O efeito Felizes para Sempre

Klyns Bagatini - @dialetos
Dialetos
Published in
5 min readMay 22, 2019

Como a ilusão do para sempre nos aproxima mais rápido do fim

Quando a Cinderela se casa com o príncipe e ouvimos o famoso “e viveram felizes para sempre”, somos apresentados a uma ideia bastante espinhosa. Sorte do narrador da história que não precisa explicar como essa façanha aconteceu, afinal, o filme logo apresenta seus créditos finais. Parece que nos diz, com ironia, “esse abacaxi você é quem vai ter que descascar”.

O discurso clássico dos casamentos já traz um pouco mais de tempero a essa fórmula. “Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, amando-te, respeitando-te e sendo-te fiel em todos os dias de minha vida, até que a morte nos separe.” Ok, pelo menos não precisa ser “feliz para sempre”, você pode sentir alegria e tristeza. Já o “para sempre” ganha um prazo: a morte. Ainda sim, o compromisso é perpétuo.

Religiões à parte, crescemos ouvindo tais discursos inúmeras e inúmeras vezes. Quase sempre com as novelas e filmes acabando logo após proferirem estas palavras, com lindos sorrisos, flores e pássaros cantantes. Engraçado que, se procurarmos as obras que representam o pós-casamento, muito provavelmente retratarão um lado não tão feliz para sempre assim.

Pois bem. Querendo ou não, construímos tais expectativas. É inevitável. Já falamos sobre isso no papo sobre “Eu sou eu, você é você.” Vamos avançar um pouco nessa história. Digamos que você encontrou uma pessoa que você gosta, que gosta de você e que parece ser alguém com quem você imagina um futuro mais longo. Não se limite aqui ao “para sempre”, talvez sejam por alguns dias, algumas semanas, ou talvez você já se veja namorando, casando ou construindo uma família com essa pessoa.

É sobre esse momento que eu quero conversar com você. Você ainda está consciente, pensando sobre o futuro, ponderando possíveis decisões, imaginando cenários… Pode ser que isso te assuste e você fuja, pode ser que te anime e você mergulhe de cabeça. Seus próximos passos dirão.

Por isso, te convido a dar uma volta. Saia um pouco desse seu mundo de expectativas e receios sobre o futuro e vamos refletir sobre algumas coisas:

  • Você acredita que um relacionamento pode ser “para sempre”?
  • Você acredita que um relacionamento pode não ser “para sempre”?
  • De que fatores depende essa possibilidade?
  • Você encara esse seu futuro possível como uma possibilidade ou um dever?

Quando fugimos, podemos inconscientemente pensar que decidir continuar com uma pessoa significa assinar um contrato vitalício. Isso é assustador.

Quando ficamos, também podemos pensar que precisamos sustentar esse sentimento para sempre, que o seu “amor” nunca irá acabar e que, se depender de você, o relacionamento também não. Essa pressão é esmagadora.

Essa pressão, que resolvi chamar de “efeito Felizes para Sempre”, não precisa existir. Esse relacionamento pode durar muito tempo, talvez até para sempre sim. Mas também pode não durar.

Assumir que existe essa possibilidade não te faz gostar menos da outra pessoa. Não te faz querer estar menos com ela agora. Não te faz terminar agora. E também não significa que irá terminar um dia. A única coisa que assumir isso faz é tirar a pressão de cima de você e te dar o poder para decidir continuar dia após dia.

“Meu sentimento nunca vai acabar”, isto é, não assumir essa possibilidade tira o seu poder de decisão. Você está preso à ilusão do para sempre. Você não tem mais escolha a não ser continuar e continuar, independentemente do que aconteça.

E isso faz toda a diferença.

O “não poder mais decidir” te consome lentamente e, ironicamente, te leva mais rápido ao fim que você tanto nega. Ou você sai de uma vez, por medo, ou você deixa de prestar atenção aos detalhes. Deixa de decidir conscientemente. Já que não precisa decidir, tudo serve, tudo convém. O desalinhamento passa a aumentar a cada dia até chegar o ponto em que você pensa “o que eu estou fazendo aqui mesmo?”. Já não tem mais volta. E é claro, você vai embora.

A partir do momento em que você assume a decisão para si, diária e conscientemente, você se torna atento. Nem tudo serve, nem tudo convém. O diálogo precisa acontecer. O alinhamento precisa acontecer. Afinal, eu estou decidindo hoje, mais uma vez, continuar. Quando as coisas que eu não gosto acontecem, como eu não estou preso, não preciso aceitar, posso questionar, rever e repensar. Afinal, a porta está aberta e eu posso sair a qualquer momento.

É aí que a racionalidade cai por terra.

Trancar a porta não manterá você ou a pessoa que você gosta dentro de casa por mais tempo.

Abrir a porta não fará vocês irem embora mais cedo.

Esqueça a porta. Aproveite a companhia e cuide da casa.

Pode ser que vocês escolham ficar. Pode ser que não.

E tá tudo bem.

E aí, curtiu a reflexão? Na teoria, pode fazer muito sentido, mas colocar essas ideias em prática é um desafio gigantesco. Que tal compartilhar aqui nos comentários como você entende e pratica tudo isso?

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Klyns Bagatini - @dialetos
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Gosto de escrever sobre relações, inteligência emocional e autoconhecimento