Por Que Escrever Jogos?

Jairo B. Filho
Diário de um Game Designer
4 min readJul 16, 2018

Essa tem sido uma questão que, nos últimos tempos, me cercam. Tem, inclusive, influenciado o meu modo de escrever — os meus interesses, a minha busca por temas, o que explorar em cada um deles…

Claro que, desde que comecei este ofício em 2013, o conselho que mais li (e ainda leio) dos distantes companheiros de cena é o seguinte:

“Escreva algo que você gostaria de jogar”

Este é um excelente ponto de partida, para direcionar a motivação no princípio de um trabalho. Mas passa longe de ser a resposta porque, no fim das contas… há tantos jogos por aí afora, derivados de tantos anos de dedicação ao hobby, que podem muito bem suprir os seus anseios de jogabilidade. É só procurar, que você vai encontrar jogos narrativos de toda ordem, explorando todo tipo de gênero/estilo.

Então, a questão ainda permanece na minha cabeça, e quero compartilhar ela com vocês: afinal de contas, por que escrever novos jogos?

De tanto pensar, cheguei a três reflexões que, juntas, podem resultar numa resposta satisfatória; não definitiva, mas suficiente para preencher a minha lacuna.

Experiência

Ao ler um jogo, eu me habituei a procurar por algo em suas entrelinhas. Penso que, por trás de toda mecânica, escolha de design e definição conceitual, existe algo a ser dito. Algo que o autor deseja transmitir não apenas aos seus ocasionais leitores, mas principalmente aos jogadores. Algo que pode não ser muito claro em palavras, mas perfeitamente legível na vivência.

Em suma, todo jogo possui uma experiência proposta em seu conteúdo (seja ele digital, físico ou literário), e a intensidade pela qual ela se faz presente pode definir como deve ser degustada — se, de modo casual e breve, ou de modo mais intenso e prolongado. Um jogo pode ter sua experiência entregue de modo bastante óbvio (como um sistema que simula a exploração de masmorras e o empoderamento pessoal), ao mesmo tempo que a mesma pode se diluir na sua composição (como uma mecânica de risco emergente/crescente em um jogo de horror); ou, em boa parte dos casos, entregar mais de uma experiência (um jogo de sobrevivência dar espaço para o enfrentamento de opressão). As possibilidades são muitas, neste quesito.

Linguagem

Graças ao hábito de procurar sempre pela experiência logo no primeiro contato, fica em mim a impressão de que os jogos são, per se, uma forma de linguagem. Um meio de comunicação envolvente, diga-se de passagem, por exigir mais de quem nele está inserido.

Mais do que isso: um meio seguro de linguagem, que atua de modo paralelo à realidade. Um universo distinto, e muito bem protegido graças ao Círculo Mágico; uma vez dentro dele, você deixa de ser a si próprio (e tudo que a isto está envolvido — opiniões, crenças, reflexões, etc.) para viver um outro contexto, em um outro papel. O jogo, em suas minúcias e mecânicas, carrega consigo parte desse dever: imersão.

Responsabilidade

A última parte acerca de um jogo está no que será apresentado como seu conteúdo: seu contexto, sua perspectiva, o ponto de vista atribuído aos jogadores, seus possíveis conflitos…

É aqui que os autores se baseiam mais em si próprios, em suas opiniões formadas, visões de mundo e opções — onde são, realmente, “autores” de sua obra. Mas algo precisa ser mantido neste momento importante da criação.

Responsabilidade.

Se, em uma obra literária, os escritores precisam ter certo cuidado (muitas vezes, o mínimo) para abordar determinados assuntos de modo crítico e opinioso, imagine o peso que isso tem num jogo; sim, porque o grau de assimilação — ou melhor, imersão — entre um leitor e um jogador é muito distinto. Dentro de seu jogo, todos viverão um momento particular que, dependendo do que se apresenta, pode ser tóxico.

Portanto, ser responsável com a composição de um jogo é algo vital para preservar não apenas o processo em si, mas a segurança de quem vier a jogá-lo.

Cartas de Amor…

Partindo do meu contato pessoal, e da forma com a qual eu aprendi a abordar jogos, eu percebi que o processo em si não se difere muito de redigir uma carta a alguém — em especial, uma carta de amor.

Você precisa ter o sentimento certo para expressar (a experiência) ao seu público, com as palavras certas (a linguagem) e o devido cuidado na hora de se expressar (a responsabilidade).

Claro que, olhando assim, parece um processo simples; não vou contestar isso diretamente, porque há algumas variáveis a se colocar aqui: conhecer/vivenciar o que você quer colocar em seu jogo, ler muito para entender as “nuances” linguísticas (mecânicas e sistemas variados) e ter o cuidado de não expôr demais, ou de modo muito cru, o que você deseja.

Me tomando como exemplo, eu diria que tenho maior facilidade ao trabalhar com jogos pesados, de experiência densa e linguagem simples (quase ríspida) e baseada nos sentimentos que tenho sobre o mundo, e as pessoas. Cada jogo torna-se, portanto, mais que um desafio: uma verdadeira catarse, um sentimento passado que acabou posto para fora. Um desabafo.

E isso me faz voltar à questão que coloquei lá em cima: jogos são feitos para contar sobre o mundo, sobre as pessoas, sobre os sentimentos que afloram em cada vivência. Como cartas que trazem conteúdos perdidos, ou a declaração de algo a ser compartilhado por todos no futuro.

E, por isso mesmo, eu espero por mais e mais jogos. Tanto meus (com o apoio de vocês), quanto de outras pessoas.

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Jairo B. Filho
Diário de um Game Designer

Game Designer independente, fundador do selo Jogos à Lá Carte e entusiasta de pesquisas e boas conversas.