(Notas nº5) É preciso superar as convenções e “pressupor” para conhecer

André Silva
#Diários de bordo
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4 min readFeb 29, 2020

Qual o problema de não se ter uma filosofia não materialista?

O principal problema de ter uma filosofia exclusivamente materialista é que toda filosofia não materialista será foco de crítica. Do mesmo modo que se houvesse somente uma filosofia não materialista, ela criticaria a filosofia materialista. Não se haverá de combater as correntes materialistas se a base da filosofia e ciência são materialistas. Já que suas bases são apenas materialistas, obviamente que estas irão combater as correntes não materialistas com a alcunha de falsas ciências.

Uma corrente exclusivamente materialista baseia sua conduta no meio manifesto, nas estruturas exatas, e ou desacredita ciências humanas e sociais ou aplica o mesmo método das naturais às ciências humanas e sociais (o que ficaria conhecido por positivismo).

Uma ciência exclusivamente materialista tende a ignorar a imaterialidade. Se esta existe, não poderá ser conhecida se apenas o material for parâmetro. Ainda que o imaterial não seja uma realidade obviamente deve ser considerado possível para se avaliar sua lógica.

O primeiro passo portanto é o de demonstrar que existe o que se chama por “imaterial” ou não material. Ou que o imaterial é um grau do material, tal como o frio é um grau de calor. São extremos de uma mesma régua. Neste sentido, um objeto imaginário não é um objeto real. E este imaginário pode vir antes ou depois. Ambos serão diferentes, mas o modelo ideal existe por si mesmo e não é percebido se não por pensamento. É material em pensamento. Mas o pensamento é imaterial. Imaginar uma palavra é imaterial, ainda que ela não se projete como um holograma, mas que tenha seu lugar no mental. O próprio mental é imaterial ou menos material do que as ações dos braços, pernas e fala. Se eu me imaginar gritando, não é tal como eu fatidicamente gritar. O mesmo para o correr, para o uso de um martelo. Imaginar-me batendo o martelo não é como eu de fato pegar com as mãos um e o utilizar.

Continua…

Uma filosofia materialista se apoia totalmente no material como fruto de processos fenomênicos, mas ignora que o entendimento dos fenômenos segue a partir de indícios que residem no campo desconhecido em que daí são pouco a pouco associados.

A exigência da materialidade cria certos limites. No método.

Para identificar os problemas da materialidade, ou os problemas de não se ter uma filosofia e ciência não material, temos que identificar o que o materialismo atrapalha ou implica. Para começar, a corrente materialista que toma o material como absoluto desprezando que seres com percepções materiais não podem sondar o imaterial materialmente falando, mas frequentemente este imaterial escapa às nossas percepções mais óbvias, sendo necessário modos indiretos de percepção.

Uma cultura é um conjunto de indícios identitários e específicos de um grupo que manifestam-se em correspondência com a história, a memória, individual e coletivas daquele grupo. A quem não se enquadra em uma cultura não se tem elementos suficientes para entender as experiências, da maneira como seus membros a entendem, sendo necessário mais do que uma imersão, mas permitir que os próprios membros daquela cultura contem de seus pontos de vista o que experienciam. O pesquisador por mais que receba destes as informações, não se posiciona na mesma vivência, mas a melhor maneira de tornar mais próxima e realista seu estudo é não sendo ele a determinar a partir de sua própria cultura ou convenção, mas como já foi dito, dar esta tarefa aos próprios membros da cultura. Se, por exemplo, num esforço religioso desta cultura em estudo os seus membros alcançam estados alterados de consciência, se tem sensações e vivências que descrevem incompatíveis com o comum, se as visões dos homens implicam em percepções variáveis e diferentes, não é o provável que determina o real ou verdadeiro, o provável é destituído de certezas. Pois é impossível de se sondar o pensamento do outro. Assim como é impossível entender o Todo. Se o Todo é realidade em que estamos inseridos e sua, digamos, “grande massa” é desconhecido para nós, as nossas suspeitas não podem ser mais do que imprecisas. Se ao estudar um fenômeno baseia-se nos parâmetros que tem para focar as experiências, se limita ao que tem e não alcança nada do que lhe seja superior, sendo necessário superar as próprias convenções para avançar e conhecer mais.

Da mesma forma se dá com o materialismo se ignora a pressuposição das experiências imateriais para alcançar indícios das mesmas. Não se pode entender ou conhecer o âmbito imaterial ignorando a possibilidade desta existência. É necessário partir do pressuposto da existência para imaginar meios que considerem a concepção imaterial a fim de construir modos de experiência que capturem indícios deste campo imaterial. Pressupor é como teorizar e teorizar é pressupor. A hipótese é guia lógico que intui caminhos pela arte de analisar e associar indícios, para daí buscar a experiência. Sem pressupor, como experimentar? Ignorar a existência do imaterial é se recusar à teoria e negar o próprio fazer científico.

Continua…

Aonde o material é questionado e quais dilemas ou assuntos são diretamente relacionados a tal? Aonde exista a distância de respostas e a suposição.

A astronomia olha para o universo e supõe a partir dos dados que coleta, considerando que os dados que coletam são suficientes para inferir ou deduzir assertivas que embora reconheçam a incapacidade de esgotar o que há sobre o tratado, encerram como palavra final assegurada pela qualidade de instituição, como autoridade definidora da verdade absoluta. Rejeitam quaisquer aspectos que não são aceitos neste crivo, mas desprezam que a distância os afasta do domínio das respostas.

Num exemplo, não se pode concluir sobre Marte algo se não se explorou nem 1% de sua superfície.

Nota 5: 08/11/2019 — Reflexões sobre Filosofia não-materialista

Notas e Rascunhos de reflexões e meditações pessoais para produção dos meus textos finais. Essas notas são o registro da “caminhada”. Esteja claro que há, portanto, mudanças e movimentos de pensamentos no processo, para forjar o pensamento final. Publico como modo de guardar o exercício que fiz para amadurecer algum ponto de vista. Essas notas geraram (ou irão gerar) textos oficiais e definitivos que irei posteriormente referenciar aqui.

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André Silva
#Diários de bordo

Pensador, investigador e “filosofista”. Pesquisa a ciência, a consciência, o espírito, linguagem, cultura, redes, etc. Mestre em C.I. Instagram: @andrefonsis