Sobre Meninas… e Medos — Postmortem de A Jornada da Coragem

Jairo B. Filho
Diário de um Game Designer
3 min readFeb 7, 2018

Tudo começou com um dia ruim. Um dia coberto por aflições e medos, fortes o suficiente para não me deixar sair da cama. Que dirá de casa.

Eu não queria ver ninguém, ou estar próximo de alguém. Ao mesmo tempo, desejava chegar ao fim desse sentimento — encontrar paz e sossego, e me livrar disso.

Enfim, foi daí que a idéia inicial desse jogo surgiu: o desejo de mudança do status quo, de enfrentar a soma de todos os meus/seus medos para alcançar o desejo definitivo, e esperado.

Foi assim que surgiu A Jornada da Coragem: um jogo simples, sobre medos e sonhos. No entanto, por uma ótica diferente.

Um Jogo Sobre Meninas, e Para Meninas

“Mas, Jairo… se o jogo foi baseado num sofrimento seu, por que o jogo foi escrito para meninas?”

Esta resposta se desdobra em alguns argumentos.

O primeiro, e acho que também o mais importante, é um convite à conscientização: depressão e ansiedade são assuntos muito sérios, e também são mais visíveis em mulheres — por questões sociais, familiares, educacionais, etc. Elas passam por um nível de cobranças muito maior que os homens, desde seu nascimento. E poucos passam pela perversidade humana como elas passam. Assim sendo, não faria sentido que a Menina (papel principal nesse jogo) fosse interpretado por alguém que não é capaz de compreender essa pressão, esses medos cultivados desde a tenra infância.

Assim sendo, o papel da Menina sempre vai ser interpretado por uma garota — e os jogadores à sua volta interpretarão seus Medos (dados pela jogadora, como bem entender).

Segundo, a sensibilidade ímpar e mais aparente ao gênero feminino: mesmo sendo este um jogo de conflito, não espero ver a protagonista lutando sempre contra seus medos. E aí entra a influência direta de Toby Fox e sua obra-prima, Undertale: um jogo onde a escolha traz suas consequências.

Ou seja, a Menina tem o apoio de uma força Guardiã para lhe proteger, e agir diretamente; mas isso vai apenas afastar os Medos. Agora, se enfrentá-los de peito aberto, com sua criatividade e afetividade, a Menina impõe ao Medo um desafio, para derrotá-lo de modo definitivo (em troca de maiores riscos de derrota).

Assim sendo, a subjetividade é um caminho distinto da agressividade; cada caminho tem suas consequências, e cabe à Menina aprender sobre qual caminho ela pretende trilhar.

Terceiro, eu acabei inspirado também por um trabalho de arte singular: um artbook que está em financiamento coletivo neste exato momento — A Menina e o Guardião, de Bárbara Machado. Uma compilação de artes centradas em uma menina e seu fiel protetor, que também originou o conceito da força Guardiã que acompanha o papel da Menina. Um sinal de que ela não está só nesta empreitada.

Quarto e último (mas não menos importante), o meu interesse em game design está em proporcionar significados ao jogar — trabalhar amarrando mecânicas a contextos, no intuito de criar experiências singulares. Algo em uma linha passional, beirando o heartwarming e em um tom instigante e reflexivo.

Foi assim que, em uma noite inspirada e “pós-crise”, acabei escrevendo este jogo. E eu espero que ele possa transmitir sua mensagem do modo certo. Você pode conhecê-lo por este link aqui, e fique à vontade para avaliá-lo como você bem preferir. ^^

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Jairo B. Filho
Diário de um Game Designer

Game Designer independente, fundador do selo Jogos à Lá Carte e entusiasta de pesquisas e boas conversas.