“A Alma Universal”, por Emerson — uma tradução livre

The Over-Soul é um ensaio escrito em 1841 pelo filósofo americano Ralph Waldo Emerson, no qual as relações da alma humana com si mesma e o resto do mundo são o tema de análise.

Gabriel Goulart
Diários de Kairos
28 min readJan 20, 2019

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O filósofo americano Ralph Waldo Emerson escreveu o ensaio The Over-Soul (“A Alma Universal” nesta tradução) com o propósito de analisar a existência e a natureza da alma humana, seu relacionamento com nosso ego, seu relacionamento com outras almas e por fim, seu relacionamento com Deus. Emerson escreve este ensaio sob fortes influências de religiões orientais, sem ignorar de fato seu contexto na civilização ocidental. Este ensaio, acredito, é uma magnífica obra para todos aqueles que sentem que algo está faltando nos dias atuais, mas que não sabem exatamente onde procurar. Os livros da História contudo, nunca nos desapontam. Assim, resolvi traduzir este ensaio com o propósito de disseminar esta elevada e graciosa mensagem em um mundo que a necessita cada vez mais.

A Alma Universal

uma diferença entre a autoridade e o subsequente efeito de horas específicas de nossas vidas. Nossa fé surge em momentos; nossos pecados são habituais. Mesmo assim, há uma certa profundidade nestes breves momentos que nos reprime quando tentamos atribuir mais realidade a eles do que qualquer outra experiência. Por essa razão a discussão, que sempre acaba silenciando aqueles que concebem esperanças extraordinárias do ser humano, principalmente aqueles que apelam às suas experiências, é para sempre inválida e inútil. Nós abandonamos o passado ao opositor e mesmo assim temos esperança. Ele deve explicar essa nossa esperança. Admitimos que a vida humana é pobre, mas como nós descobrimos que é pobre? Qual é o fundamento deste nosso desconforto; deste velho descontentamento? Qual é o senso universal do desejo e da ignorância, se não a sutil insinuação pela qual a alma faz sua enorme reivindicação? Por que o ser humano sente que a história natural do homem nunca de fato foi escrita, mas ele está sempre tentando deixar registrado aquilo que você disse dele, uma vez que as palavras envelhecem e os livros de metafísica tornam-se inúteis?

A filosofia de seis mil anos ainda não desbravou as câmaras mais obscuras da alma humana. Em seus experimentos sempre permaneceu um resíduo de mistério do qual ela não conseguiu resolver. O homem é um riacho cuja nascente permanece escondida. Nosso ser flui por nós sem sabermos de onde. A mais exata calculadora não consegue saber se algo incalculável surgirá no próximo instante. Sou forçado à todo instante a reconhecer, para os eventos ao meu redor, uma origem mais elevada do que a vontade que chamo de minha. Isso é verdade para eventos, como também para pensamentos. Quando observo a corrente de um rio, de origens que desconheço, que por uma estação derrama suas águas em mim, vejo que sou um pensionista; não a causa, mas um surpreso espectador desta etérea água; vejo que desejo, reverencio e absorvo em mim mesmo, mas estas visões se originam de alguma energia externa.

O Supremo Crítico dos erros do passado e do presente, o único profeta daquilo que deve suceder, é a grande natureza da qual nós descansamos como a terra se deleita nos braços suaves da atmosfera; ele é essa Unidade, essa Alma Universal dentro de cada ser humano e que se torna um com todas as outras; é esse coração coletivo do qual toda sincera conversa é objeto de adoração, do qual toda ação virtuosa é submissão; é essa realidade empoderada que questiona nossos truques e talentos, e que compele cada um de nós a ser quem somos e a falar a partir de nossa essência e não de boca pra fora, e que cada vez mais tende a passar por nossos pensamentos e por nossas mãos para tornar-se em sabedoria, virtude, poder e beleza. Nós vivemos em sucessão, em divisão, em partes e partículas. Enquanto isso dentro do ser humano há a alma do todo; o sábio silêncio; a beleza universal da qual cada parte e partícula são igualmente relacionados; o eterno Um. Nesse profundo poder do qual nós fazemos parte e cuja beatitude é acessível a cada um de nós, não somente é autossuficiente e perfeito a todo instante, mas também o ato de ver e do objeto visto, o observador e o espetáculo, o sujeito e o objeto, são Um.

Nós vemos o mundo pedaço por pedaço, vemos o Sol, a Lua, o animal, a árvore; mas o todo, do qual esses objetos são as suas brilhantes partes, é a alma. Somente através da visão dessa Sabedoria que o horóscopo das eras pode ser lido, e por nos apoiarmos em nossos melhores pensamentos, por empunharmos o espírito da profecia que é inerente em cada ser humano, podemos saber o que ele diz. As palavras de todo homem que fala dessa perspectiva devem parecer inúteis para aqueles que não compartilham do mesmo pensamento. Não ouso convencer ninguém. Minhas palavras não carregam esse senso augusto; elas caem frias e vagas. Somente o próprio indivíduo pode alcançar essa inspiração e verá as suas palavras carregadas pelo vento como líricas, doces e universais. Mesmo assim desejo, com palavras profanas se não posso usar as sagradas, indicar o céu dessa deidade e reportar minhas próprias observações da simplicidade transcendente e da energia desta que é a Altíssima Lei.

Se considerarmos o que acontece em conversas, em sonhos, em remorso, em tempos de paixão, em surpresas, nas instruções de sonhos, situações em que vemos a nós mesmos com máscaras — divertidas fantasias que magnificam e acentuam um elemento real, forçando-o para nossa nítida atenção — se considerarmos o que acontece nessas situações, poderemos captar variadas insinuações que ampliarão e iluminarão o conhecimento do segredo da natureza. Tudo isso mostra que a alma no homem não é um órgão, mas que anima e movimenta todos os órgãos; ela não é uma função, como o poder da memória, do cálculo, da comparação, mas as usa como mãos e pés; não é uma capacidade, mas uma luz; não é o intelecto ou a vontade, mas o senhorio do intelecto e da vontade; ela é o fundo em que o nosso ser está inserido, onde repousa uma imensidão não possuída e que não pode ser possuída. Vindo de dentro, uma luz reluz através de nós e se derrama sobre as coisas, nos tornando cientes de que nós não somos nada, mas que a luz é tudo.

“O homem é um riacho cuja nascente permanece escondida. Nosso ser flui por nós sem sabermos de onde.”

Um homem é a fachada de um templo onde toda a sabedoria e todo o bem reside. O que coloquialmente chamamos de homem, o homem que come, que bebe, que planta, que conta, não representa a si mesmo, mas se desvirtua. Não é a ele que devemos nosso respeito, mas sim à alma, da qual ele é um órgão — e se ele a deixasse transparecer em suas ações, ela nos faria cair de joelhos. Quando ela respira através de seu intelecto, ela é o gênio; quando respira através de sua vontade, ela é a virtude; quando flui através de sua afeição, é o amor. Mas a cegueira do intelecto começa quando ele deseja ser algo por si próprio. A fraqueza da vontade começa quando o indivíduo quer ser algo por si próprio. O que todas as reformas têm em comum é que almejam que a alma se revele através de nós; ou melhor, que nos leve a obedecê-la.

Todo homem torna-se consciente desta natureza pura. A linguagem não consegue pintá-la com suas cores. Ela é sutil demais. Ela é indefinida, imensurável; mas sabemos que ela nos atravessa e nos contém. Sabemos que todo o ser espiritual está dentro do homem. Um velho e sábio provérbio diz: “Deus nos visita sem nos avisar”, ou seja, assim como não há uma tela ou um teto entre nossas cabeças e o céu infinito, não há qualquer obstáculo ou muros na alma, onde o homem — o efeito — termina, e Deus — a causa — começa. Os muros são derrubados. Nos abrimos em um lado para as profundezas da natureza espiritual, para os atributos de Deus. Justiça, Amor, Liberdade e Poder, nós vemos e reconhecemos. Nenhum homem jamais elevou-se acima destas naturezas; elas se erguem acima de nós, especialmente nos momentos em que nossos interesses nos impelem a traí-las.

A soberania desta natureza da qual falamos é reconhecida pela independência destas limitações que nos rodeiam a todo instante. A alma rodeia todas as coisas. Como disse antes, ela contradiz toda a experiência. De maneira similar ela abole o tempo e o espaço. A influência que os sentidos têm na maioria dos homens dominou a mente de uma maneira da qual os muros do tempo e o espaço vieram a parecer reais e intransponíveis; e falar de forma leviana destes limites no mundo hoje tornou-se um sinal de insanidade. No entanto, o tempo e o espaço são medidas inversas da força da alma. O espírito joga com o tempo:

“Pode aglomerar a eternidade em uma hora,

Ou estender uma hora até a eternidade.”

Frequentemente somos impelidos a sentir que há uma outra juventude e velhice além daquela que é medida pelo ano de nosso nascimento. Alguns pensamentos sempre nos notam como jovens, e nos mantém assim. Um pensamento assim é o amor da beleza eterna e universal. Todo homem parte desta contemplação com um sentimento de que ele pertence a eras e não a vida mortal. Da mesma forma, qualquer atividade do poder intelectual nos redime das imposições do tempo. Na doença, no cansaço, se nos dão um mínimo de uma poesia ou de uma frase profunda, nos sentimos revigorados; ou se nos dão um volume de Platão ou Shakespeare, ou até mesmo só de nos lembrarmos de seus nomes, e instantaneamente crescerá em nós um sentimento de longevidade. Observe como o profundo pensamento divino reduz séculos e milênios e se faz aparecer presente em todas as eras. Seria o ensinamento de Cristo menos efetivo agora do que foi quando sua boca se abriu pela primeira vez? A ênfase de fatos e pessoas em meus pensamentos não possui nada a ver com o tempo. Assim, a escala da alma sempre será uma, enquanto a escala dos sentidos e da compreensão será outra. Perante às revelações da alma, Tempo, Espaço e Natureza se encolhem.

Na linguagem cotidiana relacionamos todas as coisas ao tempo, como habitualmente relacionamos as infinitamente distantes estrelas a esferas côncavas. Da mesma maneira dizemos que o Julgamento está próximo ou distante, que o Milênio se aproxima, que o dia de um certas reformas políticas, morais e sociais está para chegar, dizemos que um dos fatos que contemplamos na natureza das coisas é externo e fugitivo, e o outro é permanente e inato com a alma. Todas as coisas que estimamos como fixas deverão, uma por uma, se desprender de nossa experiência como frutas maduras e cair. O vento deverá levar-las para um lugar desconhecido. A paisagem, as figuras, Boston, Londres, são fatos fugitivos como qualquer instituição passada, ou como um sopro de uma nuvem ou névoa, da mesma maneira que é a sociedade, da mesma maneira que é o mundo. A alma possui um firme olhar para frente, criando um mundo diante dela, deixando mundos para trás. Ela não possui datas, nem ritos, nem pessoas, nem peculiaridades, nem homens. A alma conhece apenas a alma; a teia de eventos é a fluída vestimenta que ela veste.

A taxa de seu progresso deverá ser computada não por aritmética, mas por sua própria lei. Os avanços da alma não são feitos de forma gradual, de forma que podem ser representadas pelo movimento em uma linha reta, mas sim pelas ascensões de estados, que podem ser representados por metamorfoses — do ovo à larva, da larva à mosca. Os desenvolvimentos de gênios são de um certo caráter total, não aquele favorece um indivíduo eleito primeiro diante de John, depois de Adam, depois de Richard, e que dá a cada um a dor da inferioridade descoberta, — mas através de cada violenta agonia de crescimento que o homem se expande ali onde ele trabalha, e a cada pulsação ele ultrapassa populações e classes de homens. A cada impulso divino a mente rasga a fina crosta do visível e do finito, se projetando na eternidade, inspirando e expirando o seu ar. Ela conversa com verdades que sempre foram faladas no mundo, e se torna consciente de uma maior simpatia com Zeno e Arriano do que com pessoas em sua casa.

Esta é a lei da moral e da prosperidade mental. A simples ascensão como que por uma frivolidade específica, não em uma virtude em particular, mas em uma região de todas as virtudes. Elas estão no espírito que contém todas elas. A alma requer pureza, mas não é pureza; ela requer justiça, mas ela tampouco é justiça; requer bondade mas é algo melhor; de forma que exista um tipo de declive e acomodação que são sentidos quando deixamos de falar da natureza moral para encorajar uma virtude que ela proíbe. Para a criança bem-nascida todas as virtudes são naturais e não dolorosamente adquiridas. Fale ao coração do homem, e subitamente ele se torna virtuoso.

Dentro do mesmo sentimento está a semente do crescimento intelectual, que obedece à mesma lei. Aqueles que são capazes de humildade, de justiça, de amor, de aspiração, já se encontram em uma plataforma que comanda as ciências e as artes, discursos e poesias, ações e encantos. Aqueles que habitam nesta beatitude moral já antecipam aqueles poderes especiais que os homens estimam tão fortemente. O amante não possui talento, ou habilidade, o que passa despercebido aos olhos de sua amada, independente do quão desprovida de habilidades similares ela seja; e o coração que se entrega para a Mente Suprema encontra-se relacionada com todas as suas obras, e viajará através de uma estrada majestosa para conhecimentos e poderes particulares. Ao ascender para este primário e aborígene sentimento, viemos instantaneamente de uma remota estação na circunferência para o centro do mundo, onde, como no gabinete de Deus, vemos as causas dos eventos e antecipamos o universo, que nada mais é do que um lento efeito.

“Um homem é a fachada de um templo onde toda a sabedoria e todo o bem reside.”

Uma maneira do ensinamento divino é a encarnação do espírito em uma forma, — em formas, como a minha. Eu vivo em sociedade, com pessoas que respondem a pensamentos em minha própria mente, ou que expressam certa obediência aos grandes instintos dos quais eu vivo. Eu vejo a presença destes instintos nelas. Sou certificado de uma natureza comum; e estas outras almas, estes indivíduos separados, me atraem como nada mais me atrai. Elas agitam em mim novas emoções que chamamos de paixão, de amor, de ódio, de medo, de admiração, de piedade; delas nascem a conversação, a competição, a persuasão, as cidades e as guerras.

Pessoas são suplementos aos ensinamentos primários da alma. Na juventude somos loucos por pessoas. A infância e a juventude enxergam um mundo inteiro nelas. Mas uma experiência mais ampla do homem descobre esta idêntica natureza aparecendo em todas elas. As próprias pessoas nos acostumam com o impessoal. Em todas as conversas entre duas pessoas, referências implícitas são feitas a um terceiro membro, a uma natureza comum. Este terceiro ou natureza comum não é social; é impessoal; é Deus. E assim, em grupos onde o debate é sincero, especialmente em elevadas questões, o grupo torna-se ciente que o pensamento se eleva em um nível de igualdade em todos os corações, que todos possuem propriedade espiritual no que foi pronunciado e em quem pronunciou. Eles se tornam mais sábios do que eram antes. Acima deles é erguido, como um templo, uma unidade de pensamento no qual todo coração bate com um senso mais nobre de poder e de dever, e que pensa e age com uma solenidade incomum. Todos são conscientes de ter alcançado um maior domínio de si mesmo. Ela brilha para todos.

Existe um certo conhecimento da humanidade que é comum tanto para todos os grandes homens quanto para os menores, e no qual nossa ordinária educação frequentemente tenta silenciar e obstruir. A mente é uma, e as melhores mentes, que amam a verdade por si mesma, não pensam tanto na propriedade da verdade. Elas a aceitam de bom grado em todos os lugares e não a estampam ou a rotulam com nenhum nome humano, já que há muito ela lhes pertence, pela eternidade. Os eruditos e estudiosos do pensamento não possuem monopólio da sabedoria. A violência de suas ações os desqualifica de pensar de forma verdadeira. Nós devemos muitas valiosas observações a pessoas que não são muito perspicazes ou profundas, e que dizem o que dizem sem muito esforço aquilo que tanto queremos e que tanto procuramos em vão. A presença da alma está de forma mais frequente naquilo que é sentido, mas não falado do que naquilo que é dito em qualquer conversa comum. Ela paira sobre todas as sociedades, e cada uma a procura nas outras de forma inconsciente. Nós sabemos mais do que fazemos. Nós ainda não nos possuímos, mas ao mesmo tempo sabemos que somos muito mais. Sinto esta mesma verdade de forma frequente em conversas triviais com meus vizinhos; sinto que algo de mais alto em cada um de nós observa este passatempo, que Jeová acena para Jeová atrás de cada um de nós.

Os homens descem de pedestais para encontrar-se uns com os outros. Em seus serviços habituais e mesquinhos, serviços nas quais eles abandonam sua nobreza natural, eles lembram xeques árabes que habitam casas miseráveis e simulam uma pobreza externa para escapar ao roubo do Paxá, e reservam toda demonstração de riqueza para o seu interior e em retiros vigiados.

Da mesma maneira que ela é presente em todas as pessoas, ela é presente em todos os períodos da vida. Ela já é adulta na criança. Na relação com meu filho, o meu latim e meu grego, minhas conquistas e meu dinheiro em nada me servem; mas me aproveito de toda alma que eu tiver. Se sou teimoso, ele estabelece sua vontade contra a minha, um contra um, e se eu quiser ele me deixa com a degradação de derrotá-lo com a superioridade de minha força. Mas se renuncio minha vontade e se agir conforme a alma, erguendo-a como um juiz entre nós dois, através de seus olhos a mesma alma observa o mundo; ele venera e ama comigo.

A verdade é percebida e revelada pela alma. Nós reconhecemos a verdade quando a vimos, independente do que os céticos e zombadores dizem. Quando você fala o que os tolos não querem escutar, eles perguntam “Como você sabe que é a verdade e não um erro seu?” Nós reconhecemos a verdade quando a vimos, pela opinião, da mesma maneira que sabemos que estamos acordados quando estamos acordados. Eis uma grandiosa frase de Emanuel Swedenborg, que pode sozinha indicar a grandeza das percepções deste homem:

“Não é uma prova da compreensão de um homem a capacidade afirmar qualquer coisa que deseje; mas sim a capacidade de discernir que aquilo que é verdadeiro de fato é verdadeiro e que o que é falso, é falso, — esta é a marca e o caráter da inteligência.”

Nos livros que leio, os bons pensamentos dentro deles me devolvem a imagem de toda a alma como qualquer verdade faria. Aos os maus pensamentos que encontro neles, a mesma alma se torna uma espada que discerne e os separa, arremessando-os para fora. Somos mais sábios do que acreditamos. Se nós não interferimos em nossos pensamentos, e se agirmos de forma íntegra, ou se virmos algo como algo se apresenta a Deus, saberemos tudo desta coisa em particular, e todas as coisas, e todos os homens. Pois o Criador de todas as coisas e pessoas permanece atrás de nós e lança sua colossal onisciência sobre o mundo, através de nós.

Mas além desse auto-reconhecimento em eventos particulares da experiência de um indivíduo, a alma também revela a verdade. E aqui nós deveríamos tentar nos fortalecer por sua presença, e falar com com suas partes mais dignas e elevadas. Pois a comunicação da verdade da alma é o evento mais nobre da natureza, já que ela não entrega algo de si mesma, mas se entrega integralmente, ou se transfere e se torna o homem a quem ela ilumina; ou, em proporção à verdade que ele recebe, a alma o traz para si mesma.

Nós distinguimos os pronunciamentos da alma, as manifestações de sua própria natureza, através do termo Revelação. Esta é sempre acompanhada pela emoção do sublime. Pois esta comunicação é um influxo da mente Divina em nossa própria mente. É o recuo da corrente individual diante das enormes ondas do mar da vida. Toda distinta apreensão deste mandamento central agita os homens com temor e prazer. Uma vibração atravessa todos homens no momento da absorção de uma nova verdade, ou em uma performance de grande ação, que provém do coração da natureza. Nestas comunicações o poder de enxergar não está separado da vontade de agir, mas a intuição provém da obediência, e a obediência provém de uma alegre percepção. Todo momento quando o indivíduo sente a si mesmo invadido pela alma é memorável. É pela necessidade de nossa constituição que um certo entusiasmo acompanha a consciência individual desta presença divina. O caráter e a duração deste entusiasmo varia de acordo com o estado do indivíduo, desde um êxtase, ou um transe ou uma inspiração profética — o que é uma rara ocasião — até o mais fraco brilho de emoções virtuosas, cuja forma aquece, como uma lareira, todas as famílias e associações de homens, tornando a sociedade viável.

Uma certa tendência à insanidade sempre acompanhou o nascimento do senso religioso nos homens, como se eles tivessem sido “golpeados com um excesso de luz”. O êxtase de Sócrates, a “união” de Plotino, a visão de Porfírio, a conversão de Paulo, a aurora de Boehme, as convulsões de George Fox e seus Quakers, a iluminação de Swedenborg, todos são deste tipo. No caso destas notáveis pessoas, o que era um encanto pessoal possui inúmeras instâncias na vida comum, de modo menos chocante. Em todos os lugares a história da religião revela uma tendência ao entusiasmo. O arrebatamento dos Morávios e dos Quietistas; a abertura do senso interno da Palavra, na linguagem da Igreja da Nova Jerusalém; o renascimento das igrejas Calvinistas; as experiências dos Metodistas, são variadas formas deste arrepio de de temor e prazer no qual a alma do indivíduo se mistura com a alma universal.

A natureza destas revelações é a mesma; elas são percepções da lei absoluta. Elas são soluções para as próprias perguntas da alma. Elas não respondem as perguntas no qual o entendimento busca. A alma nunca responde com palavras, mas pela própria coisa que se é perguntada.

Revelação é o descobrimento da alma. A noção popular é de que uma revelação é uma clarividência. No antigos oráculos da alma, o entendimento procurava encontrar respostas para perguntas terrenas, e tentava descobrir a partir de Deus por quanto tempo os homens deveriam continuar existindo, o que suas mãos deveriam fazer e quem os deveria acompanhar, adicionando nomes, datas e lugares. Mas nós não devemos arrombar fechaduras. Nós devemos reprimir esta curiosidade inferior. Uma resposta em palavras é ilusória; não é mesmo uma resposta para as perguntas que você faz. Não exija uma descrição dos países dos quais você irá viajar. Uma descrição desse tipo não os descreve para você, e amanhã você desembarcará e os conhecerá habitando-os.

Os homens perguntam sobre a imortalidade da alma, sobre as atividades dos céus, sobre o estado do pecador e assim em diante. Eles até mesmo sonham que Jesus deixou respostas precisamente para estes interrogatórios. Nunca por um momento aquele espírito sublime falou no mesmo jargão. Para a verdade, justiça, amor, para os atributos da alma, a idéia de imutabilidade está essencialmente associada. Jesus, vivendo nestes sentimentos morais, sem se preocupar com bens terrenos, atento apenas com a manifestação destes sentimentos, nunca separou a idéia de longevidade da essência desses tributos, tampouco pronunciou uma sílaba sobre a longevidade da alma. Coube a seus discípulos separar a longevidade dos elementos morais, e de ensinar a imortalidade da alma como uma doutrina, e mantendo-a com evidências. No momento em que a doutrina da imortalidade é ensinada de forma separada, o homem cai. Na corrente do amor, na adoração da humildade, não há questão de longevidade. Nenhum homem inspirado formula esta pergunta ou condescende a essas evidências. Pois a alma é verdadeira para si mesma, e o homem sobre o qual ela é derramada não pode abandonar o presente, que é infinito, para um futuro que seria finito.

Estas perguntas que cobiçamos perguntar sobre o futuro são uma confissão do pecado. Deus não possui uma resposta para elas. Nenhuma resposta em palavras pode responder uma pergunta de coisas. Não é em um arbitrário “decreto de Deus”, mas na natureza do homem que um véu encobre os fatos de amanhã; pois a alma não nos fará ler outro horóscopo que não seja a de causa e efeito. É através desse véu que cobre os eventos que a alma ensinará os filhos do homem a viver hoje. O único modo de obter uma resposta para estas perguntas terrenas é esquecer todas as curiosidades inferiores, aceitando a maré do ser que nos faz flutuar no segredo da natureza, trabalhando e vivendo, trabalhando e vivendo, sem perceber que a alma construiu e forjou para si mesma uma nova condição, e que a pergunta e a resposta são Um.

Pelo mesmo fogo, vital, consagrado, celestial, que queima até que acabe dissolvendo todas as coisas em ondas de um oceano de luz, nós enxergamos e conhecemos um ao outro, e de qual espírito cada um é feito. Quem pode dizer as razões de seu conhecimento do caráter de diversos indivíduos em seu círculo de amizades? Ninguém. No entanto, seus atos e palavras não o desapontam. Neste homem, mesmo não vendo nada de errado nele, ele não deposita confiança. Naquele outro, apesar de poucas vezes terem se encontrado, sinais autênticos ainda persistem, mostrando que ele poderá ser digno de confiança como alguém que possui um interesse em seu próprio caráter. Nós conhecemos uns aos outros muito bem, — qual de nós foi justo consigo mesmo e se aquilo que ensinamos ou observamos é apenas uma aspiração ou resultado de nosso honesto esforço.

“A filosofia de seis mil anos ainda não desbravou as câmaras mais obscuras da alma humana.”

Todos nós discernimos os espíritos. Este diagnóstico repousa de forma elevada em nossa vida ou no poder inconsciente. O intercâmbio da sociedade, seu comércio, sua religião, suas amizades, suas desavenças, são uma grande investigação judicial do caráter. Os homens se oferecem para serem julgados, seja em cortes lotadas, ou em pequenos comitês, ou confrontados cara a cara, acusador e acusado. O caráter é decifrado contra a sua vontade por meio de frivolidades decisivas. Mas, quem julga? E o quê? Não o nosso entendimento. Nós não o deciframos o seu caráter por meio da cultura ou habilidade. Não; nisso reside a sabedoria dos sábios, que ele não os julga; ele os deixa julgarem a si próprios e apenas decifra e registra seus vereditos.

A vontade individual é dominada pela virtude dessa natureza inevitável e, apesar de nossos esforços e imperfeições, o seu gênio falará a partir de você, e o meu a partir de mim. Aquilo que nós somos, ensinaremos, não de forma voluntária, mas involuntária. Pensamentos vêm às nossas mentes por avenidas das quais nós nunca deixamos abertas e pensamentos partem de nossas mentes por avenidas que nós nunca abrimos voluntariamente. O caráter ensina apesar de nossa cabeça. O índice infalível do verdadeiro progresso é encontrado no tom assumido por um homem. Não é a sua idade, ou educação; não é sua companhia, nem livros, nem ações, nem talentos, nem todos juntos poderão evitar que o homem reverencie um espírito mais elevado do que o seu. Caso ele não tenha encontrado seu lar em Deus, suas maneiras, seu jeito de falar, o estilo de suas frases, a construção, diria eu, de todas as suas opiniões irão confessar de forma involuntária, não importa o quanto ele lute. Se ele encontrou seu centro, a Divindade brilhará através dele, através de todos os disfarces de ignorância, de temperamento frígido, de desfavoráveis circunstâncias. O tom da procura é um, e o tom da posse é outro.

A grande distinção entre sacros ou literários — entre poetas como Herbert e poetas como Pope — entre filósofos como Spinoza, Kant e Coleridge e filósofos como Locke, Paley, Mackintosh e Stewart — entre homens do mundo que são reconhecidos como brilhantes palestrantes e, aqui e ali um místico fervoroso profetizando meio louco sob a influência de seu pensamento, — é que uma classe de homens fala de seu interior, ou de sua experiência, como parte e possuidora dos fatos; e a outra classe fala do exterior, como meros espectadores, ou talvez tão acostumados pelo testemunho de terceiros. Em nada adianta pregar para mim do exterior. Posso fazer isso sozinho muito facilmente. Jesus sempre fala de dentro, em um nível que transcende todos os outros. É nisso que reside o milagre. Acredito de forma antecipada que eu deva ser assim. Todos os homens se mantém de forma contínua na esperança do surgimento de tal mestre. Mas se um homem não fala de dentro do véu, onde a palavra é uma com aquilo que se refere, deixe que ele humildemente se confesse.

A mesma Onisciência flui para o intelecto, criando o que chamamos de genialidade. Muito da sabedoria do mundo não é sabedoria, e a mais iluminada classe de homens são sem dúvida superiores à fama literária, e não são escritores. Entre a multidão de estudiosos e autores, não sentimos nenhuma presença sagrada; somos mais sensíveis a talento e a habilidade do que inspiração; eles possuem uma luz e não sabem de onde ela vem e a chamam de sua; seus talentos são uma aptidão exagerada, um membro superdesenvolvido, tornando sua força em uma doença. Nestas instâncias, os dons intelectuais não passam a impressão de uma virtude, mas quase que a de um vício; e sentimos que os talentos de um homem estão no caminho de seu progresso rumo à verdade. Mas a genialidade é religiosa. É uma ampla absorção do coração comum. Ela não é anômala, mas muito similar a outros homens.

Há em todos os grandes poetas uma sabedoria humana que é superior aos talentos que eles exercem. O autor, o sagaz, o espirituoso, o cavalheiro, não ocupam o lugar do homem. Humanidade brilha em Homero, em Chaucer, em Spenser, em Shakespeare, em Milton. Eles se contentam com a verdade. Eles usam uma graduação positiva. Eles parecem frígidos e impassíveis para aqueles que foram apimentados com a paixão frenética e com a violenta coloração de populares, mas inferiores escritores. Pois eles são poetas por darem trânsito livre à sua alma inspiradora, que através dos seus olhos enxerga novamente e abençoa as coisas que havia criado.

A alma é superior ao seu conhecimento, mais sábia do que qualquer de suas criações. O grande poeta nos faz sentir sua própria riqueza, e então nós pensamos menos sobre suas composições. Sua melhor comunicação com nossa mente é para nos ensinar a desprezar tudo que ele fez. Shakespeare nos leva a esse nível elevado de atividade inteligente, sugerindo uma riqueza torna a sua pequena; e então sentimos as esplêndidas obras que ele criou, e que em outros momentos exaltamos como uma poesia auto-existente, não tendo sobre a natureza real maior poder que o da sombra do viajante sobre uma pedra. A inspiração que falou por si mesma em Hamlet e Lear poderia pronunciar coisas tão belas todos os dias para sempre. Por quê deveria ocupar-me de Hamlet e Lear, como se não tivéssemos a alma da qual eles se desprenderam como sílabas da língua?

Esta energia não descende sobre a vida individual sob qualquer outra condição que não a da posse completa da alma. Ela chega para os humildes e simples; ela chega para qualquer um que que se desfaz de tudo que é alheio e arrogante; ela chega como uma introspecção; ela chega como serenidade e esplendor. Quando vemos aqueles nos quais ela habita, somos informados de novos graus de grandeza. É desta inspiração que o homem volta com um tom diferente. Ele não fala com os homens com um olhar para suas opiniões. Ele os testa. Isso requer que sejamos diretos e verdadeiros. O viajante fútil tenta embelezar a sua vida citando um lorde, o príncipe e a condessa, que disseram ou fizeram algo para ele. A vulgaridade ambiciosa mostra suas colheres, seus broches e anéis, guardando os cartões e cumprimentos. Os mais cultivados, no relato de suas experiências, acentuam as prazerosas e poéticas circunstâncias — a visita à Roma, o homem genial que eles viram, o amigo brilhante que Eles conhecem; ou talvez ainda mais adiante, a paisagem maravilhosa, as luzes da montanha, os pensamentos da montanha que eles aproveitaram ontem, — e assim procuram lançar uma cor romântica sobre suas vidas. Mas a alma que ascende a adorar o grandioso Deus é direta e verdadeira; ela não possui uma tonalidade rósea, nem amigos refinados, nem realeza ou aventuras; ela não requer admiração; ela habita a hora que agora é, na mais sincera experiência do dia comum, — em virtude do presente momento e da mera ninharia terem se tornado porosas ao pensamento e encharcadas pelo oceano de luz.

Converse com uma mente que é grandiosamente simples, e a literatura parece como um jogo de palavras. As mais simples expressões são as que mais valem ser escritas, apesar de triviais e evidentes, são as que nas riquezas infinitas da alma se parecem como seixos recolhidos do chão, ou ar engarrafado em um frasco, quando toda a terra e toda a atmosfera são nossas. Nada pode ocorrer lá, a não ser abandonar todas as suas armadilhas e encarar homem a homem com a verdade nua, com confissões diretas e com oniscientes afirmações.

“É através desse véu que cobre os eventos que a alma ensinará os filhos do homem a viver hoje.”

Almas como essas te tratam como os deuses fariam, caminham como deuses na terra, aceitando sua compreensão sem qualquer espanto, sua doação, até mesmo sua virtude — dizem sim ao seu dever, pois possuem a tua virtude como seu próprio sangue, nobre como eles mesmos, extremamente nobre, como o pai dos deuses. Mas a mútua bajulação na qual autores confortam uns aos outros é o que reprime suas singelas e fraternas atitudes, e por fim acabam se ferindo! Estas almas não lisonjeiam. Não me espanta que estes homens buscam Cromwell e Cristina e Carlos II e Jaime I e o grão-turco. Pois eles são, em sua própria elevação, companheiros de reis, e precisam sentir o tom servil de uma conversa no mundo. Eles sempre devem ser uma dádiva para príncipes, pois eles os confrontam, um rei para um rei, sem se esquivar ou sem conceder, convertendo em uma natureza elevada o refresco e a satisfação de uma resistência, de pura humanidade, de companhia equilibrada e de novas idéias. Eles deixam os homens mais sábios e superiores. Almas como estas nos fazem sentir que a sinceridade é mais esplêndida do que a bajulação. Trate homens e mulheres de forma tão singela para compelir a maior sinceridade e destruir todas as esperanças de não te levar a sério. Este é a maior honra que você pode prestar. Seu “mais alto louvor”, disse Milton, “não é bajulação, e seu conselho mais singelo é um tipo de louvor.”

A união do homem com Deus é inefável, é inarrável, em cada ato da alma. A mais simples pessoa que, em sua integridade venera Deus, se torna Deus; mesmo assim, para todo o sempre o influxo deste melhor e universal “eu” é novo, insondável e misterioso. Isso inspira admiração e espanto. Quão querida, quão tranquilizadora para o homem é a idéia crescente de Deus, que povoa solitários lugar e que apaga as cicatrizes de nossos erros e desapontamentos. Apenas quando nós quebramos nosso deus da tradição e o nosso deus da retórica, é que Deus poderá incendiar o coração com sua presença. Esta é a duplicação do próprio coração, ou melhor, a expansão infinita do coração com um poder de crescimento para um novo infinito em todos os lados. Ela inspira no homem uma confiança infalível. Ele não possui mais uma convicção, mas uma visão, de que a verdade é o melhor, e assim ele pode, nesse pensamento, facilmente dispensar todas as incertezas e os medos particulares, adiando a solução de seus enigmas pessoais para a certa revelação do tempo. Ele está certo que seu bem-estar é bem estimado pelo coração de seu ser. Sob a presença da lei em sua mente, ele é inundado com uma confiança tão universal que ela leva para longe todas as queridas esperanças e os mais estáveis projetos de condições mortais. Ele acredita que ele não pode escapar desse seu próprio bem. As coisas que são realmente para você, gravitarão para você.

Você está correndo, buscando um amigo. Deixe que seus pés corram, e não a sua mente. Se você não o encontrar, não concordas que é melhor que não o encontre? Pois existe um poder que, como existe em você, o habita também, e portanto poderia muito bem aproximá-los, se isso for o melhor. Você se prepara de forma ansiosa para prestar um serviço no qual os seus talentos e o seus gostos lhe convidam para o amor dos homens, para a esperança da fama. Não te ocorreu que você não tem o direito de ir, a menos que igualmente deseje que sua partida seja evitada? Ah, acredite, da mesma maneira que tens vivido, que todo som falado ao redor do mundo que acabarás ouvindo, irá vibrar em seu ouvido. Todo provérbio, todo livro, toda sentença que pertence a você para lhe ajudar ou confortar, certamente chegará através de caminhos abertos ou sinuosos. Todo amigo pelo qual seu grande e terno coração o anseia, acabará lhe prendendo em seu abraço. Porque seu coração é o coração de todos; não há uma válvula, não há um muro, não há uma intersecção em toda a natureza, mas sim um sangue que corre de forma ininterrupta em uma circulação sem fim através de todos os homens, como as águas do globo são um só mar, cuja maré é uma só.

Deixemos que os homens aprendam de cor a revelação de toda a natureza e todos os pensamentos; ou seja, que o Altíssimo viva com ele; que fontes da natureza se encontrem em sua própria mente, se o sentimento do dever estiver presente. Mas se ele quiser ouvir as palavras do grande Deus, ele deve “ir ao seu quarto e fechar as portas”, como disse Jesus. Deus não se manifestará para covardes. Ele deve principalmente ouvir a ele mesmo, ignorando todos os sotaques das devoções de outros homens. Mesmo suas preces o machucam, até que ele faça a sua própria. Nossa religião se apoia de forma vulgar no número de crentes. Toda vez que um apelo é feito, — não importa se indiretamente, — aos números, proclama-se naquele mesmo instante e lugar que a religião está ausente. Aquele que encontra em Deus um doce e envolvente pensamento nunca conta quantos o acompanham. Quando me encontro com essa presença, quem ousaria entrar? Quando permaneço em perfeita humildade, quando queimo com amor puro, o que Calvino e Swedenborg podem dizer?

Não faz diferença se o apelo é feito para muitos ou para um. A fé que se apoia na autoridade não é fé. A confiança na autoridade mede o declínio da religião, o afastamento da alma. A posição que os homens deram a Jesus, agora por muitos séculos de história, é uma posição de autoridade. Ela os caracteriza. Ela não altera os eternos fatos. Grande é a alma, e singela. Ela não é bajuladora, ela não segue ninguém; não apela para algo que não seja ela mesma. Ela acredita nela mesma. Diante das imensas possibilidades do homem, independentemente do quão impecáveis ou sagradas forem todas as meras experiências, todas as biografias passadas se encolhem. Diante do paraíso que nossos pensamentos nos antecipam, nós não podemos louvar tão facilmente qualquer forma de vida que vimos ou que lemos sobre. Nós não apenas afirmamos que temos poucos grandes homens, mas de forma absoluta, que não temos nenhum; que não temos história, nenhum registro de nenhum caráter ou modo de viver que nos alegra inteiramente. Somos obrigados a aceitar com uma pequena tolerância todos os santos e demagogos cuja história adora. Mesmo assim, em nossas horas solitárias nós lapidamos uma nova força de suas memórias, mas nossa atenção é forçada para nossa rotina e para a imprudência, eles nos fatigam e nos violam.

A alma se entrega, sozinha, original e pura, ao Solitário, Original e Puro, que, nessa condição, alegremente a habita, agindo e falando através dela. Então ela é alegre, jovem e ágil. Ela não é sábia, mas ela enxerga através de todas as coisas. Ela não é chamada de religiosa, mas é inocente. Ela chama a luz de sua, e sente que a grama cresce e a pedra cai por uma lei inferior e depende de sua natureza. Observe, diz ela, nasci para a grande mente universal. Eu, a imperfeita, adoro minha própria Perfeição. Recebo, de certa forma, a grande alma, e portanto negligencio o sol e as estrelas e sinto que são belos acidentes e efeitos que se transformam e que passam. Mais e mais os surtos da natureza eterna entram em mim, e me torno pública e humana em meus cuidados e ações. Assim venho a viver em pensamentos e ações com energias que são imortais.

É assim, reverenciando a alma e aprendendo, como o ancião disse: “sua beleza é imensa”, que o homem enxergará que o mundo é um milagre perpétuo trabalhado pela alma, e se tornará menos surpreso com maravilhas particulares; ele aprenderá que não existe história profana; que toda a história é sagrada; que o universo é representado por um átomo, em um instante de tempo. Ele não mais tecerá uma vida manchada, uma vida de remendos e farrapos, mas viverá com uma unidade divina. Ele abandonará tudo aquilo que é frívolo e banal em sua vida e se contentará com todos os lugares e com qualquer serviço que ele possa prestar. Ele calmamente enfrentará o amanhã, com a despreocupação daquela confiança que leva Deus consigo e assim, terá todo o futuro no fundo de seu coração.

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