diário do céu #3 | eu, a ingrata

Bárbara Ariola
diário do céu
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3 min readMay 28, 2018

olha, eu poderia dizer que não tenho interesse em agradar o mundo todo, mas seria a maior mentira que eu poderia contar. eu poderia dizer que não me importa se você não me chamou pra sua festa de casamento, ou pro show com suas amigas ou se você não me perguntou porque eu não apareci sexta e nem sábado, e até porque mesmo dizendo que eu iria, eu acabei não indo, eu poderia sim me dizer que não importa não, eu não ligo. mas importa sim, eu ligo. e há anos da minha vida vivo com esse detestável sentimento de não-pertencimento, como se minha presença fosse mero acaso, é alguém legal que nos faz rir, é alguém um pouco inteligente que nos ensina algo, mas no fim das contas, se ela passa três dias trancada em casa e não come direito, e tem pedras nos rins, e tem problemas demais na cabeça, tanto faz, tanto faz e tanto fez.

e vai ter sempre alguém pra me lembrar que eu sou ingrata, que eu tenho tudo que um ser humano precisa de mínimo — amor, alimento, lugar para dormir — , e mesmo assim eu insisto em querer fazer parte de algo fantástico e grandioso, eu queria talvez uma chuva de confetes ou aplauso de uma plateia inteira? talvez eu quisesse.

lembra quando eu discursei na colação de grau, e todo mundo aplaudiu e me deram tapinhas nas costas porque foi bonito o que eu tinha dito? eu lembro, foi legal, não me deixe esquecer. porque minha mente me sabota e prefere lembrar quando eu apresentei o tcc, sozinha, só tinha eu e a banca, ninguém foi me ver não. ninguém, nadinha. era um deserto entre eu e eu mesma, e sabe, eu tenho pavor de estar comigo mesma. às vezes penso que lá naquela passagem da bíblia (desculpa, fui crente por uns dez anos), onde deus botou Jesus no deserto pra confrontar o diabo, e no filme de Jesus aparece um cara de terno e gravata, pô, é engraçado, mas na verdade Jesus confrontou ele mesmo.

deus foi um cara esperto, porque botar as pessoas num deserto pra lidar com seus demônios e sabotagens é sem dúvidas a melhor maneira de medir até onde o fulano pode ir, até onde ele vai ceder e manter convicções, aquelas coisas. na astrologia a gente tem até nome pra isso, tem uma tal de casa 12 que fala de confinamento, e ao mesmo tempo é a casa que fala de inimigos ocultos, e cê acha o quê? mente vazia, oficina do….? ISSO, DIABO. diabo dentro de você, o seu inimigo oculto, é você mesmo, babaca. Bárbara, sua babaca.

a culpa não é da sua amiga que não te chamou pro casamento, ou dos seus amigos que não se importaram com sua ausência, ou dos seus irmãos que se resignam com sua ausência de dois dias seguidos, a culpa é da sua mente que transforma tudo isso numa grande questão que tem haver com você e na verdade não tem. há dias, há pessoas, há noias. tem coisas que a gente não precisa de resposta, só precisa entender que outro não é extensão de você, sabe? e você precisa ficar tranquila com essas ausências, meu, cé doida.

e daí que ninguém deu falta três dias seguidos, as pessoas tem a mente tão entupida de coisa, vai saber. tem dia que você não aprende nada! tem dias, tem momentos, né? tudo ali mistura e você entra no fosso da sabotagem.

você não precisa pertencer a lugar nenhum se você não pegou o capeta interno pela mão e falou: olha aqui, demônio, eu te controlo. se você mora dentro de mim, quem manda sou eu. fala pro seu demônio, manda nele! aí você se pertence e se encaixa no mundo inteiro. mas não porque você precisa, porque você dá e recebe um tanto, como diria aquela música que você disse dia desses que não se identificava mais.

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Bárbara Ariola
diário do céu

sapatão historiadora da arte, antropóloga e astróloga. saturada por palavras a serem ditas, mitos a serem escutados, perspectivas a serem compreendidas.