É preciso encarar sua sombra para sobreviver em Persona 4
Nota: O texto possui spoliers de jogo Persona 4
A série persona surgiu como um spin-off de uma outra série de jogos chamada Shin megami tensei. Mas com o tempo ela se popularizou tanto, que ganhou uma relevância cultural maior do que a série principal.
Persona 4 é uma prova disso, ele se tornou um fenômeno multimídia no Japão e no mundo. O jogo principal é um RPG japonês, mas após seu sucesso estrondoso, também foi lançado um anime adaptando a narrativa do game, alguns filmes extras, um jogo de luta, uma versão mais robusta do jogo para ps vita e até um jogo de dança. Sem falar da sua trilha sonora, os infinitos covers no youtube e adaptações para concertos musicais.
Podemos listar inúmeros fatores para esse grande sucesso de persona 4. A sua jogabilidade, o seu sistema gerenciamento de vida e os seus diversos personagens carismática. Mas para mim, o ponto mais alto do jogo está contido em sua narrativa cativante. Que dialoga de maneira perfeita com o público alvo da série.
A metáfora
Na história do jogo somos colocados como detetives mirins de um enorme suspense policial. Pessoas estão sumindo da cidade e sendo encontradas mortas logo em seguida, em algum ponta de Inaba, a vila fictícia onde a trama se desenvolve.
Avançando no jogo você descobre que esses sumiços estão ligados a um universo sobrenatural e paralelo ao nosso. E esse mundo só é acessível em certas épocas do mês, através de um canal de televisão e em um horário específico do dia. Quando tudo isso se alinha, a televisão se transforma em uma portal para essa dimensão. Você, junto de seus amigos descobrem que as pessoas que estão sendo jogadas nesse mundo e aprisionadas lá pelo sequestrador.
Quando é colocado nesse mundo, o sequestrado é confrontado por uma versão de si mesmo, uma versão distorcida e sombria. Essa versão representa tudo aquilo que a pessoa quer esconder. Os medos, as vergonhas, as inveja, tudo aquilo que lhe consome, mas que por diversos motivos não pode ser externalizado.
E a sombra se alimenta da negação da pessoa, ao ser confrontada pela sombra, a pessoa aprisionada não admite que aquilo faz parte de sua personalidade e dá mais poder para essa versão distorcida. Até que a sombra finalmente consome a sua contra parte e a mata.
O único meio de derrotar a sombra é aceitando ela. É admitindo que ela é verdadeiramente você. Admitindo os seus erros, medos e imperfeições. Aceitando quem você verdadeiramente é, você vence e sobrevive. Pra seguir em frente é preciso encarar e aceitar a sua sombra.
Para ilustrar vamos pegar o caso do sequestro de Yukiko, uma das protagonista do jogo.
Yukiko é uma menina modelo, ela está inserida em todos os esteriótipo que a sociedade criou. Ela é bonita, inteligente, popular e descende de uma família tradicional da cidade. Inclusive, ajuda no negócio da família e vai herda-lo segundo o Pai.
Mas Yukiko odeia tudo que envolve isso, ela não está encaixada no padrão, ele é uma prisioneira e poderíamos até dizer vítima de uma padrão social. Ela não quer nada que envolva ela, não quer ser a popular e nem a mais desejada pelos garotos. E nem de longe quer trabalhar no negócio da família. O que ela quer ser mesmo é livre, quer poder fazer o que quiser quando quiser. Ela quer ser como Chie, sua melhor amiga. Ela sente inveja dela e sua sombra nos mostra este cenário.
Se o estereótipo coloca Yukiko em um extremo, ele joga a Chie no extremo oposto. Chie não preenche nenhum requisito para ser uma menina exemplar. Ela não segue os padrões de beleza e comportamento. Usa roupas que o padrão considera masculinas, gosta de filmes de kung Fu, fala alto e não leva desaforo para casa. Basicamente ela desfruta da liberdade que a Yukiko tanto quer.
Mas o mesmo tempo Chie sente o mesmo que Yukiko. Chie tem inveja porque queria ter a atenção que Yukiko tem, a fama que ela tem e queria seguir o padrão que ela segue. Da mesma maneira Chie é vítima do padrão. As duas precisam encarar suas sombras e admitir que realmente são e como o certo não é seguir um padrão estabelecido, mas o sim a sua autenticidade.
Saindo da metáfora
O motivo pelo qual coloco a narrativa como o ponto mais alto desse jogo é porque ela se encaixa e se comunica perfeitamente com o seu público alvo (como já pontuado anteriormente).
A adolescência é um período de construção cognitiva extremo. Se formos seguir a linha de pensamento construtivista de Piaget, é nessa faixa etária que o ser humano consegue desenvolver e assimilar pensamentos complexos e abstratos.
É nessa etapa que começamos a nos inserir socialmente e a construir a nossa persona. E daí surgem as dúvidas, as frustrações e o choque de realidade.
Isso se dá porque o jovem não cresce em uma redoma de liberdade. A criação de uma personalidade própria esbarra com o mundo real, com as pessoas a sua volta e com a sociedade.
Como a história de Yukiko e Chie nos mostra. Todo esse sistema social e a falta de maturidade e conhecimento leva as garotas a criarem máscaras, que escondem as duas verdadeiras vontades e a suas verdadeiras personalidades. Mas com o tempo essa máscara se torna um símbolo de sofrimento. Um gaiola que te prende a uma vida totalmente contrária a suas vontades.
Uma história simples, mas ao mesmo tempo complexa, profunda e totalmente identitária. Afinal, todos já estivemos nessa posição. Todos já criamos personas, tivemos que esconder vontades e características.
Mas assim como em persona, uma hora precisamos enfrentar as nossas sombra para sobreviver. Admitir quem verdadeiramente somos e quais são as nossas verdadeiras vontades.
Senão, acabamos sufocados por esse sombra.
Essa é uma mensagem extremamente clichê, mas extremamente necessária para pessoas em formação. Pessoas que precisam se encontrar e se libertar, encontram uma mensagem positiva e um direcionamento ao jogarem persona.