Leonardo Miranda
Didaticamente
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10 min readSep 26, 2017

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Escola sem partido — Uma (não tão)pequena reflexão

Censura ou combate a doutrinação?

O Brasil vive um momento ímpar em sua história, apesar dessa frase ser um tanto quanto piegas e clichê, ela define muito bem na minha perspectiva os tempos que se passam na nação. Há discussão sobre inúmeros pontos das engrenagens que movem o país, passando por reformas da previdência, trabalhista, política e ensino médio. E assim dentro do âmbito escolar um conflito também se estabelece: a doutrinação dentro das escolas. E no movimento que luta contra essa prática, o movimento escola sem partido se destoa e propõem realmente soluções para resolver esse denominado problema.

O projeto se iniciou com a indignação do procurador publico Miguel Nagib, quando ouviu relatos de sua filha sobre as aulas de história. O texto não se propõem a discutir ou informar sobre a trajetória do movimento, há centenas de textos e vídeos pela internet que podem ser acessados.

A proposta é discutir e tentar conjecturar sobre a eficiência dessa proposta de lei na prática, então não será tratado ponto por ponto da lei, mas sim alguns artigos que podem gerar muito conflitos quando colocados no cotidiano escolar. A analise será feita do projeto retirado do site do projeto então vamos logo ao que interessa.

A doutrinação é tema central do projeto de lei.

Art. 2º. A educação nacional atenderá aos seguintes princípios:

I — dignidade da pessoa humana;(sic)

II — neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado;

III — pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;

IV — liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

V — liberdade de consciência e de crença;

VI — proteção integral da criança e do adolescente;

VII — direito do estudante de ser informado sobre os próprios direitos, visando ao exercício da cidadania;

VIII — direito dos pais sobre a educação religiosa e moral dos seus filhos, assegurado pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

O primeiro artigo é fundamentação jurídica, remetendo a artigos da constituição, por isso ele foi pulado e também se trata de algo simples que não gera problemas. Por isso vamos direto para o segundo artigo, que não possui problemas até o seu último paragrafo. Os princípios colocados do primeiro ao sétimo não possuem problemas, qualquer educador, pai e aluno vai concordar com esses pontos pluralismo de ideias, liberdade de aprender, de crença, são fundamentos básicos não só para educação, mas para a convivência saudável entre pessoas dentro da sociedade.

O oitavo artigo que patina e pode ser usado de má-fé quando colocado fora de contexto. Primeiro falando de educação religiosa, supondo que um pai ensina para o seu filho a doutrina judaica, passando os dogmas, os dez mandamentos e assim a criança cresce acreditando nesses preceitos. Mas chegando no ensino médio, depois de estudar e ouvi de professores de história sobre expansão islâmica, importância do cristianismo na trajetória das sociedades, ele começa a ir atrás e perceber que enumeras religiões existem, milhares de deuses e crença. E assim começa a ter dúvidas de suas convicções, assim como a da sua religião e junto com as aulas de biologias, começa a ter uma cosmovisão diferente, deixando de acreditar em um Deus criador e nos princípios teológicos. Isso pode ser enquadrado em doutrinação? Ou como os direitos dos pais sendo violados? Aonde vai ficar a régua para medir esse artigo, lembrando que o professor não deu opinião alguma, ele simplesmente estava cumprindo em aula a demanda dos conteúdos curriculares.

O mesmo poderia ocorrer no campo moral, os filhos podiam ser ensinados que a única orientação sexual certa é a heterossexual, colocando como errada as demais orientações. E um professor que leve pesquisas científicas, que demonstram que existem relações genéticas para o comportamento homossexual e ele é natural, com isso fazendo o aluno a pensar e mudar de opinião por conta própria. Ele doutrinou as crianças e adolescentes? Ou mais uma vez o direto dos pais não estaria sendo cumprido? É muito cinza e nebulosa a maneira de como pode ser interpretado esse ponto do artigo.

Também salientando que os filhos são dotados de pensamento e liberdade, sendo assim eles possuem autonomia de ideias, podendo mudar de opinião e construírem as suas próprias, não precisando reproduzir tudo que os pais passam. Uma relação aonde o adulto impõem a sua opinião e doutrina a criança/adolescente não é saudável e qualquer âmbito, seja na relação familiar ou escolar. Mesmo que o pai tenha autoridade do filho, isso não tira o fato dele também ser um cidadão e ter seus direitos protegidos pela constituição.

Em suma o paragrafo pode falha por ser muito abrangente e não delimitar o que ele trata como doutrinação. Mas não é obvio o significado, não tem no dicionário? Sim, mas não deixar explícito pode acarretar em muitas interpretações e conflitos desnecessários. Porque a interpretação é subjetiva, sendo assim cada um individualmente vai ter a sua própria visão do que seja doutrinar ou não.

Art. 3º. O Poder Público não se imiscuirá no processo de amadurecimento sexual dos alunos nem permitirá qualquer forma de dogmatismo ou proselitismo na abordagem das questões de gênero.

Esse artigo também pode ser enquadrado nas falhas do paragrafo analisado anteriormente, ele é muito vago e não especificado, podendo assim ser usado de má-fé em situações totalmente cotidianas, mas que de certa forma desagrada crenças ou interesses de um pai ou grupo de pais. Além disso ele pode ser danoso para o aluno ao tirar dele o direito de ter uma aula que fale da sua situação, um adolescente está vivendo mudanças morais e corporais em torno da sexualidade. E a sala de aula muitas vezes é um refúgio, aonde se tem liberdade para falar e aprender sobre o tema.

Um professor que venha falar sobre ciclo menstrual e esclareça muitas dúvidas dos alunos, dúvidas que muitas vezes os pais não possuem abertura e nem conhecimento para sanar. O professor está se metendo no amadurecimento sexual? E também de volta ao exemplo da orientação sexual, um aluno que perceba que é homossexual e tenha aulas que o ajude a compreender o que está por trás do seu comportamento e o ajude a se assumir. Quebrar um pensamento danoso que ele pode ter, como achar que ele está doente ou que não é natural sentir atração pelo mesmo sexo. Isso seria enquadrado? E a escola e o professor seriam punidos?

Mais uma vez se vê um texto que pode ser mal interpretado e usado como instrumento para beneficiar interesses e podar o que pode ser matéria de debate dentro da sala de aula ou não. E lembrando que nos exemplos não é colocado a opinião do educador, mas sim questões científicas que são consenso. O professor de história vai ter que falar de muitas religiões além do cristianismo, porque elas são fundamentais para entender nosso passado. Assim como o de ciências e biologia abordara questões de sexualidade e gênero, faz parte do currículo e do dever como servidor publico.

Art. 4º. É vedado o uso de técnicas de manipulação psicológicas destinadas a obter a adesão dos alunos a determinada causa.

Não desejando a repetição, mas executando ela, falta exemplos novamente ou uma definição melhor. O que seria manipulação psicológica? Qualquer pessoa que não concorde com um discurso, pode usar essa expressão para desqualificar a retórica do orador. Mas porque frisar tanto em definições e exemplos? Alguns pontos podem ser evidenciados:

1 — Conflitos de interesses podem surgir, assim como interpretações equivocadas como já mostrado anteriormente;

2 — O artigo pode ser usado um instrumento de censura, visto que é uma lei e impediria a fala de professores, mesmo que a aula esteja dentro de um contexto científico e curricular;

3 — Esse tem relação com o artigo 9 da lei, então será retomado nele;

Art. 5º. No exercício de suas funções, o professor:

I — não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias;

II — não favorecerá nem prejudicará ou constrangerá os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas;

III — não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas;

IV — ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, apresentará aos alunos, de forma justa, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito da matéria;

V — respeitará o direito dos pais dos alunos a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções;

VI — não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro da sala de aula.

Esse artigo é referente ao comportamento do professor dentro da sala de aula e destaca atitudes que devem ser conservadas no ambiente de aprendizados. Os parágrafos I e II são bem pertinentes e coerentes, a sala de aula ainda é um ambiente democrático e como já está colocado no artigo e na constituição o pluralismo de ideias deve ser respeitado e fomentado.

O IV é totalmente necessário, principalmente nas aulas que lidem com questões controvérsias, é direito do aluno ter acesso ao panorama do conteúdo que está sendo trabalhado, não só um recorte que favorecerá uma visão. Para que o aluno desenvolva seu pensamento e siga aquilo que lhe parecer mais coerente.

O III trata de algo espinhoso, toda manifestação não poderá ser divulgada? Se o consenso no contexto escolar, na sala de aula e dos pais for de que a Dilma tem que sair do poder, o professor que chamar os alunos para rua para esse intuito será enquadrado ou será feito uma vista grossa? Porque nesse contexto, um professor que estimule os estudantes a ir para um evento pela saída do presidente Temer, seria na mesma hora denunciado. Então é perigo que esse termo, seja usado apenas para reprimir um lado do discurso político, é extremamente perigoso.

O V já foi comentado(mais de uma vez inclusive) e o não há necessidade de se analisar o VI.

Art. 7º. As escolas particulares que atendem a orientação confessional e ideologia específicas poderão veicular e promover os conteúdos de cunho religioso, moral e ideológico autorizados contratualmente pelos pais ou responsáveis pelos estudantes.

Parágrafo único. Para os fins do disposto no caput deste artigo, as escolas deverão apresentar e entregar aos pais ou responsáveis pelos estudantes materiais informativos que possibilite o pleno conhecimento dos temas ministrados e dos enfoques adotados.

Totalmente consistente, uma educação privada pode atender questões exclusivas, desde que o conteúdo do contrato previamente lido pelos pais, seja cumprido. Mais ressaltando que é extremamente saudável que esses pontos sejam elucidados a criança e adolescente. E também discutidos com eles, que são os mais interessados, afinal são eles que vão desfrutar do ambiente escolar. Esse último comentário também vale pro próximo artigo:

Art. 8º. Os alunos matriculados no ensino fundamental e no ensino médio serão informados e educados sobre o conteúdo desta Lei.

O próximo artigo, será o último a ser analisado apesar de a lei possuir 12 artigos, o X não será colocado por ser uma consequência do que já foi discutido. Já o XI e XII por serem puramente burocráticos.

E os deveres dos professores? Todas as ideias embutidas neles, já foram analisadas dentro dos artigos.

Art. 9º. O ministério e as secretarias de educação contarão com um canal de comunicação destinado ao recebimento de reclamações relacionadas ao descumprimento desta Lei, assegurado o anonimato.

Parágrafo único. As reclamações referidas no caput deste artigo deverão ser encaminhadas ao órgão do Ministério Público incumbido da defesa dos interesses da criança e do adolescente, sob pena de responsabilidade.

Retomando o ponto 3 da análise feita do artigo 4, o artigo 9 tem a essência os dois primeiros pontos colocados, conflito de interesse e a possibilidade de censura. E ainda pode transformar a relação entre professor e aluno em algo totalmente danoso e negativo. O professor pode ser colocado a uma condição de medo. Aonde todos as suas falas serão vigiadas de alguma maneira. Provocando um desconforto dentro da sala de aula e perdendo uma relação amistosa entre as duas partes. Também é possível que as aulas sejam colocadas fora de contexto por motivos pessoais ou simplesmente com a intenção de prejudicar algum educador. Tudo prejudicaria muito o desempenho de um professor e o limitaria pela preocupação de ser processado. Como se a relação do aluno/professor fosse mediado por uma espécie de código do consumidor. A aula poderá ser transformada em um produto que é descartável se não corresponder a expectativas e convicções que quem as assistem. Mesmo que ela já atenda todos as cláusulas do projeto de lei.

Em suma o projeto de Lei possui propostas razoáveis e que implicitamente muitos apoiam, por isso ele é vendido muito bem e possui uma aceitação dentro da sociedade. Mas um conteúdo perigoso está dentro dessa capa, que pode ser usado para interesses daqueles que defendem o projeto ou dos que se aproveitarem caso ele realmente entre em vigor. E apesar dele levantar pontos importantes e totalmente pertinentes para educação, ele poderia gerar cada vez mais prejuízos. Como mostrados nos exemplos, ele possui contradições, por se tratar de um projeto a favor do pluralismo, mas dar brecha para a condenação de um discurso diverso, por não se enquadrar em convicções subjetivas. A escola e a educação possuem diversos problemas, que precisam ser discutidos sim com pais, professores e alunos. Entretanto, são mudanças difíceis e extremamente lento esse processo, por isso projeto como esse ou denúncias que simplifiquem muito o caos devem ser tratados com muita cautela e alguns pés atrás.

A finalidade da lei não é abolir ou conter, mas preservar e ampliar a liberdade. — Jonh Locke

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Leonardo Miranda
Didaticamente

Cursa Licenciatura em biologia na UFSCar - Campus Sorocaba. Professor de biologia, Filosofo de internet e Teólogo Amador.