Vamos falar sobre o Kindle?
A lembrança é nítida: eu, lá no fim de 2009, viajando pelo Paraná, escutando o podcast da finada Revista Info ouvi falar do Kindle. Um aparelho estranho, com tela que parece papel, conexão wi-fi e 3G (ambas super recentes), bateria que dura várias semanas e acesso a uma biblioteca imensa de livros que podiam ser baixados em segundos. Tudo parecia muito tecnológico e distante, e eu não conhecia o poder e o tamanho que a Amazon tinha. Naquela época, a empresa era quase que totalmente desconhecida no Brasil, mas nos Estados Unidos já era um império consolidado, ícone do consumo online e dona de enorme influência no mercado editorial.
O Kindle chegou ao Brasil oficialmente dois anos depois. A expectativa era enorme, mas os desafios também: não era só lançar um aparelho, mas criar uma nova indústria em torno de um dispositivo desconhecido, lidar com uma enorme plataforma online, questões legais, editoras bem estabelecidas e livrarias com grande influência. Pior ainda: lançar um jeito novo de ler em um país que lê pouco e com leitores/consumidores apegados ao cheiro de livro novo (cola, tinta e papel, eu diria), com um enorme fetiche pelo objeto-livro e, portanto, difíceis de serem convencidos a pagar por um texto digital, que não chega pelo correio e não pode ser exibido numa estante.
Estes obstáculos foram — e ainda estão — sendo superados. Até aqui, tivemos momentos que alternavam alguma movimentação com grande apatia da Amazon e de suas concorrentes em relação ao mundo dos livros digitais.
Comprei o meu Kindle de 4ª geração no começo de 2014. Segurar um dispositivo de uma categoria completamente nova é uma experiência sensorial interessante. Levíssimo e com uma tela de ótima qualidade, devorei a enorme e excelente biografia de Steve Jobs em uma semana. Foi ali que eu vi que aquele aparelho não sairia mais da minha rotina, e também quando começaram série de questionamentos clássicos: “Será que vou sentir falta da versão impressa?”, “Por quê este ebook está tão caro?”. Estes são dilemas recorrentes até com quem ainda não comprou um Kindle.
Desde então, sinto que o aparelho sempre foi querido por “geeks leitores” como eu, mas algo distante para a maioria dos meus amigos (só) leitores e uma excentricidade cult para meus amigos fãs de tecnologia. No geral, a situação sempre caminhou a passos muito lentos, mas em tempos de isolamento social e de restrição na movimentação de mercadorias e pessoas, parece que finalmente os ebooks e o Kindle puderam mostrar que têm grande valor. Afinal, agora são praticamente a única opção viável de lançamento e também de acesso aos textos.
Quem já tinha o hábito de ler ebooks pode não ter sentido esta movimentação, mas quem não tinha viu no Kindle uma alternativa para ter acesso a novas histórias de maneira mais confortável. Eu consigo perceber isso no meu círculo social, pelo número de questionamentos sobre o aparelho, então, me pareceu o momento certo de escrever um pouco sobre ele. Para tal, meu objetivo aqui é falar um pouco do apego a este aparelhinho tão legal e com isso tentar responder àquelas questões que todo aspirante a dono de um e-reader normalmente tem.
Em linhas gerais, a evolução dos Kindles até aqui envolveu uma diminuição, melhora de resolução e chegada de iluminação da tela, além de uma diminuição do próprio corpo e interação por toque, não mais por botões. Hoje, até o Kindle mais básico tem estes recursos e, no momento, a Amazon concentra-se em criar opções mais luxuosas, acrescentando firulas que geram interesse do público, mas que pouco melhoram a experiência de leitura. Todos os modelos garantem uma leitura agradável, têm bateria de longa duração e são aparelhos feitos para durar anos. Eles fazem uma coisa só e fazem muito bem.
O meu primeiro Kindle, por exemplo, foi também o último a contar com botões para passar páginas — agora um recurso reservado ao modelo mais luxuoso, vou explicar logo abaixo — e também um dos últimos a não ter tela sensível ao toque. Quando o troquei pelo Kindle Paperwhite em 2016, senti uma melhora na resolução do texto e a iluminação ajudou a tornar as páginas mais claras em qualquer momento do dia ou da noite, embora seja um recurso vendido como algo destinado a leitura no escuro. Resumindo, tive um ganho na experiência de leitura, e vejo que as opções atuais trazem muito pouco para torná-la ainda mais próxima do papel por um preço justo. Qualquer Kindle é um aparelho feito para durar, então eu não me importo com isso, só troco quando quebrar.
Os modelos do momento
Os modelos vendidos atualmente são: o Kindle (10ª geração), o Kindle Paperwhite e o Kindle Oasis. Como comentei, o modelo básico traz uma experiência de leitura próxima do Paperwhite em gerações passadas, exceto pela resolução de tela. Preço padrão: R$ 349. Acho interessante notar que o Kindle chegou no Brasil custando R$ 299 no fim de 2012 e mesmo com as sucessivas altas do dólar e inflação ao longo dos anos, segue com um preço bem próximo do original, ficando ainda mais baixo perto de datas comemorativas.
Já o novo Kindle Paperwhite possui, além da melhora na resolução da tela, proteção contra água (mas não é qualquer proteção, leia os detalhes antes de tentar ler no fundo do mar) e um design mais fino e leve. Também tem um modelo de 32gb de espaço, vantajoso apenas para leitores de quadrinhos em mangás, pois lhe garanto que os 8gb tradicionais conseguem guardar uma biblioteca inteira. Preço padrão: R$ 499 na versão de 8gb. A dica aqui é que ele fica com um preço próximo do Kindle básico em alguns momentos no site da C&A.
Já o Kindle Oasis é o suprassumo da leitura. O ponto é que a diferença de preço entre o Kindle Paperwhite de 32gb e este modelo é grande demais por não trazer um ganho substancial na experiência de leitura. Ele possui tela maior, design metálico mais fino e assimétrico, iluminação da tela com controle de temperatura de cor e botões para passar as páginas. Lindo, e com preço sugerido de R$1.149,00 na versão de 8gb. Este é vendido exclusivamente na Amazon e muito raramente entra em promoção.
A diferença de preço entre o Kindle Paperwhite e o Kindle Oasis é de R$500,00, no mínimo. Quando o Paperwhite entra em promoção a algo próximo de R$400 na C&A, acredito que fica ainda mais óbvia qual deve ser a escolha. Eu não pagaria mais do que o dobro pelos recursos extras do Oasis.
Rotina de leitura
Quem compra um Kindle passa a se questionar até sobre o futuro dos livros da própria coleção. Bem, cada um encontra, com o tempo, o próprio critério, mas o fato é que, em geral, eles passam a coexistir com os ebooks de modo que haja um melhor aproveitamento dos momentos propícios para leitura. Em outras palavras, ter o Kindle não acaba com nossas edições impressas, mas se torna uma opção extra que nos permite ler mais.
No meu caso, eu compro o ebook de livros que quero ter acesso, que acredito que não vale tê-lo ocupando espaço e que outra pessoa não vá querer emprestado. Também prefiro edições em ebook de livros muito grandes, às vezes, até junto com a edição impressa, dependendo do preço do ebook. Sempre tem um momento em que eu repenso a minha necessidade de ter alguns livros e desapego deles, preferindo o ebook posteriormente. Ter a edição digital também me permite alternar as leituras a quaquer momento e em qualquer lugar, já que a nuvem da Amazon sincroniza as leituras com computador e celular.
Mas existe algo que pode fazer com que eu passe por cima destes critérios, é o que vou explicar abaixo.
O preço dos ebooks
Muita polêmica, muita confusão! A questão do preço dos ebooks é um capítulo à parte e eu poderia escrever muito mais sobre isso, mas farei um resumo tendo em mente que necessário considerar alguns aspectos do mercado e do público.
Primeiramente, é preciso acabar com o mito de que o ebook é simplesmente o arquivo que seria impresso, convertido ao toque de um botão e disponibilizado pra venda. Também acredita-se que o maior custo da produção de um livro é a impressão e logística, mas não é. Existem custos inerentes à produção de um livro — seja ele impresso ou não — e custos e específicos de cada tipo de lançamento. Quando não há impressão e transportadoras, o ebook precisa de uma equipe revisora e os custos de hospedagem da plataforma em diversas plataformas, incluindo a Amazon.
Coloco abaixo um ótimo vídeo sobre o tema, que, de maneira bem clara, destrincha os custos de produção de um livro. É possível perceber que existe uma série de custos de produção que são inerentes ao texto, não à impressão. Estes custos podem chegar a 70% do preço final, independente do meio de lançamento.
É fácil testar esta conta colocando 30% de desconto no preço de capa de um livro — e sem os custos dos ebooks. Os preços normalmente ficam próximos do preço dos ebooks, mas você deve estar pensando que isso não faz os ebooks parecerem mais baratos, apenas justifica os altos preços. Fica ainda mais estranho quando o preço do livro impresso é muito próximo ou menor que o preço do ebook.
Tem gente que acredita que isso é justifica para entrar no mundo da pirataria… mas, enfim, considero que existem alguns pontos importantes neste tema.
- Eu e Victor Lima gostamos de provocar discussões no clube sobre o apego que temos ao livro como objeto ou peça de decoração, ao invés de um simples meio de transportar textos. Este aspecto cultural não só motiva a criação de edições caprichosas e luxuosas de quase qualquer livro, como também justifica o pouco valor que damos aos textos impressos. Para você, qual é o valor justo de um ebook?
- Promoção de livro impresso é outro ponto que altera a percepção de valor dos ebooks. No caso específico da Amazon, que vende tanto ebooks como livros impressos, há uma facilidade em comparar preços, já que estão dispostos de uma vez. Quando apenas a edição impressa entra em uma promoção, a sensação de que o ebook está caro fica maior, mas é exatamente o contrário. Veja abaixo:
3. Promoções de ebooks. Já lhe perguntei qual o valor justo de um ebook, e acredito que ele seja o cobrado em promoções. Algumas editoras frequentemente disponibilizam uma grande seleção de ebooks por R$ 10, até mesmo R$ 5, o que é um deleite, mas que altera a percepção de preço justo não só para estes livros digitais, como para todos os demais. Então, o conselho que te dou aqui é: fique de olho, mas tenha todas os pontos acima em mente.
O futuro
Enquanto o interesse por ebooks cresce e a Amazon lança todos estes modelos, acredito que a melhor maneira de concluir este texto é falando sobre o futuro dos ebooks no Brasil. A Amazon dá poucas pistas, mas o histórico mostrou que sempre podemos sonhar com serviços que já existem lá fora e que podem chegar a qualquer momento por aqui.
Kindle Matchbook
O Kindle Matchbook basicamente permite que o consumidor baixe o ebook gratuitamente ou com um ótimo desconto de um livro que já foi comprado na edição impressa. Não existe qualquer sinal de que o serviço chegará ao Brasil.
Audible
Audiolivros não são exatamente uma novidade, mas nunca pegaram no Brasil. Já faz algum tempo que existe uma movimentação em torno do formato e sinais de que, finalmente, investimentos para mudar esta realidade estão a caminho. Em 2018, por exemplo, a Companhia das Letras lançou um selo de audiolivros na Google Play Store. Já este ano a Amazon lançou uma seleção de audiolivros gratuitos, praticamente entregando os próprios planos. Também é possível ver uma seção da Audible em alguns Kindles equipados com bluetooth (usado para conectar fones de ouvido, mas um recurso ainda desativado no Brasil, enquanto não tem utilidade). Ao abrir a página, ela está vazia, mas está lá, servindo como uma ótima pista.
Tudo isso indica que existe interesse da indústria em torno do formato. Na era de ouro dos podcasts, reinventar o jeito de “ler” é um caminho natural.
Empréstimo de ebooks
Não poder emprestar um ebook deve ser uma das maiores desvantagens de um ebook. A Amazon permite que consumidores da loja dos Estados Unidos emprestem seus ebooks por até 14 dias para qualquer outra conta.
Também não existe qualquer sinal de que o serviço chegará ao Brasil.
Obrigado pela leituera! Se algo muda o modo como lemos e enxergamos a literatura, estamos atentos. Até a próxima!