A solitária vida das camélias
O período de distanciamento social, por conta do novo Corona Vírus, suscitou reflexões pertinentes sobre aspectos que dão sentido à vida humana. Temos dado atenção à necessidade do afeto, de empatia, de justiça social, de investimento público na saúde e na ciência e entre essas percepções, notamos também como a arte nos é essencial.
Limitados aos espaços obrigatórios — trabalho-mercado-casa, alguns apenas casa-mercado — recorremos a música, aos filmes e séries, aos hobbies artísticos e a literatura para nos libertar.
Quando o Leitores Anônimos se viu sob o decreto de isolamento e a impossibilidade de se reunir presencialmente, pensamos na solução da leitura coletiva online. A primeira leitura foi a aventura sobre temas geológicos Viagem ao Centro da Terra, de Jules Verne. Foi excepcional.
Continuamos com a mesma agenda, e o segundo livro votado foi A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho.
Nossa conversa final aconteceu no dia 08 de maio. Tivemos uma discussão muito rica e divertida, foi maravilhoso. A Dama das Camélias é a alcunha de uma dessas personagens que precede a obra. Podemos não conhecer toda a trama que a envolve, mas reconhecemos o título que foi tão famoso em adaptações televisivas, filmes e peças.
A história já começa com um triste anúncio: a morte da sua protagonista, ainda desconhecida por nós, a cortesã Mlle. Marguerite Gautier, mas que irá ser revelada pelo personagem narrador e por seu ex amante, Armand Duval. Revelando toda a curiosidade e afetação que sua figura causa nesses personagens.
Nos debruçamos sobre a Marguerite Gautier, uma personagem de muitas camadas que fez com que refletíssemos sobre a moral francesa do século XIX, assim como a moral hoje, refletimos quanto a vida solitária da prostituição e, por fim, interpretamos a nosso modo o mistério do uso das camélias.
Um ponto curioso acerca desta obra, além de sua personagem, é seu aspecto autobiográfico. Escrita pelo Alexandre Dumas Filho, filho do famoso Alexandre Dumas escritor de O conde Monte Cristo e de Os três Mosqueteiros, a história carrega parte do drama pessoal do escritor. Filho ilegítimo, Alexandre Dumas Filho, em sua juventude no ano de 1842 se apaixonou pela cortesã Marie Duplessis, se tornaram amantes, mas romperam em 1845. Em 1847 a Marie Duplessis faleceu, o que afetou profundamente o escritor, se tornando inspiração para a criação de A Dama das Camélias.
O romance ficcional, surgido do sofrimento real, consagrou Alexandre Dumas Filho na literatura mundial.
Parece irônico, ou mesmo sem sentido darmos uma escapada da tragicidade real e ir para a tragédia da ficção. Mas olha aí, a catarse! Nesse momento, o nosso propósito de incentivar a leitura ganha novos sentidos, não só movimentação cultural, mas um alívio, uma fuga da realidade que nos aflige.