Eu sou eu, você é você

Klyns Bagatini - @dialetos
Dialetos
Published in
4 min readMay 1, 2019

A ideia que mudou para sempre a minha forma de lidar com as relações

Somos ensinados que as relações (especialmente as amorosas, mas vamos falar de relações em geral) são como um quebra-cabeça. Você é uma peça incompleta, que precisa achar a sua peça certa e juntos vocês formarão uma bela imagem. E também somos ensinados sobre como é essa imagem: a amizade perfeita, o namoro perfeito, a família perfeita, etc.

Essa forma de enxegar o mundo vem de muitos lugares: da nossa casa, dos filmes, dos livros, das músicas, entre várias outras fontes. Como lidar com isso, por outro lado, assim como boa parte das coisas que devemos saber para crescermos pessoas maduras e conscientes, não se ensina nas escolas.

Essencialmente, a visão é: eu sou incompleto e o outro precisa completar o que falta em mim. A metade da laranja, a tampa da panela, os opostos que se atraem e qualquer clichê que esse texto te lembre.

Assim, quando me relaciono, eu projeto no outro as minhas necessidades, o que está faltando. E eu espero que o outro me proporcione a satisfação dessas necessidades. Se isso não acontece, me frustro e muitas vezes o afasto, porque ele não “fez a parte dele”, “não era a pessoa certa” e blá blá blá.

Do outro lado da história, acontece a mesma coisa. O outro espera que eu o complete. E, salvo raríssimos casos em que essas duas necessidades se encaixam perfeitamente (o ideal utópico da “alma gêmea”), não é assim que as relações acontecem. Se acontecem, nada garante que durarão muito tempo. E dessa forma ficamos, nós, à deriva, à procura de um lugar que não existe no mundo real.

Ao longo dessa jornada, muitos deixam de acreditar e fogem de qualquer relação que comece a “ficar séria”. Outros formam relações e criam suas próprias ilusões, sustentando-as por meio de mentiras ou omissões que, cedo ou tarde, irão aparecer. E alguns sortudos encontram uma solução.

E então, nessas andanças da vida, me deparei com uma ideia que me bagunçou:

“Eu sou eu, você é você.
Eu faço as minhas coisas e você faz as suas coisas.
Eu sou eu, você é você.
Não estou neste mundo para viver de acordo com as suas expectativas.
E nem você o está para viver de acordo com as minhas.
Eu sou eu, você é você.
Se por acaso nos encontrarmos, é lindo.
Se não, não há o que fazer.”

(Fritz Perls, 1969)

O que eu havia aprendido sobre mim e sobre o outro talvez não fosse uma verdade absoluta. Se eu posso ser completo, o outro não deveria ter responsabilidade sobre as minhas necessidades. Se eu posso ser completo, vou precisar lidar com minhas próprias expectativas e frustrações. Vou ter que entendê-las e não vou poder jogar a “culpa” no outro. Ah, que coisa difícil!

Depois de entender isso, não tem como voltar atrás. A partir dali, mesmo que eu tentasse me enganar, eu saberia que as minhas necessidades eram minha responsabilidade. O outro poderia, claro, me ajudar a supri-las, mas se não fizesse, seria um direito dele. E tudo bem.

Por incrível que pareça, o peso nas costas não aumentou. Pelo contrário, fiquei mais leve e muito menos ansioso. Afinal, a mesma responsabilidade que recai sobre mim também tira a minha responsabilidade sobre as necessidades do outro. E o “outro” são muitos: familiares, amigos, parceiros, colegas de trabalho, etc.

Seguindo o modelo “tradicional”, criamos uma perspectiva relacional que sobrecarrega todo mundo! Seria preciso “carregar” as minhas expectativas sobre mim, sobre o outro, e todas as expectativas de todos os outros sobre mim. É claro que não vai funcionar.

Além disso, é importante manter em mente que nada é permanente: tudo flui. Nossas relações são como organismos vivos, mudam e evoluem o tempo todo. Sabendo disso, precisamos encará-las como são: interações finitas. Pesar a relação com alguém por causa de uma única interação mal sucedida pode ser precipitado. Haverão interações boas e ruins. A boa notícia é que, depois delas, podemos escolher viver novas interações (o que poderia se configurar uma “relação”) ou parar por aí.

Portanto, quando surgir o desafio de uma dessas interações, lembre-se do seguinte:

- Você não está neste mundo para viver de acordo com as expectativas da outra pessoa
- Ela não está neste mundo para viver de acordo com as suas expectativas

Se vocês se encontraram e estão dispostos a compartilharem desse momento, tendo em vista as necessidades e expectativas de cada um, aproveitem.

Se não, não há o que fazer.

E tá tudo bem 😉

E aí, curtiu a reflexão? Na teoria, pode fazer muito sentido, mas colocar essas ideias em prática é um desafio gigantesco. Que tal compartilhar aqui nos comentários como você entende e pratica tudo isso?

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Klyns Bagatini - @dialetos
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Gosto de escrever sobre relações, inteligência emocional e autoconhecimento