou, apesar de eu amar essa casa, o espaço que ela me dá, de sol e plantas e quietude. Uma parte de mim não aguenta mais São Paulo, mas eu GOSTO daqui (a dança, as pessoas, o movimento, a diversidade, a cultura, andar nas ruas feias e cheias de carros, abraçar as árvores, guerreiras, ancorando a vida no meio da fumaça de escapamento). Eu queria que a Universa me levasse pra onde eu tenho que ir. Como a moça cubana que conheci em Salvador. Ela mora lá faz tempo, fez mestrado e está no doutorado. Eu perguntei se ela não pensava em voltar para Cuba. Ela respondeu que não cabe a ela decidir. Que são os orixás dela que sabem dos seus caminhos. Eu amei isso. Queria que fosse assim comigo. Que um orixá me mandasse pra lá. E eu ia.

Afeto

Foi um ano de alguma dor e aprendizados afetivos. Um moço que eu tava gostando brigou comigo por causa de uma coisa que eu fiz e o episódio me deixou muito mal. Doeu. E me jogou em um lugar de quase depressão, de novo. Por algum tempo achei que ia precisar de auxílio extra além da terapia. Mas dei conta de sair dali por meus próprios meios (e com a ajuda da análise). Hoje eu tenho os instrumentos que antes eu não tinha.

No inverno fiz uma viagem para o frio e me senti muito só. No fim houve aprendizados e decisões que renderam frutos logo na volta (eu queria escrever, vieram os livros). E a realização de que não quero mais ficar sozinha. Passei muito tempo fazendo escolhas que me levaram a uma vida muito solitária. Eu amo ficar sozinha, ir a shows, espetáculos, cinema, dançar — sozinha. Mas nos últimos anos desfiz todos os laços enquanto tentava desatar os nós. Agora me vejo muito desparceirada. Não quero mais isso. Não quero mais ficar/andar sozinha. E comecei movimentos em busca de comunidade e parceria.

Uma outra descoberta importante do ano foi a de que se eu tiver que forçar pra acontecer (QUALQUER coisa), eu não quero. Não vou forçar nada. Ou tá fluindo ou eu desisto.

Hortas

Não fiz muito esse ano. A Horta da Laje não cresceu, e agora no final do ano encolheu, pois vou passar o verão no sul e não quero deixar mais trabalho pro povo da casa. Porém fiz uns trabalhos legais: no comecinho do ano participei, a convite das amigas do PermaSampa, de um plantio e uma roda de conversa no Jardim Damasceno, onde conheci a mana Eudóxia das Batatas Jardineiras. Chamada pelo Emílio, ex-cliente da NET dos tempos de Saiba+, coordenei os voluntários da Vivo na revitalização da horta da escola Ileusa, com a minha parça de roça e forró, Thaíza; fiz também um canteiro na casa da minha irmã em Porto Alegre e a mini horta do Studio Maricotinha, o salão de beleza da minha amiga Val (eu troco jardinagem por depilação :). E teve o dia de monitoria do PDC PermaSampa na Quebrada Sustentável, roçamos e preparamos um canteiro. E a ação com as crianças na praça no Campo Limpo, com a Thaíza junto também.

Porém não participei de quase nenhum mutirão, não fui o quanto gostaria na Quebrada Sustentável trabalhar com as Mulheres do GAU (a ideia das experiências no Airbnb não deu certo), fui só uma vez no assentamento Irmã Alberta, e frequentei hortas comunitárias só nas festas, praticamente. Lá pelo meio do ano ensaiei escrever uma matéria sobre agricultura urbana em São Paulo e visitei as Batatas Jardineiras e a Horta di Gueto, que queria conhecer faz tempo. Mas foi mais como jornalista mesmo (e a matéria não saiu).

Ativismo

No começo do ano inventei a oficina Virei vegana, e agora?, e surgiu o zine Herbívora 3: veganismo + agroecologia. Dei essa oficina também no Bazar Vegano de Floripa em maio. Uma das minhas grandes inspirações, a Sandra Guimarães do Papacapim, veio ao Brasil e a fala dela aprofundou minhas ideias, escrita e ativismo. A oficina virou uma fala sobre consumo político e descolonizar a alimentação, que fiz no segundo Bazar Vegano de Floripa, em novembro (o Bazar Vegano de Floripa é o evento mais ativista e interseccional que já fui). Em dezembro, a Paula da Bancada Ativista me convidou para falar sobre causa animal + agroecologia no encontro Bancada Escuta.

Essas ideias surgiram a partir de leituras e do que vi na Guatemala em 2016. A HerbivoraAgroTrip, aliás, parece distante no retrovisor e parece não ter tido muita continuidade, mas vários dos meus pensamentos e ideias e discurso e ação derivam do que comecei a ver nessa viagem pela America Central.

Um negócio importante também foi o vira-voto. Não porque achei que fiz alguma coisa útil, ou que convenci alguém. Pelo contrário, foi importante porque aprendi que meu discurso é sofisticado e que bate e volta, não entra nas pessoas. E comecei a pensar em estudar educação, porque para que alguém entenda o que eu tô dizendo é preciso ter pensamento crítico e visão sistêmica, e a gente não aprende isso na escola. Eu não quero que ninguém acredite em mim, eu quero que a pessoa se informe, analise, pense, e chegue às suas próprias conclusões. Outra coisa que eu aprendi naquele dia é que tem que estar na rua todos os dias, e não só nos 15 minutos antes das eleições. Onde eu estava no resto do ano? Nos anos anteriores? Isso tudo me levou a estudar Paulo Freire e educação popular. No curso que fiz, o professor, Daniel, falou: "trabalho de base é a construção de espaços onde as pessoas se vejam como coletivo". ❤

Em dezembro eu ajudei a Cris do Amigos da Mancha e levamos comida e ração pra moradores de rua e seus cães, e levamos cachorros pra castrar.

Oficinas

Esse ano fiz uma oficina de Horta-em-qualquer-lugar aqui em casa, de novo. A Horta da Laje foi onde tudo começou, e foi bem legal trazer para a origem e ver a evolução. Teve uma oficina na Grama Cosméticos, e várias na querida Escola de Botânica, e no segundo semestre os dois conteúdos (compostagem e plantio) viraram uma só oficina: Compostar + Plantar (que tem um pouco de Comer também).

O povo da União de Hortas Comunitárias de São Paulo, através da minha professora e mestra Claudia Visoni, me chamou, junto com um monte de plantadores urbanos queridos e sabichões, para o evento de inauguração da horta do SESC Paulista. E dei lá, no novo e lindo SESC Paulista, uma oficina de sementeira com a Mari, parça da Cláudia (e articuladora junto com Eudóxia das Batatas Jardineiras).

Teve também uma participação muito legal e querida na tarde de Jardim Agroecológico da Andréa Pesek, lá na Granja Viana — mostrei e fizemos manejo de uma mega bananeira!

E aula de plantio na oficina das super talentosas marceneiras Joici e Fernanda, no SESC Santana. Os alunos construíram um lindo canteiro de madeira e na última aula a gente plantou juntos.

Esse ano também dei oficinas em Porto Alegre, pela primeira vez. De horta e a de descolonizar a alimentação, na ocupação Utopia e Luta ❤ (e na Pinheira também).

Movimento

Voltei pra capoeira angola depois de décadas afastada e tive a sorte de cair no grupo Mutungo e conhecer mestre Zelão, que me acolheu com muita gentileza. Minha prática em si não durou muito tempo, interrompida por um cair na real dos meus limites corporais e de tempo. Mas os aprendizados ficaram e a conexão com eles permanece.

E o forró… cada vez mais fundamental pra minha vida. O corpo é importante. Gosto de sentir os limites do meu corpo no corpo de outros. Gosto do corpo masculino, forte, maior que eu, me abraçando com firmeza, me conduzindo. O forró me dá tudo isso e é interessantíssimo enquanto diálogo sem palavras. Agradeço a cada homem que dançou comigo, passou seu perfume pras minhas roupas, me empapou de suor.

essa foto dançando nem é de 2018, mas é a única que tenho de eu dançando

Viagens

O ano começou com a gente voltando do Uruguai e resgatando os três cachorrinhos na beira da estrada. No meio do ano fui pro Uruguai de novo, no frio e na chuva, e me senti muito sozinha (mas a viagem rendeu importantes descobertas). Nessa mesma viagem visitei e conheci, em La Paloma, a fofa Verônica que eu só conhecia pela internet. E passei por Porto Alegre e Floripa para dar as oficinas. Amo viagens com várias paradas. Geralmente eu compro só a passagem de ida e vou decidindo o itinerário no caminho.

Fui pra Guarda várias vezes, que era o que eu queria, mas não consegui ficar lá muito tempo direto, que era o que eu queria também. Passei meu aniversário na Prainha. E tive a companhia maravilhosa da minha primeira amiga da vida, Angela, com Stew e Oliviana, lá de Austin. E lá na Guarda também encontrei Aline e João e fizemos um vídeo de manejo de bananeiras.

Em agosto fui pra amada Bahia e foi fantástico. Foi a imersão com mestre Cobra Mansa. Fiquei no Kilombo Tenonde alguns dias, depois Salvador, e por fim o acompanhei ao Rio de Janeiro, para o evento de 45 anos da Roda de Caxias. No Rio fiquei com os queridos Ana e Rui, no cantinho do Leblon que me acolhe, e encontrei, depois de 20 anos, o Philippe, maior paixão e coração partido da minha vida.

Em novembro fiz uma viagem composta bem engraçada: Natal (fazer entrevistas para um freela de pesquisa)— Uruguaiana (encontrar a família do pai e os tios pra ver o túmulo dos meus avós, chorar, levar flores e me despedir; não sei se volto à fronteira)— Porto Alegre (ver amigas, irmã e sobrinhos, comer, fazer entrevistas pro freela)— Floripa (Bazar Vegano) — Guarda (preparar a casa para o verão e terminar de escrever o livro de Cobra Mansa).

Agora em dezembro voltei ao Santuário Vale da Rainha finalmente, depois de um ano. Lugar de verdade e amor, de mestres animais e da minha mestra Patrícia e do Vitor. Aprendo muito lá. Foi simbólico ter terminado o ano indo lá depois de tanto tempo. Queria ter ido antes mas parece que não dava, e agora comecei a retornar aos lugares que foram importantes para o meu aprendizado desde 2016. Parece que agora já dá. E sinto que vou voltar a outros.

Fechamento

Comecei o texto dizendo que não fiz muito em 2018, mas caramba! Eu fiz um monte coisa em 2018.

Tô escrevendo esse texto no dia 30. É raro pra mim estar em São Paulo nessa época do ano. As ruas estão vazias e eu não tenho mais muita atividade externa. Estou afofando bastante os gatos, vou ficar longe deles por um tempo. Lavando roupa, arrumando a casa e a horta. Eu gosto de deixar tudo arrumado. Não gosto de deixar pontas soltas e sair por aí. As pessoas vieram aqui pegar plantas e canteiros da Horta da Laje pra levar para os seus cultivos e isso foi bem simbólico. Gente que eu gosto, gente que conheci nesses últimos anos de descobertas agroecológicas e que me inspiraram e ensinaram. Altas conversas e comida. Gravei finalmente um vídeo ensinando a fazer composteira em balde, com a amiga Martinha. E outro sobre o processo de compostagem, com a parça Aline.

E até reconciliação teve, com o moço que brigou comigo. Foi doce.

Esse fechamento marca na prática o início do meu movimento em direção à comunidade e ao reestabelecimento de laços. Quero me juntar à pessoas a partir de agora. Vou passar o verão na praia e depois não sei. Tô aberta a trabalhos e a convites para ir para lugares. Tô esperando o orixá vir e me levar ❤

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Alessandra Nahra
diário da viagem pra dentro

Escrevo, planto, estudo, viajo. Falo com bichos, abraço árvores, e vice-versa.