20 de Março de 2020, ou 10º dia da Venlafaxina

Tauá Chuá
Diários de Quarentena
3 min readApr 24, 2020

Eu pensei em começar os registros deste diário há 1 mês atrás, mas quase realmente comecei há 10 dias atrás, quando comecei a tomar Venlafaxina e começar a sentir alguns efeitos colaterais, mas foi esta segunda-feira que o caos realmente começou.

Na verdade não, vamos com calma.

Há mais ou menos 2 meses começaram a chegar notícias sobre um novo vírus se espalhando rapidamente pela China, um burburinho tosco sobre isso ser culpa deles comerem sopa de morcego e preocupação quanto ao mercado internacional ficar caótico devido ao colapso na produção chinesa.

Há quinze dias atrás começaram a chegar notícias sobre a chegada do vírus na Europa, especialmente na Itália com muitas mortes, com covas coletivas, multas para quem saísse nas ruas e fechamento de fronteiras.

Houve atentado contra hospitais com infectados no Irã, e execução de um cara infectado na Coréia por burlar a quarentena.

Eu estava de plantão no Pronto Socorro (PS) no dia 26 de fevereiro quando chegaram as primeiras suspeitas para serem testadas, era um casal de recém chegados da Itália e uma chinesa que havia acabado de chegar para um evento na universidade. Era fim de Carnaval e as aulas ainda não haviam iniciado. Fiquei profundamente irritada o dia todo com a desorganização que se instalou no PS somente por conta dessas testagens, o põe e tira de mascara em outros pacientes, os olhares assustados e o burburinho.

Passou-se o Carnaval, as aulas voltaram dia 2 de Março e iniciou-se a pipocar pelo Brasil suspeitas de Coronavírus, incluindo uma professora do instituto de computação e uma aluna de outra faculdade da cidade de medicina que havia estado em um casamento de subcelebridades que testaram positivo poucos dias depois da festa.

No dia 12 de Março as aulas presenciais de toda a universidade foram suspensas. Era uma quinta-feira, eu acabara de fazer a prova de Gastrologia e estavamos em uma reunião da disciplina quando vi a noticia nas redes sociais. Eu queria acreditar que era precaução. Alguns dias depois o Governador do Estado de São Paulo fez deboche sobre a suspensão das aulas, mas no dia seguinte, o mesmo teve que determinar uma “suspensão progressiva” das aulas no Estado.

No domingo, 15, o “Presidente da República” que estava contaminado, apesar de negar posteriormente, testou positivo junto com boa parte da equipe do seu gabinete. Ele também estimulou manifestações a favor de seu governo, que lotaram as ruas das capitais, indo inclusive a manifestações em Brasilia abraçar seu eleitorado sem sequer utilizar máscara.

Na segunda, 16, estava no Centro Cirúrgico, as máscaras comuns estavam sendo controladas, pois no fim de semana haviam sido furtadas as N-95 (as máscaras que protegem de fato contra aerosóis).

O curso de Medicina titubeou um pouco, mas no dia 17 de Março, suspendeu as atividades assistenciais não essenciais, fechou ambulatórios, suspendeu cirurgias eletivas, e apenas o PS e a oncologia esta funcionando até esse momento.

Estamos extra-oficialmente enclausurados em casa, os mercados com alguns produtos em falta devido ao efeito manada em que alguns resolveram fazer estoques domiciliares de produtos essenciais, como alimentos básicos e outros nem tanto como papel higiênico.

As aulas seguem suspensas até dia 12 de Abril, por enquanto, e eu espero a nova escala de plantão do PS enquanto penso como vou fazer quarentena sem contaminar as outras pessoas que moram comigo trabalhando no PS.

Ao escrever sobre isso, eu me sinto como se estivesse escrevendo um romance apocalíptico, o início de um filme sobre como os Estados Unidos da América salvaram o mundo heroicamente. O único tranquilizante é que eu não sou um homem norte-americano, então pelo menos esta não vai ser a versão cinematográfica dos eventos.

Estou com 24 anos. sou estudante de medicina e estou no último ano da graduação em uma faculdade estadual do interior de São Paulo, na terceira maior cidade do estado, perdendo apenas para a capital e a cidade onde eu cresci e vivia antes de mudar pra cá há 5 anos.

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Tauá Chuá
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Amarga, vibrando os pensamentos, odiando cada letra escrita, mas persistindo.