A importância dos Sample Dialogs para as interfaces conversacionais

Fausto Sposito
Dialograma
Published in
6 min readApr 30, 2021

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Escreva Sample Dialogs. Essa frase deveria ser um mantra para todo designer conversacional. É muito comum que no dia a dia do trabalho operacional, em meio a infindáveis pedidos de projetos, muitos times acabem diminuindo ou mesmo abandonando definitivamente a produção de amostras de diálogo.

Quando fazem isso, sem se dar conta, estão abrindo mão da mais importante etapa de design para a criação de interfaces conversacionais. Mas para entender o porquê dessa importância, precisamos pensar um pouco sobre as características de uma conversa e a natureza de sua representação.

Para começar, é importante entender que, por muito tempo, as GUI (Graphical User Interfaces) foram hegemônicas no universo do desenvolvimento de softwares. Orientados a lógicas essencialmente visuais, websites e aplicativos para smartphones contam com imagens que ajudam a explicar seus textos. Essas imagens são “lidas” e interpretadas pelos usuários de forma bem específica, como explorou o filósofo tcheco-brasileiro Vilém Flusser em seu clássico A Filosofia da Caixa Preta:

O vaguear do olhar é circular: tende a voltar para contemplar elementos já vistos. Assim, o “antes” se torna “depois”, e o “depois” se torna o “antes”. O tempo projetado pelo olhar sobre a imagem é o eterno retorno. O olhar diacroniza a sincronicidade imaginística por ciclos.

Acontece que, com a padronização dos processos de transformação digital em diversas empresas, os métodos de desenvolvimento de interfaces gráficas emprestaram muitas de suas analogias e metáforas para as metodologias de desenvolvimento de interfaces conversacionais.

Um exemplo clássico desse fenômeno é o conceito de “menu”. Numa interface gráfica, abrir um scroll de menu parece muito adequado, já que o usuário poderá passear seus olhos pelas opções, ir e voltar a seu bel-prazer, até decidir qual a palavra mais próxima do problema que tem para resolver. Já numa interface conversacional, regida pela lógica verbal, apresentar um “menu” pode se tornar contraintuitivo, devido às características mais lineares desse tipo de interação. O linguista Adriano Pequeno, da Mutant, citou o filósofo russo Mikhail Bakhtin ao falar sobre as especificidades de uma conversa em um post de 2020 aqui no Dialograma:

Assim, a gente pode considerar os diálogos conversacionais, a língua falada, como uma interação verbal centrada entre dois ou mais interlocutores — uma conversa, entrevista, debate — em que os participantes compõem o texto de forma colaborativa à medida que a ação é realizada.

Como um diálogo se dá ao longo do tempo e a utilização do conceito de “menu” não é próprio desse tipo de interação, o designer conversacional que optar por agrupar ideias em palavras-chaves necessariamente precisará lidar com estratégias de apresentação linear desses itens, e também em como viabilizar essas idas e vindas do usuário de forma dialógica.

A etapa própria para tratar desses dilemas e evitar fardos cognitivos ao usuário é exatamente o Sample Dialog, um documento linear de criação. É nesse artefato que o profissional responsável pela construção da conversa irá trabalhar para equilibrar a linguagem e a estrutura de uma interface que converse com o usuário.

Obviamente, será inviável cobrir todas as ramificações possíveis para uma conversa, e será preciso propor amostras (Samples) que cubram apenas os principais caminhos do projeto. Nesses exemplos escolhidos, o designer deverá representar essa troca de informação que acontece ao longo do tempo e, portanto, deverá redigir tanto as falas do sistema quanto as possíveis interações de quem o utiliza — a voz do usuário. Ao escrevermos, fica evidente esse esgarçamento do tempo no texto escrito, também abordado por Flusser em sua obra A Escrita:

A escrita, essa sequência de sinais em forma de linhas, é que torna possível essa consciência histórica. Somente quando se escrevem linhas é que se pode pensar logicamente, calcular, criticar, produzir conhecimento científico, filosofar –e, de maneira análoga, agir.

Aqui temos o layout de um Sample Dialog (SD) do modo como fazemos na Mutant.

Quando o designer conversacional trabalha apenas em documentos estruturais e imagéticos, como o High Level Design (HLD) ou um fluxograma, ele perde a representação linear do seu trabalho — linearidade essa que, como vimos, é uma das características principais de uma conversa.

Aliás, esse tipo de representação visual dos caminhos de um software também é uma herança que as interfaces gráficas legaram às interfaces conversacionais. Aqui na Mutant, eu costumo dizer que os principais programas para design de diálogos são os editores de texto.

A linearidade do texto escrito produz uma representação bem mais fiel do resultado final de uma interface conversacional do que um mapa estrutural com uma grande quantidade de ramificações e bifurcações. Entretanto, quando observamos o mercado, a grande maioria das ferramentas de criação de diálogos disponíveis hoje em dia incentivam os designers a criarem direto em sistemas de fluxograma.

Uma comparação possível da utilização de fluxos como representações para conversas seria a equiparação com um mapa de metrô. Sabemos que o mapa do Metrô de São Paulo, por exemplo, representa o sistema de trilhos e estações da região metropolitana. No entanto, objetivamente, podemos afirmar que a fidelidade dessa representação é bem baixa no que diz respeito a indicadores fundamentais para um sistema de transporte público como tempo e distância.

Se baseado apenas nessa representação imagética da realidade, um passageiro desavisado que se encontra na Estação da Sé poderia pensar que ir a Jundiaí ou Mogi das Cruzes levaria tempo equivalente de uma viagem ao Jabaquara ou Tucuruvi.

Essa problemática da representação reforça a busca por protótipos cada vez mais próximos da realidade. No caso dos softwares de construção de diálogos, essa questão aponta para a necessidade de trabalhar o texto escrito (Sample Dialogs) antes de transpor para a visão de fluxo e/ou para a especificação técnica. Quanto mais Sample Dialogs confeccionados, mais fidedigno será o “protótipo” em relação ao objeto final.

Cada tipo de interface conversacional traz à tona ainda suas particularidades de representação. No caso das VUIs (Voice User Interfaces), por exemplo, a linearidade do texto escrito não será suficiente para dar conta das variações e modulações encontradas na fala humana. Daí, o imperativo de também avançar para a gravação dos diálogos em estúdio ou para a geração das falas pelos sintetizadores de voz humana.

Essa prática, inclusive, contribui enormemente para a aprovação de projetos pelos demais stakeholders, pois nos Samples gravados já estão endereçados pontos frequentemente levantados durante a aprovação de textos escritos, como questões de norma, entoação, tempo de duração da jornada, etc.

Com o maior grau de fidelidade das amostras gravadas, é possível minimizar discussões como “esse texto está muito informal” ou “essa fala está muito longa”, assuntos improdutivos para o dia a dia, e cujas respostas residem em discussões teóricas mais amplas sobre as características inerentes aos textos escritos e falados, e as diferenças entre eles.

Isto é, a gravação de Sample Dialogs, que à primeira vista pode parecer uma atividade a mais no processo de design, ajuda a ganhar tempo de projeto, evitando debates teóricos e idas e vindas de pedidos de alteração.

Segundo Cathy Pearl, que já foi a Head de Conversation Design do Google e hoje gerencia toda a frente de design do Google Assistant, o Sample Dialog é “o primeiro e mais importante componente para desenhar um bom sistema conversacional”. E ela é enfática na defesa dessa atividade:

Planejar o design antes vai te economizar tempo e dor de cabeça depois, e no final das contas vai gerar uma experiência melhor.

Então, seja pela questão da linearidade de uma conversa, pela fidelidade de representação ou ainda para evitar perder tempo em discussões teóricas improdutivas, escreva Sample Dialogs. Além de te ajudar a entregar projetos melhores, essas amostras de diálogo irão contribuir para a sua formação como designer conversacional. Não abra mão delas. Acredite: é no Sample Dialog que a mágica acontece.

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Fausto Sposito
Dialograma

Content strategist with extensive background on Multimedia Storytelling, Dialog Design and Conversational Interfaces.