1 de Junho de 2020 — Substâncias

Tauá Chuá
Diários de Quarentena
3 min readJun 2, 2020

No fim das contas, os homens são todos muito egoístas. E isso é absurdamente entediante. E eu me entedio muito facilmente.

A unica coisa boa que tenho a dizer é que, apesar de ainda ser segunda-feira, pelo menos já é noite e eu ganhei um copo de vinho tinto suave. Eu nem deveria beber álcool, considerando que ainda não terminei a adaptação ao antidepressivo, e que há duas semanas atrás tive o pior dia da quarentena, o dia seguinte ao meu aniversário, em que usei um vestido de festa e me maquiei pra beber em casa em frente a webcam por meia hora. Foi uma ressaca horrível, que demorou a passar e deixou pra trás um mal humor desgraçado pelo restante do dia todo.

Anda difícil, hoje mesmo eu passei café três vezes e fui encher o copo agora pouco e a garrafa térmica estava vazia novamente. Cada dia que eu penso em diminuir o consumo de café, é um novo dia de desafiar as barreiras do abuso intenso. Eu só espero não terminar com dentes amarelados.

Semana passada fiquei dias com esparadrapos no rosto por cutucar todos os cravos possíveis e ficar com buracos infeccionados ao longo do maxilar e bochechas, os esparadrapos tinham o único intuito de me impedir de colocar os dedos nos mesmos buracos novamente. No entanto, as unhas estão tão roídas que me doem cada tecla que aperto. Também cortei o dedo indicador com uma faca de serra enquanto tentava cortar pão, além de estar com uma bolha no dedão por ter encostado em uma panela com água fervente, e também um buraco no mindinho depois de ter esfregado bastante no ancinho enquanto rastelava a calçada recém podada por mim mesma. Tudo isso na mesma mão.

Ficar bêbada com vinho é um erro enorme, porque eu vou ficar com a pele toda quente e sensível, pensando profundamente na necessidade de ter mãos segurando forte meus cabelos bem rente a raiz dos fios.

Tem várias coisas que eu gostaria de fazer nesse sentido, apenas pra acabar com esse tédio. Eu queria estar amarrada. Com meu corpo todo organizado, todo conectado e contido, assegurando que todas as partes que se antagonizam estão unidas e trabalhando pelo mesmo ganho. Eu queria um pouco de foco, e queria ser submetida a isso, colocada a meu contragosto de volta ao funcionamento. Colocada no caminho, no prazer. Eu queria ser reorganizada, mesmo que por poucos minutos entre laços e amarras.

Eu estou toda acessa no escuro. Começou com uma faísca, que teve que acontecer mais de uma vez para vingar, dai meus lábios se inflamaram em brasas quentes que tomaram todo o colo, dorso e seios. Eu queria lábios quentes neles agora. Esse tempo frio tem sido cruel com a minha pele, meus pés estão sempre doendo de tão gelados, como se fossem blocos de gelo prestes a se partir ao mínimo impacto. Eu queria o aconchego de uma coxa entre as minhas, enquanto coloco meus pés por baixo de panturrilhas outras.

Eu claramente estou de TPM, e eu queria tanto uma surra dada com a mão cheia, ficar com a pele toda vermelha no formato dos dedos compridos de outra pessoa.

Eu tenho sentido tanto ódio. O mesmo de sempre, no entanto. Eu queria ser explorada, admirada como a obra de arte que eu componho por cada passo dado. Eu quero ser vista, com uma ansiedade pungente de existir. Eu quero ser desejada como algo irresistível, que eu imaginava ser. O patriarcado me fez acreditar que os homens eram seres libidinosos, insaciáveis e que gostavam muitíssimo de sexo. Que grande mentira. A única pessoa libidinosa e insaciável que eu conheço sou eu e eu estou longe de ser homem, quem me dera inclusive. Eu quero que meu desejo, o meu prazer como um objetivo imperioso.

Os homens são apenas uma mentira tosca. São uma grande coleção de impotências falaciosas. Uma promessa que nunca se cumpre.

E as mulheres são essas gavetas vazias, que tentam a todo custo se preencherem pra utilidade do outro e terminam sempre vazias.

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Tauá Chuá
Diários de Quarentena

Amarga, vibrando os pensamentos, odiando cada letra escrita, mas persistindo.