Referências Pessoais — Jogos Independentes

Jairo B. Filho
Diário de um Game Designer
8 min readMar 7, 2018

Como autor (e, também, como jogador) de jogos narrativos, acabei desenvolvendo a paixão por diversos campos — literatura, cinema, quadrinhos… e, claro, jogos. A ponto de tomar cada um destes campos como referencial para os meus

Em especial, jogos digitais — superando, quem sabe, os jogos analógicos.

“Mas, Jairo… se você escreve jogos digitais, por que se basear em jogos digitais? Eles são tão limitados em termos de narrativa…”

Esse deve ser o seu pensamento, caro leitor. Mas há uma palavra que resume bem o que sinto a respeito destes jogos: experiência. Cada um dos jogos mencionados abaixo tem uma singularidade que me atrai fortemente — uma perspectiva, mecânica, storyline ou modo de narrativa marcante, que busco emular em meus próprios jogos.

Assim sendo, vamos ao que trago como minhas melhores experiências com jogos digitais:

Journey

Criado pelos gênios do estúdio Thas Game Company, Journey é um jogo que mais parece poesia, sem qualquer linguagem falada ou escrita. No papel do personagem (carinhosamente apelidado de “Pilgrim”), você vai descobrir a história de uma civilização perdida, caminhando por suas ruínas.

O desfecho é justamente a montanha, onde a resposta está guardada. Mas, em nenhum momento, você estará sozinho, e este é o grande diferencial deste jogo. Sendo uma experiência online, você pode cruzar com outros “Pilgrims” e, sem contato verbal, compartilhar a sua experiência com os demais jogadores. Tudo isso de modo pleno, quase um contato “corporal”.

Não direi mais sobre isso, porque Journey deve ser jogado para ser compreendido — e acredite, cada vez que você o joga é uma experiência e compreensão singular acerca de sua concepção.

Life is Strange

Aqui temos um belo exemplo de narrativa aplicada em jogos digitais, desenvolvido pela Dontnod (estúdio associado à produtora Square Enix), Life is Strange nos mostra a história cativante de Max, uma garota comum que descobre por acaso ter o poder de “voltar no tempo” por alguns instantes, e sua melhor amiga Chloe. Juntas, elas tentam desvendar um mistério em sua cidade, ao mesmo tempo que lidam com a realidade pesada que as cerca: bullying, drogas, relações, dilemas pessoais…

É impossível não se deixar levar pelas histórias que se cruzam o caminho das duas, ou até mesmo a forma como elas se relacionam. Isso, sem falar nas cenas de impacto que colocam, nas suas mãos, o peso das decisões. Inclusive, é interessante notar que as questões-chave são colhidas como dados compartilhados entre os jogadores mundo afora — mostrando, assim, a predileção do público sobre uma ou outra alternativa.

As escolhas têm um valor fundamental neste jogo: é possível refazer os passos graças ao “Rewind”, e novas respostas podem ser obtidas. Tudo isso apresentado em uma perspectiva cinemática e episódica, que vai desvendando a história dos habitantes de Arcadia Bay, de modo muito participativo. Simplesmente imperdível.

Undertale

Definitivamente, este jogo não poderia ficar de fora. Publicado por Toby Fox em 2015, Undertale consegue entregar ao jogador uma história linda, e profunda — repleta de questionamentos morais, e reflexões.

A partir de uma história simples (uma criança perdida num reino esquecido de monstros, que busca voltar para casa), toda uma história se desenrola; você precisará jogá-lo mais de uma vez para entender tudo, em seus três “caminhos narrativos”.

Um deles está justamente na hora de lidar com os conflitos: sendo um RPG clássico, conflitos com outros monstros são inevitáveis. No entanto, o modo de resolvê-los é diferente — você pode poupá-los, ou interagir com eles de modos distintos, em vez de apenas lutar. Isso abre um leque de possibilidades, e também respostas para encontrar em sua jornada.

E aqui está a cereja do bolo: o jogo quebra a famosa “quarta parede” a cada novo jogo, lembrando o jogador em alguns momentos de coisas que fez, ou questionando “na cara” suas opções. Algo que, com certeza, fará você repensar sua relação com jogos digitais…

This War of Mine

Um jogo polonês sobre guerras, mas numa perspectiva muito diferente do habitual. Nada de Call of Duty, Counter Strike ou qualquer jogo inspirado em Tom Clancy; aqui, o horror é real.

Em This War of Mine, o jogador irá interpretar o papel de refugiados, presos em uma cidade sitiada pela batalha. Durante o dia, o grupo se esconde em uma casa, e trabalha nela criando ferramentas e estrutura para se manter confortável (de camas até rádio e outros instrumentos). Lidar com seus sentimentos e feridas também é fundamental, pois o moral do grupo pode decair — diminuindo, também, a disposição para continuar vivendo.

Á noite, é a hora de sair para buscar novos recursos, garimpando em pontos distintos da cidade e, muito provavelmente, encontrando outros grupos hostis de refugiados. A guerra cessa na penumbra, mas os conflitos reais são vividos.

Um jogo pesado e soturno, baseado em uma história real (o cerco a Kosovo, ocorrido em 1995). Imperdível para os amantes de boas histórias de guerra, em especial aquelas onde não há heroísmo.

To The Moon

Sem dúvida, o enredo mais bonito que já vi. Não tenho a menor dúvida disso.

To The Moon é um jogo sobre uma história de vida, de alguém que está prestes a falecer mas que, ao mesmo tempo, deseja ir apenas quando tiver entendido a razão por trás de seu maior sonho: ir até a Lua.

No papel de dois pesquisadores mnêmicos, o jogador irá explorar as memórias desta pessoa, revivendo e assistindo fatos marcantes de sua vida — e ali encontrando pistas para desvendar esse mistério. Tudo isso feito de forma simples, com uma trilha sonora de cortar o coração e um storyline denso, perfeitamente humano e repleto de emoções.

To The Moon foi o meu primeiro contato real com o heartwarming (estilo de jogo que não se centra no confronto direto com desafios, ou sequer em violência), e por isso mesmo não poderia ficar de fora. Um jogo lindo, que certamente irá fazê-lo se comover muito, caro leitor.

Beyond: Two Souls

Outra obra prima da Quantic Dream (autora de jogos como Heavy Rain e Fahrenheit/Indigo Prophecy), nós vemos em Beyond: Two Souls uma história singular, protagonizada por dois grandes atores (Willem Dafoe e Ellen Paige), em uma perspectiva 100% cinemática.

Nele, conhecemos a história de Jodie Holmes, uma garota que possui um dom singular: o contato com uma entidade metafísica chamada Aiden. Com o apoio de seu “amigo”, ela consegue mover objetos e ampliar suas percepções acerca do mundo que a cerca.

Mas não pense que a vida dela é heróica, ou boa por conta disso; ela tem conflitos constantes com Aiden (que é uma presença sensciente), e com outras pessoas. Jodie é isolada do contato com outras pessoas, e logo encaminhada à CIA para treinamento e ação em zonas de guerra. Mas essa nunca foi sua opção de vida, e por isso ela resolve fugir, entrando numa constante busca por paz.

E tudo isso é visto de modo episódico, onde suas memórias estão “embaralhadas”; ao longo do jogo, conhecemos toda a história de Jodie, desde seu nascimento — porém, de modo não-linear. É preciso jogar tudo para montar esse grande “quebra-cabeças” e ir, aos poucos, entendendo os motivos para fugir de tudo…

Her Story

E aqui, outro excelente exemplo de construção narrativa. Em Her Story, nos deparamos com um desktop de um departamento de Polícia, e alguns arquivos em vídeo — fragmentos de alguns depoimentos dados pela mesma mulher.

Nosso objetivo, aqui, é desvendar a história assistindo a esses vídeos, e procurando neles algumas palavras-chave dadas em cada testemunho. As palavras certas irão desbloquear novos fragmentos de vídeo, e a história vai se alargando.

À medida que novos vídeos vão surgindo, também surgem novas palavras e, consequentemente, a descoberta sobre um assassinato misterioso. E uma dica: não deixe de prestar atenção no reflexo do monitor (acreditem, essa é a graça do jogo).

Desenvolvido por Sam Barlow (autor do também sensacional Silent Hill: Shattered Memories), Her Story é um jogo de investigação e paciência. Todo detalhe tende a ser essencial, e tudo conta para ir destrinchando esse caso…

Mais que apenas um jogo, Five Nights at Freddy’s é uma baita franquia de jogos de terror, no melhor estilo jumpscare. A história gira em torno de uma rede de restaurantes e pizzarias que, ao passar dos anos, acaba se envolvendo com eventos macabros e inexplicáveis.

O jogador sempre ficará na pele de alguém responsável por vigiar os animatrônicos associados aos restaurantes — que atuam por conta própria quando os estabelecimentos estão fechados. Em um escritório, você deve vigiá-los por cinco noites, evitando que se aproximem para não ser morto por eles. Uma tarefa bastante inglória, não dá para negar.

Mas o interessante, aqui, é desvendar a história por trás desses eventos e, principalmente, desses bonecos malignos. Cada jogo traz um fragmento dessa história sinistra, em diversos minigames e “easter eggs” espalhados (fato este que, inclusive, se desdobra em diversas teorias de storyline, pelos jogadores mundo afora).

O jogo alcançou a marca de seis títulos, três livros e até mesmo um filme (programado para sair ano que vem), tornando-se um sucesso raro entre tantos jogos indies.

“Ah, mas é só isso?”

Na verdade, trouxe apenas minhas experiências mais marcantes com jogos independentes; ainda há muitos jogos a mencionar, se eu abrir o leque e trazer jogos mainstream. Quem sabe, um dia eu possa resgatar esses outros títulos — ou, se vocês prerefirem, podemos trocar experiências conversando diretamente sobre este artigo, não é mesmo?

Até a próxima, meus amigos!

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Jairo B. Filho
Diário de um Game Designer

Game Designer independente, fundador do selo Jogos à Lá Carte e entusiasta de pesquisas e boas conversas.