Estrutura das revoluções científicas — Ciência agitada e o caminho para revolução

Leonardo Miranda
Didaticamente
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6 min readApr 22, 2018

Thomas Kuhn(1922–1996) foi um físico e filosofo da ciência, com formação no primeiro campo pela universidade de Harvard. Ele dedicou parte da sua vida ao ensino e ao estudo das “mudanças” no conhecimento científico e isso gerou uma das obras mais importantes do século XX, o livro As Estruturas das revoluções científicas. Obra que até os dias de hoje é citada em artigos, teses e livros de todos os campos de estudos acadêmicos. O intuito desse texto e de outros que irei publicar é fazer um síntese geral dos temas que Kuhn abordou em sua obra e como sua leitura é importante para o campo acadêmico até os dias de hoje.

Thomas Kuhn (1922–1996)

O significado das crises consiste exatamente no fato de que indicam que é chegada a ocasião para renovar os instrumentos. — Thomas Kuhn

Ciência agitada

A ciência normal como já citado anteriormente, ficará dando voltas sobre si, mesmo com algumas falhas os pesquisadores sempre tentaram montar o quebra-cabeças com as peças dadas desde o início do paradigma. Ou seja, não há a procura por suposições novas, todas as proposições terão que ser resolvidas com os conceitos já estabelecidos (KUHH, 1998).

E esse panorama só mudará quando começar a surgir falhas nos pressupostos científicos ou brechas que vão colocar o paradigma atual em cheque. Começando assim uma mudança, passando a ciência normal para um estado de ciência agitada. “O fracasso de regras existentes é o prelúdio para uma busca de novas regras”(KUNH, pag. 95, 1998).

Essas falhas são colocadas por Kuhn como anomalias, pontos, que muitas vezes podem até ser considerados pequenos, onde o paradigma não consegue atuar mais. Esse ponto pode ser não levado em consideração, já que em alguns casos, outros casos são explicados pelos conceitos estabelecido. Kuhn coloca o caso de Ptolomeu e Copérnico:

“Comecemos examinando um caso particularmente famoso de mudança de paradigma: o surgimento da astronomia copernicana. Quando de sua elaboração, durante o período de 200 a.C. a 200 d.C., o sistema precedente, o ptolomaico, foi admiravelmente bem-sucedido na predição da mudança de posição das estrelas e dos planetas. Nenhum outro sistema antigo saíra-se tão bem: a astronomia ptolomaica é ainda hoje amplamente usada para cálculos aproximados; no que concerne aos planetas, as predições de Ptolomeu eram tão boas como as de Copérnico. Porém, quando se trata de uma teoria científica, ser admiravelmente bem-sucedida não é a mesma coisa que ser totalmente bem-sucedida. Tanto com respeito às posições planetárias como com relação aos equinócios, as predições feitas pelo sistema de Ptolomeu nunca se ajustaram perfeitamente às melhores observações disponíveis. Para numerosos sucessores de Ptolomeu, uma redução dessas pequenas discrepâncias constituiu-se num dos principais problemas da pesquisa astronômica normal, do mesmo modo que uma tentativa semelhante para ajustar a observação do céu à teoria de Newton forneceu problemas para a pesquisa normal de seus sucessores do século XVIII.”(KUHN, pg. 95–96, 1998)

Porém, para uma mudança no modelo estabelecido a comunidade de cientista precisará passar por um longo percurso ainda.

Kuhn, define essa dificuldade dos cientistas:

“Na ciência, assim como na experiência com as cartas do baralho a novidade somente emerge com dificuldade (dificuldade que se manifesta através de uma resistência) contra um pano de fundo fornecidas pelas expectativas.” (KUHN, pg.90, 1998)

A experiência citada por um Kuhn, é um experimento psicológico feito Bruner e Postman (psicólogos) que realizaram testes cognitivos com pessoas usando cartas de baralhos. Eles verificaram que pequenas mudanças em algumas cartas não são facilmente percebidas pelas pessoas quando elas estão juntas com as demais. E assim também é no campo científico, a anomalia que gera uma agitação na ciência muitas vezes não é percebida pela comunidade ou em certo nível é ignorada quando colocada com todo o restante.

Isso acontece porque na perspectiva do cientista “rejeitar um paradigma sem simultaneamente substituí-lo por outro é rejeitar a própria ciência” (KUHN, pag, 1998). Então mesmo que as anomalias venham a agitar a ciência, o paradigma atual não será descartado de uma hora para outra pelo aparecimento de uma falha. O ambiente questionador, cria uma crise no paradigma atual e ela juntamente com tudo que foi posto, abrirá caminho para futura mudanças.

Então dentro dessa situação, os cientistas vão prosseguir por três caminhos para resolver essa crise. O primeiro trata-se de uma visão mais conservadora, que de alguma forma vai tentar atribuir uma anomalia a uma nova pergunta dentro do quebra-cabeça da ciência normal, preservando o paradigma vigente. Outros desistem e vão abandonar o problema e deixaram para outras gerações a resolução do problema. E em terceiro lugar, cientistas vão apresentar um novo paradigma que resolve essas anomalias e que poderá gerar uma revolução científica (KUHN, 1998).

Revoluções Científicas

As revoluções científicas são consequências diretas da agitação na ciência que é causada pelas crises dos paradigmas. Pois há uma fragmentação na comunidade científica, gerando assim um ramo que voltará a pesquisar alternativas para solução da anomalia. Assim as “revoluções científicas aqueles episódios de desenvolvimento não-cumulativo, nos quais um paradigma mais antigo é total ou parcialmente substituído por um novo, incompatível com o anterior” (KUHN, pg. 125, 1998).

E Kuhn também reitera que:

“(…)as revoluções científicas iniciam-se com um sentimento crescente, também seguidamente restrito a uma pequena subdivisão da comunidade científica, de que o paradigma existente deixou de funcionar adequadamente na exploração de um aspecto da natureza, cuja exploração fora anteriormente dirigida pelo paradigma. Tanto no desenvolvimento político como no científico, o sentimento de funcionamento defeituoso, que pode levar à crise, é um pré-requisito para a revolução” (KUHN, pg.126, 1998)

Em suma, as revoluções vão ser realizadas quando um paradigma for substituído e acatado pela comunidade de cientistas. Mas é algo que pode vir a acontecer de maneira diferente para setores diferentes. Muitas vezes diversos cientistas precisam promover um novo paradigma para possam ser ouvidos. Já que muitas vezes a proposição feita individualmente é rechaçada pelo setores mais altos, que de alguma forma possuem domínio de como as regras vão ser escritas.

Kuhn demonstra isso, comparando a revolução científica com as revoluções políticas:

“Na escolha de um paradigma — como nas revoluções políticas — não existe critério superior ao consentimento da comunidade relevante. Para descobrir como as revoluções científicas são produzidas, teremos, portanto, que examinar não apenas o impacto da natureza e da lógica, mas igualmente as técnicas de argumentação persuasiva que são eficazes no interior dos grupos muito especiais que constituem a comunidade dos cientistas” (KUHN, pg. 128, 1998).

Dessa forma, o novo paradigma não terá somente que resolver os problemas encarados pela comunidade científica, mas também tem que ser apresentado de uma maneira que agrade aqueles que estão na esfera de controle do que poderá ou não ser aceito. Ele precisa ter um impacto maior do que só explicar o fenômeno. Existe maior chance do paradigma ser substituído se for proposto por alguém reconhecido e influente na comunidade científica.

O que uma revolução pode trazer também é uma grande mudança na visão dos cientistas em relação ao mundo. E “o mundo não mude com um a mudança de paradigma, depois dela o cientista trabalha em um mundo diferente” (KUHN, pg. 157, 1998). Porque em muitas esferas as técnicas executadas pelos cientistas iram mudar radicalmente.

Sobre isso Kuhn escreve:

“Entretanto, sendo os manuais veículos pedagógicos destinados a perpetuar a ciência normal, devem ser parcial ou totalmente reescritos toda vez que a linguagem, a estrutura dos problemas ou as normas da ciência normal se modifiquem. Em suma, precisam ser reescritos imediatamente após cada revolução científica e, uma vez reescritos, dissimulam inevitavelmente não só o papel desempenhado, mas também a própria existência das revoluções que os produziram” (KUHN, 2011, p. 177).

E em última instância, após a revolução, após o novo paradigma ser proposto e aceito, uma nova onda de ciência normal se colocará. Isso não impede que em algum período de tempo todo o processo se repita, mudando novamente as estruturas da comunidade científica.

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Leonardo Miranda
Didaticamente

Cursa Licenciatura em biologia na UFSCar - Campus Sorocaba. Professor de biologia, Filosofo de internet e Teólogo Amador.