Bill & Frank existiram através do amor (The Last of Us, ep.3 — Long, Long Time)

Leonardo Miranda
Didaticamente
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3 min readJan 30, 2023

Atenção: O texto pode ter spoilers da trama da série como um todo.

Existe alguma coisa depois do fim?

O que resta depois do fim do mundo? O que sobra? Além da corrida pela sobrevivência?

Vivemos tão imersos dentro da grande máquina que é a nossa sociedade atual, que por alguns momentos somos induzidos a achar que o significado de nossas vidas está em sermos mais uma das engrenagens que a mantém funcionando. Somos levados a crer que não é possível criar afetos, interações e relações se não for dentro dessa estrutura que conhecemos desde o nascimento.

Então com o fim de tudo, só resta sobreviver.

Mas Bill e Frank tiveram uma experiência diferente. Foi a partir do fim, que eles puderam construir a sua história juntos.

Bill demonstra ter uma ojeriza pelo mundo em que vive (e é obrigado a viver) e não é por menos. Como viver em um mundo que não aceita a sua existência? Como não odiar uma estrutura que foi montada para destruir pessoas como ele? Como não desejar o fim de um mundo que não aceita o fato dele nascer programado geneticamente de modo diferente ao “padrão estabelecido”?

Não à toa, ele fantasiava com o fim de tudo e não só parava na fantasia, mas como se preparava de fato para o fim.

Com o fim do mundo, Bill regozija. Finalmente livre de toda essa órbita que sempre o odiou e que ele sempre odiou também.

Agora ele tem total liberdade para expressar todas as facetas de sua personalidade. Toda a sua habilidade com armas, toda a sua organização, todo seu talento com trabalhos manuais, toda a sua perícia culinária e o seu amor por vinhos.

Ali, sem nenhum tipo de julgamento, ele poderia ser Bill por completo.

Não era preciso se esconder, porque não havia ninguém para observar.

Mas mesmo assim, existe uma dimensão humana que nos traz tanta alegria ao mesmo tempo que nos aflige tanto, que só pode ser alcançada com outro ser humano.

E é então que Frank chega.

Bill, metódico e com medo de uma comunidade humana voltar (mesmo que as chances sejam remotas) decide mandar Frank embora logo de cara. Mas Frank possui alguns traquejos sociais, consegue se comunicar e demonstra ter um grande talento para convencer as pessoas (coisa que iria ser fundamental no relacionamento dos dois como vimos)

E devagarzinho vai entrando no mundo daquele homem e entra para não sair mais.

O mundo que existia em 2003 em The last of us, assim como o nosso real e atual, é tão perverso, intolerante e maldoso para com Bill e Frank, que é na dizimação total dele que eles de fato podem viver juntos. De sobreviventes em um mundo caótico e preconceituoso, Bill e Frank passam a ser um casal, como qualquer outro.

Que briga para mudar as coisas de lugar, que discutem na hora de pintar a casa com uma nova cor, em que Frank precisa obrigar Bill, quase a fórceps, a socializar e fazer amizades com novas pessoas. Um casal que faz descobertas juntos, que redescobre prazeres antigos como apreciar um morango. Uma dupla que faz exercício junto, que janta juntos, que compartilham músicas juntos. Um par romântico que vive, envelhece junto, cuida um do outro e morre junto.

Tudo que o foi negado a Bill e Frank no mundo antes do fim. Tudo que é dado como certo e tido como direito por uma pessoa que está no “padrão”.

Apenas com o fim do mundo, Bill e Frank tiveram a vida que todo ser humano deveria ter direito de ter.

E isso deveria fazer todos nós refletirmos sobre o mundo que temos.

E sobre o mundo que não só queremos… mas temos que construir.

Um mundo em que a história de Bill e Frank seja algo banal, comum, pacato, um direito acima de tudo.

E que não existam pessoas que precisam sobreviver ao fim do mundo, para poderem de fato…

viver.

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Leonardo Miranda
Didaticamente

Cursa Licenciatura em biologia na UFSCar - Campus Sorocaba. Professor de biologia, Filosofo de internet e Teólogo Amador.