Essa geração tá perdida

Leonardo Miranda
Didaticamente
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4 min readJul 30, 2021

Laranja Mecânica é um filme de 1972, dirigido e escrito por Stanley Kubrick com base no livro de titulo homônimo de Anthony Burgess e que está disponível no serviço da HBOMax. Ah e esse texto pode conter spoiler do filme e se você não viu o filme o texto pode parecer confuso e delirante.

Mano, fazia tempo que não ficava tão pensativo com um filme, o último tinha sido Promising Young Woman, assisti há três dias e não consigo parar de pensar sobre o filme e tive até que vim escrever sobre ele.

Não paro de pensar em como a sociedade, mesmo tão tecnológica, ainda não conseguiu criar um ambiente amistoso para a criação de uma nova geração de seres humanos. Não que exista uma vida e uma criação perfeita.

Mas é incrível como nos esforçamos para “estragar” os jovens e como vivemos em um ciclo geracional de menosprezo ao novo, ao jovem.

Dentro da ficção, o que Alex e sua gangue cometem não possui absolvição, é terrível, angustiante e brutal. Mas fora da hipérbole fictícia, não paro de pensar em como Alex está apenas externando tudo aquilo que ele foi ensinado a idolatrar.

Os núcleos familiares e a sociedade idolatram o sexo e a violência, de maneira indireta ou direta. É clichê falar isso, mas uma zapeada na tv aberta brasileira durante a tarde é reveladora.

“TV aberta em 2021? Se tá maluco? Ninguém mais vê isso ai não, tá todo mundo na internet”

Mais ou menos.

Em 2019, 40 milhões de brasileiros não tinham acesso a internet, ou seja, grande parte da sociedade ainda se informa e se entretém pelo radio e televisão. Além de que a popularização da internet e dos smartphones não fizeram com que os lares brasileiros queimassem seus televisores. Eles continuam lá, menos usados é verdade, mais ainda sim, a televisão, principalmente os canais abertos possuem muita influência.

E sobre a internet, te convido a ir no youtube e ver alguns canais, como por exemplo o do Rezendievil e percebe que a internet não está tão longe assim da televisão na forma e no conteúdo.

Então, uma criança hoje com um celular ligado na internet e sem supervisão, terá acesso a sexo e violência de maneira ilimitada (foco nesses dois temas por comporem a temática principal do filme e não por fetiche).

E a falta de um espaço educativo e acolhedor vai fazer com que a aprendizagem sobre essas temáticas (e outras mais) seja potencialmente disfuncional. Levando o futuro Adulto a caminhos perigosos, como o de Alex.

E ressalto que estou falando em potencial, não é uma sentença, é plenamente possível passar por um educação disfuncional sem se tornar a caricatura cinematográfica. Inclusive acredito que a maioria que passa por isso, não se torna apreciador do “Horroshow”.

Mas o caminho para tal está posto e por grande influência de uma geração mais velha, que julga a mais nova como perdida, sem rumo, porque afinal bom mesmo era no meu tempo se essa tal de internet e esse tik tok. Onde a gente se via olho no olho e brincava na rua.

A geração que deveria orientar, infelizmente larga de mão e deixa uma nova totalmente no escuro e tendo que encontrar um caminho sem ao menos uma lanterna. E quando ela se perde e sai dos trilhos existe acolhimento? Finalmente ela será ensinada? Não, ela é punida mais uma vez com mais violência e mais abandono.

A mais camada da sociedade que não te ensina, te pune quando você não anda de acordo as regras. A mesma camada que só te ensina a violência te pune quando você externa aquilo que aprendeu.

E se o abandono e a violência do sistema prisional não for suficiente, não se preocupe, existe sempre a opção da lobotomia (dentro da distopia do filme). Fechando o ciclo de violência.

Termino de ver esse filme angustiado.

Angustiado que eu possa estar me tornando parte dessa geração mais velha, que debocha dos mais novos em vez de oferecer o abraço e o acolhimento. E sinto vontade de fazer diferente e não falo isso por virtuosismo e para me envaidecer, mas por compaixão. Afinal também sou produto desse moedor de carne que é a nossa sociedade.

Onde você precisa aprender todas as regras em segundos, onde você precisa estudar para ser alguém na vida, onde precisa trabalhar para ser alguém na vida, precisa casar para ser alguém na vida, mas antes tem que terminar a faculdade, quitar o apartamento, carro próprio. Não esqueça dos filhos, mas antes dos filhos tem que viajar pelo mundo, porque viagem com criança é complicado.

Ah, e tudo isso antes dos 40 anos, porque depois dos 40 não dá mais tempo.

Que consigamos quebrar esse ciclo.

“ Que vai ser quando crescer?
Vivem perguntando em redor. Que é ser?
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três. E sou?
Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito?
Ou a gente só principia a ser quando cresce?
É terrível, ser? Dói? É bom? É triste?
Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.
Que vou ser quando crescer?
Sou obrigado a? Posso escolher?
Não dá para entender. Não vou ser.
Vou crescer assim mesmo.
Sem ser Esquecer. “

Verbo Ser — Carlos Drummond de Andrade

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Leonardo Miranda
Didaticamente

Cursa Licenciatura em biologia na UFSCar - Campus Sorocaba. Professor de biologia, Filosofo de internet e Teólogo Amador.