“E tá tudo bem”

Klyns Bagatini - @dialetos
Dialetos
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4 min readOct 22, 2019

Uma reflexão sobre permitir sentir

Ontem me peguei pensando sobre essa frase que tem se tornado bem frequente em minha vida (e em meus textos). O “tá tudo bem” é pra dizer que, mesmo que você não esteja no seu melhor dia, ou se sinta incapaz, incoerente, sem energia, com ansiedade, ou seja, fora da “melhor versão de si mesmo”, não precisa ficar se culpando ou se martirizando. É sobre lidar com o mundo e as situações com menos pressão, menos dor, menos culpa. É sobre se permitir sentir tudo o que acontece dentro de você.

Aí começam as reflexões. Ok, eu entendo a essência, mas e quando não tá tuudo bem? Às vezes tem coisas que realmente não estão bem. E aí a frase fica meio confusa. Como assim “tá tudo bem” se não tá tuudo bem? A ideia não é lidar sem dor quando as coisas não estão 100% bem? Pois é…

Isso me fez pensar em outras possibilidades de transmitir a mesma ideia, mas sem a pressão e essa coisa generalista do “tá tudo bem”.

De primeira, fui para os sinônimos e agregados. O hippie “tá tudo em paz” eu já cortei logo de cara, afinal, vem do mesmo desafio do “bem”. Só é um pouco mais cool.

Em seguida, achando que já tinha resolvido, pensei: que tal um “tá tudo certo”? Afinal, certo é mais fácil que bem… Mas e quando alguma coisa tá errada? Porque certamente existem coisas erradas (̶e̶ ̶t̶á̶ ̶t̶u̶d̶o̶ ̶b̶e̶m̶ ̶e̶x̶i̶s̶t̶i̶r̶e̶m̶). Argh, não. Não é esse.

Pensei em um caloroso “não tem problema”, daqueles que dizemos quando alguém se atrasa para um compromisso ou esquece de fazer aquele favor que te pediram. O problema é que às vezes tem problema sim. E nem sempre problema é uma coisa ruim. A ideia é dizer que, mesmo com os problemas, você não precisa vivê-los com sofrimento ou dor.

E aí me veio um libertador “não se preocupe”, daqueles que te dá um alívio danado quando te dizem, porque já estão resolvendo ou se preocupando por você. Só que, dependendo das situações, a preocupação é inevitável. E faz parte do processo vivê-la também, acolhendo-a e permitindo-a trazer aquilo que essa preocupação quer te dizer.

Cheguei a devanear com um “fique tranquilo”, mas você já sabe o que eu vou dizer. Nem sempre estamos ou precisamos estar tranquilos.

Comecei a pensar que não tinha mais saída.

Pensei em simplesmente não responder nada.

Sabe como é o nada, né? Dá muita abertura para interpretação (e também não passa a mensagem).

Algum tempo depois, deixando a imaginação solta, pensei num “deixa fluir”, que me agradou bastante, mas logo pensei que nem sempre é bom que as coisas fluam. Às vezes precisamos delas represadas por um tempo. Deixar “decantar” também é importante.

Pois bem, no fluir e represar, encontrei um lugar comum, que trouxe aquela respirada gostosa de satisfação (mesmo consciente de que tem um ponto ou outro que não vai encaixar sempre):

Deixa estar

Sabe, quando a tristeza chegar, convida ela pra um chá. Ouve o que ela tem pra te dizer. Pergunta por que ela resolveu te visitar. Deixa ela estar aí por um tempo. Quem sabe ela não te permita navegar na sua sabedoria?

Sabe, quando a ansiedade vier, convida ela pra um passeio no parque. Mostra uma música que você gosta ou brinca com ela com as formas das nuvens. Deixa ela estar aí por um tempo. Quem sabe ela não te permita descobrir mais sobre quem você é e o que você valoriza?

Sabe, quando a coragem jogar uma pedrinha na sua janela, convida ela pra conhecer a sua casa. Mostre as suas coleções de medos e virtudes, conta pra ela sobre o jeito que você gosta de arrumar (ou desarrumar) a casa. Deixa ela estar aí por um tempo. Quem sabe ela não te ensina a conviver com o medo e enxergar o seu valor?

Sabe, quando a felicidade bater na porta, convida ela pra um cinema. Curte estar ao lado dela, mesmo que seja só até o filme acabar. Deixa ela estar aí por um tempo. Deixa ela ir também. Quem sabe ela não te ensina a viver verdadeiramente os bons momentos mesmo sabendo que eles não vão durar pra sempre?

E, sabe, quando a vida aparecer, deixa ela entrar. Faz um café. Permita que ela te mostre as verdadeiras cores do mundo. E os sons e os cheiros e as texturas. Deixa ela trazer e te apresentar todas essas outras convidadas também. Não vai ser fácil ou confortável. Vai ser real. E todas as outras coisas.

Ah,
Já ia me esquecendo…
Deixa outras pessoas estarem também.
Mesmo que você não saiba quanto tempo elas vão ficar.
A vida só é real quando é compartilhada.

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Klyns Bagatini - @dialetos
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Gosto de escrever sobre relações, inteligência emocional e autoconhecimento