A competição dos sentimentos

Klyns Bagatini - @dialetos
Dialetos
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3 min readDec 19, 2020

Um despertar sobre saúde mental em tempos de pandemia

Lots to juggle, por Emory Allen (Dribbble)

Estamos, desde março, passando coletivamente por um dos períodos mais difíceis da nossa geração. O caos político, econômico e sanitário aumentou as fronteiras sociais e colocou todas as pessoas fora de suas rotinas e zonas de conforto.

Em algumas conversas recentes, tem sido frequente ouvir um “tá tudo bem, sim, na medida do possível, né…” (ou frases semelhantes), que eu também digo e me chamam a atenção por conta de duas perspectivas:

  • Por um lado, parece “errado” você estar bem ou saudável, sendo que há outras pessoas passando por questões muito mais desafiadoras e, de certa forma, vivendo em realidades parecidas com a sua;
  • Por outro, também parece “errado” você estar sentindo cansaço, exaustão ou desânimo, porque afinal você pode não ter perdido uma pessoa próxima ou não está trabalhando na “linha de frente”;

Quer dizer, de certa maneira, estamos neutralizando qualquer tipo de sentimento que fuja de um tipo de apatia, de uma média “aceitável” do que é certo sentir ou não.

A questão é que, quando fazemos isso, estamos partindo de algumas premissas bastante distorcidas e perigosas:

  • A de que não é possível, ao mesmo tempo, ter sentimentos positivos (alegria/paz/bem-estar) E sentimentos negativos (ansiedade/raiva/cansaço)
  • A de que empatizar com alguém significa suprimir as suas emoções
  • A de que não sentir é uma forma mais segura e solidária de passar pelo que estamos passando

O que quero dizer aqui é muito simples: não há competição entre os sentimentos. Nem dentro de você, nem fora.

A complexidade das questões humanas parte da abundância de sentimentos, não da escassez. É possível e normal que você sinta uma mistura de sentimentos. Você pode estar com esperanças pelo futuro próximo e ainda sim sentir pesar por tudo o que nós já passamos. Uma não invalida a outra!

Você pode sentir desânimo e cansaço pelo ano tão difícil e isso também não invalida o que as pessoas à sua volta estão sentindo. Assim como os sentimentos positivos e/ou negativos delas não buscam invalidar os seus. Parece óbvio, mas é muito comum cairmos nesse tipo de pensamento.

Por isso, sempre que vocês se verem caindo naquelas conversas do tipo “competição de quem se f**** mais na vida” (ou no seu auto-julgamento de que tem alguém se f****** mais do que você), busquem levá-las para um lugar de abundância:

  • O que eu sinto é válido e legítimo por si só
  • O que eu sinto não é nem maior, nem menor, nem igual ao que a outra pessoa sente. Não estamos competindo.
  • O que outra pessoa sente não invalida ou diminui o que eu sinto
  • O que a outra pessoa sente é sobre ela, portanto, para ajudá-la, posso oferecer empatia e escuta. Suprimir o que sinto ou dizer a ela que eu ou outras pessoas estão “piores” não está na direção da empatia e da escuta.
  • É possível estabelecer relações nas quais você e as outras pessoas recebam o afeto e empatia que precisam. Isso dependerá da capacidade delas de se responsabilizarem pelos próprios sentimentos e se expressarem com vulnerabilidade.

Eu acredito fortemente num mundo com amor em abundância. Não um mundo de arco-íris e unicórnios onde somos felizes 100% do tempo. Um mundo onde ser humano é permitido, sentir é permitido e demonstrar vulnerabilidade e afeto não quer dizer fraqueza. Onde possamos viver com autenticidade e coragem, proporcionando segurança para vivermos nossos melhores e piores momentos.

Vamos construir esse mundo a partir das nossas relações?

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Klyns Bagatini - @dialetos
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Gosto de escrever sobre relações, inteligência emocional e autoconhecimento