O caso da Lazio, sua torcida e sua ligação histórica com o fascismo

Igor Emanuel Lins
Dialética da Bola
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6 min readJul 8, 2020

A Società Sportiva Lazio, ou simplesmente Lazio, é o clube abordado nesta semana, o quarto da nossa série. Com o nome de Società Podistica Lazio, a Lazio foi fundada em 9 de janeiro de 1900 na cidade de Formello, na província de Roma, no então Reino da Itália, por um grupo de nove atletas (nadadores e corredores), inicialmente como um clube de esportes olímpicos. As cores predominantes são o azul celeste e o branco, que fazem alusão à bandeira grega por conta da tradição olímpica do país. A principal simbologia é a águia, em referência ao exército do antigo Império Romano e também por ser o animal sagrado de Júpiter, o deus do dia, do céu e do trovão na mitologia romana.

Esquerda: Primeiro escudo da Lazio, sob o nome de Società Podistica Lazio. Fonte: Desconhecida. Direita: Atual escudo da Lazio. Fonte: Site oficial

A prática de futebol iniciou-se em 1901, um ano após a fundação, quando um jogador ítalo-francês chamado Bruto Seghettini apresentou o esporte e explicou as suas regras para os membros da Lazio, passando, assim, a ser conhecida como o clube que levou o futebol à capital italiana. As primeiras partidas oficiais foram disputadas logo em 1902. Em 1907, a Lazio foi convidada para disputar o primeiro campeonato do centro e sul da Itália, contra equipes das cidades de Pisa, Livorno e Lucca. Jogando e vencendo três partidas no mesmo dia, a equipe romana sagrou-se campeã do torneio. Ainda no início do século XX, a Lazio chegou a três finais nacionais em 1913, 1914 e 1923, porém, perdeu todas as disputas para o Pro Vercelli, Casale e Genoa, respectivamente.

Na década posterior, entre 1931 e 1935, o clube ganhou o apelido de “Brasilazio” por conta da elevada quantidade de jogadores ítalo-brasileiros contratados no período: quatro jogadores do Corinthians, três jogadores do Palestra Itália-SP (atual Palmeiras), três jogadores do Palestra Itália-MG (atual Cruzeiro), um jogador do Santos e um do Botafogo, este sendo o único que não possuía nacionalidade italiana além da brasileira. Destes, destacam-se o zagueiro Armando Del Debbio e o atacante Filó, que são até hoje reconhecidos como ídolos do clube.

Faixa antissemita exibida pela torcida da Lazio em 1998, no Estádio Olímpico, com os dizeres “Auschwitz vossa Pátria, os fornos vossas casas”. Fonte: AFP

A década de 1920 marcou a história italiana pela ascensão e consolidação do fascismo no governo sob a liderança de Benito Mussolini. O Partido Nacional Fascista esteve no poder entre 1922 e 1943, implementando um regime ditatorial e totalitário e apelando para elementos como o nacionalismo, xenofobia, antissemitismo e anticomunismo para mobilizar a sua base de apoio popular. O futebol, esporte mais popular do país, foi utilizado pelo regime fascista como ferramenta de impulsionamento e propaganda. O líder fascista Mussolini, embora fosse torcedor do Bologna, costumava frequentar os jogos da Lazio e fora tão bem recebido que passou a ser sócio do clube albiceleste. A torcida da Lazio era a que possuía um maior alinhamento com o governo fascista, embora, claro, não fosse um comportamento unânime.

Os ultras da Lazio, denominados Irriducibili e situados à Curva Nord (curva norte) do Estádio Olímpico, possuem fortes alinhamentos históricos com movimentos de extrema-direita e, por conseguinte, com o fascismo. Frequentemente, os ultras se manifestam nas arquibancadas e fora delas, entoando cantos e exibindo faixas e cartazes de caráter nazifascista, racista e antissemita. No ano de 1998, foi exposta uma faixa com os dizeres “Auschwitz vossa Pátria, os fornos vossas casas”, manifestação antissemita alusiva ao assassinato de judeus nos campos de concentração de Auschwitz. Em abril 2019, antes de uma partida da Coppa Italia contra o Milan, os ultras expuseram, nas ruas de Milão, faixas de reverência a Mussolini, com os dizeres “Honra a Benito Mussolini”, além de palavras de ordem fascistas e o tradicional Saluto, gesto de saudação ao ex-líder.

Paulo Di Canio, ex-atacante da Lazio, fazendo a tradicional saudação fascista após vitória sobre a Roma. Fonte: Vittorio La Verde/Rex Features

É comum os Irriducibili associarem a Roma, o seu grande rival, à imagem de Anne Frank, criança judia morta no Holocausto, de maneira pejorativa. Em 2017, em partida contra o Cagliari na qual os ultras tiveram acesso à Curva Sud, local tradicionalmente frequentado pelos torcedores da Roma, os ultras da Lazio plotaram as cadeiras da arquibancada com adesivos mostrando uma montagem da garota Anne Frank vestida com a camisa da Roma. O episódio gerou imediata reação das autoridades esportivas e dos dirigentes da Lazio. A Federação Italiana iniciou investigação contra os Irriducibili e os mesmos foram suspensos de alguns jogos. Foi determinada a leitura trechos do Diário de Anne Frank antes das partidas, com o objetivo de conscientizar os torcedores. A direção da Lazio determinou que os jogadores entrassem em campo com uma camisa mostrando a imagem de Anne Frank e escrito “Não ao antissemitismo”. O presidente Claudio Lotito criticou a postura dos torcedores e foi pessoalmente a uma sinagoga entregar uma coroa de flores. No entanto, apesar dos gestos públicos, o presidente fora flagrado em um áudio particular dizendo “vamos fazer essa cena”, sofrendo duras críticas.

Os protestos de cunho nazifascista não provêm apenas dos torcedores ultras da Lazio. Em 2005, o ex-atacante e ex-integrante dos Irriducibli Paulo Di Canio, adepto confesso do fascismo, realizou o tradicional Saluno após marcar um dos gols da vitória por 3 a 1 sobre a Roma no Estádio Olímpico. O gesto é objeto de críticas até hoje. Di Canio fora multado em 10 mil euros, o que não o impediu de repetir a saudação fascista contra o Livorno e a Juventus, sendo novamente multado. Em 2013, quando contratado como treinador do Sunderland (Inglaterra), vários grupos de torcedores ingleses exigiram a retratação do italiano quanto as suas ligações com o fascismo. Em 2016, Di Canio foi afastado da emissora Sky Sports, onde atuava como comentarista, após participar de um programa vestindo uma camisa de manga curta e expondo uma tatuagem escrito “DVX”, termo em latim que significa Duce (líder) em italiano e é alusivo a Mussolini, que se autoproclamava “Duce”. Em 2012, o então capitão da Lazio Stefan Radu também performou o Saluto em direção à Curva Nord, onde ficam os ultras.

Torcida Brigada Verde do Celtic expondo um banner escrito “siga o seu líder” para os torcedores da Lazio em partida da Europa League em outubro de 2019. Foto: Grupo SNS

Em 2019, os confrontos Celtic (Escócia) e Lazio pela fase de grupos UEFA Europa League ganharam muito destaque na imprensa internacional, não pela performance das equipes em campo, mas pelo confronto político-ideológico entre os torcedores escoceses e italianos. Na partida de ida em 24 de outubro, os ultras laziales entoaram cânticos fascistas e fizeram o Saluto nas ruas de Glasgow. Como resposta, os membros da torcida Brigate Verde do Celtic expuseram um cartaz com a imagem de Mussolini morto e os dizeres “Siga o seu líder” nas arquibancadas do Celtic Park. Na volta, em 7 de novembro, houve novo confronto. Apesar da orientação do Celtic para os seus torcedores organizarem-se em grandes grupos, evitarem vestir as cores do clube e evitarem manifestações políticas, dois torcedores escoceses foram esfaqueados por torcedores da Lazio e um ônibus que levava torcedores do Celtic foi atacado em Roma. Durante a partida, o ambiente nas arquibancadas do Estádio Olímpico foi igualmente inóspito, com as duas torcidas hostilizando uma a outra.

Uma parcela significativa dos torcedores da Lazio, incluindo os ultras, possuem fortes identificações com o fascismo e não fazem questão de escondê-la. Não é incomum a ocorrência de manifestações nazifascistas por parte dos laziales dentro e fora das arquibancadas. Os Irriducibili funcionam como mecanismo de propaganda da extrema-direita italiana e europeia. O clube, embora hoje tente se desvincular das suas ligações históricas com o fascismo, foi institucionalmente utilizado pelo regime fascista como ferramenta de autopropulsão. A Lazio é mais uma prova prática e evidente de que futebol e política estão intimamente interligados.

Torcedores da Lazio expondo a suástica nazista no Estádio Olímpico. Fonte: Desconhecida

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Igor Emanuel Lins
Dialética da Bola

Engineer, Market Intelligence Specialist, Football Lover and Photographer.