Ilusão e liberdade de escolha

Lucas Pinheiro Silva
Diário de um Gamer
4 min readFeb 6, 2018

Esse texto contém spoilers de Zero Escape: Virtue’s Last Reward e The Walking Dead.

Ontem eu estava fazendo uma das minhas coisas favoritas, que é discutir sobre videogames com pessoas anônimas a internet. Conversa vem, conversa vai, alguém pergunta qual a diferença efetiva entre visual novels e filmes. “VNs e outros jogos focados na narrativa fazem uso da Ilusão de Escolha, uma ferramenta que não é possível replicar em outras mídias”, eu respondi com confiança. Como estamos na internet, algumas pessoas se sentiram ofendidas. “Alguns VNs têm escolhas reais, não são só uma ilusão”, logo me replicaram.

O Anon#4568420, claro, está certo. Ilusão de Escolha é um termo um tanto quanto carregado de conotação negativa nesse meio, normalmente se referindo a jogos que parecem dar ao jogador uma escolha, mas todas as opções acabam convergindo para o mesmo caminho. Boa parte dos games faz isso, o que não é necessariamente ruim… desde que a ilusão não seja quebrada. Se o jogador perceber que não tem agência real dentro da narrativa, ele pode se sentir, para dizer o mínimo, frustrado.

Por outro lado, me pergunto o quão real é sua liberdade de escolha em jogos famosos por darem ao jogador inúmeras opções de ação e terem diversos finais. Não importa quantas conclusões diferentes a história possa ter, todos os caminhos narrativos possíveis foram preconcebidos. É possível escolher que estrada seguir, mas não pegar seu carro metafórico e traçar uma nova trilha. Há escolhas, sim, e elas podem ser significativas… Mas será que há liberdade?

Talvez múltiplos finais e miríades de opções sejam apenas uma forma mais elaborada de manter a Ilusão de Escolha. Afinal, mesmo nos casos de obras que fazem extensivo uso dessas coisas, normalmente há um final canônico ou oficial. O jogador pode fazer escolhas e elas terão efeitos no futuro, mas existem escolhas “certas” e parte do desafio é descobrir quais são elas para se conseguir o final dito “bom”.

Um game que parece ter essa consciência é Zero Escape: Virtue’s Last Reward. Com um total 24 finais e muitas ramificações, pode até parecer que o jogador tem muitas escolhas… Mas o VLR expõe de forma explícita as várias linhas narrativas, deixa o jogador pular entre os vários pontos dela quando quiser e deixa bem claro que há um final verdadeiro — que só pode ser adquirido depois de se ver todos os outros finais. Todas os caminhos levam a Roma, já dizia o velho ditado.

Ou, nesse caso, ao verdadeiro final.

Outros games parecem gostar de brincar mais com esse conceito, criar uma ilusão bonitinha só para quebrá-la na cara do espectador. The Walking Dead logo vem em mente. A polêmica cena em que um dos personagens que foram resgatados anteriormente é assassinado sem cerimônias pode ser vista como alguns como um mau exemplo de Ilusão de Escolha, mas me parece que ela foi cuidadosamente projetada para fazer o jogador se sentir impotente. A ilusão não foi quebrada por descuido, mas deliberadamente.

No capítulo imediatamente anterior, há várias cenas do protagonista conhecendo melhor o personagem, talvez até indicando um possível envolvimento romântico. Logo antes de sua morte, é dito que o personagem se lembrará do que está acontecendo, criando-se a expectativa de novas consequências e desdobramentos. Então, *pof*, ele é assassinado. Quando isso aconteceu comigo, tentei voltar na linha narrativa e escolher outras opções, sem sucesso. Minhas escolhas eram irrelevantes: a morte do personagem era inevitável. É como se os devs estivessem dizendo de forma explícita que certos eventos não estavam sob meu controle e pessoas faleceriam independente do que eu fizesse. Até parecia que eu estava num apocalipse zumbi.

Talvez devêssemos parar de ver a Ilusão de Escolha como algo necessariamente ruim, vê-la pelo o que realmente é: uma ferramenta narrativa, única dos videogames. Alguns games podem criar uma ilusão tão convincente que os jogadores crerão com veemência que realmente têm liberdade; outros podem destruir a ilusão de forma de forma consciente para criar sentimentos de desempoderamento e angústia. O importante não é que usem essa ferramenta, e sim como.

Claro, talvez reduzir tudo a Ilusão de Escolha seja injusto de minha parte. Afinal, se há a possibilidade de se escolher entre pelo menos duas opções distintas que têm efeitos reais na narrativa, não estamos falando de uma ilusão. Houve uma escolha, houve um efeito.

Entretanto, por mais realista e avançada que a mídia fique, escolhas em meios digitais sempre são limitadas. Podemos não estar diante de um caso de Ilusão de Escolha, mas também não há verdadeira Liberdade de Escolha — apenas liberdade entre escolhas. Do que chamar esse paradigma? Ilusão de Liberdade de Escolha? Não sou bom com nomes, então deixo essa questão para alguém mais criativo do que eu.

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Lucas Pinheiro Silva
Diário de um Gamer

Estudante de história e fascinado pela indústria de entretenimento digital. Algumas vezes finjo que sei escrever e publico alguma coisa.