Estrutura das revoluções científicas — Paradigma e Ciência Normal
Thomas Kuhn(1922–1996) foi um físico e filosofo da ciência, com formação no primeiro campo pela universidade de Harvard. Ele dedicou parte da sua vida ao ensino e ao estudo das “mudanças” no conhecimento científico e isso gerou uma das obras mais importantes do século XX, o livro As Estruturas das revoluções científicas. Obra que até os dias de hoje é citada em artigos, teses e livros de todos os campos de estudos acadêmicos. O intuito desse texto e de outros que irei publicar é fazer um síntese geral dos temas que Kuhn abordou em sua obra e como sua leitura é importante para o campo acadêmico até os dias de hoje.
Paradigmas
Os paradigmas são interpretações científicas temporais sobre problemas e soluções de um determinado fenômeno. Ou seja, durante um intervalo de tempo a comunidade científica aceita de forma majoritária um explicação para um fenômeno medido na natureza. Como por exemplo a posição de nosso planeta em relação ao astro ao seu redor ao qual Kuhn se refere diversas vezes em sua obra. Por muito tempo, desde os gregos foi discutido qual seria a posição da Terra em relação ao Sol, em alguns momentos históricos o aceito foi o paradigma de que nosso planeta seria o centro do universo.
“Considero “paradigmas” as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”. (KUHN, 1998, p. 13).
E esses estão dentro de um conjunto de conceitos, técnicas e práticas laboratoriais. Em seu recorte temporal, eles são responsáveis por responder os questionamentos sobre uma área da ciência. (KUHN, 1998) Além de preencher esses itens, para um paradigma ser considerado bom ele deve ter alcançado dois pontos colocados por Thomas Kuhn (1922–1996). Primeiro as “suas realizações foram suficientemente sem precedentes para atrair um grupo duradouro de partidários, afastando-os de outras formas de atividade científica dissimilares”(KUHN, 1998, p.30) e “[…]simultaneamente, suas realizações eram suficientemente abertas para deixar toda a espécie de problemas para serem resolvidos pelo grupo redefinido de praticantes da ciência.” (KUHN, 1998, p.30)
Eles também iram desempenhar um papel importante para a ciência normal e na criação da futura comunidade científica. Todos esses conhecimentos acumulados na construção do paradigma serviram de base para a formação dos novos membros da academia. Porém, por falta de um teoria hermética, que consegue englobar toda a ciência e resolver todos os problemas, cada cientista terá contato com o paradigma da sua área, formando assim as especializações. Que farão com que em alguns momentos dois cientistas tenham respostas divergentes sobre uma mesma observação, já que em seus estudos não tiveram acesso a uma intersecção. (KUHN, 1998)
Como o próprio Kuhn cita:
“Uma breve ilustração dos efeitos da especialização reforça essa série de argumentos. Um investigador, que esperava aprender algo a respeito do que os cientistas consideram ser a teoria atômica, perguntou a um físico e a um químico eminentes se um único átomo de hélio era ou não uma molécula. Ambos responderam sem hesitação, mas suas respostas não coincidem. Para o químico, o átomo do hélio era uma molécula porque se comportava como tal desde o ponto de vista da teoria cinética dos gases. Para o físico, o hélio não era uma molécula porque não apresentava um espectro molecular. Podemos supor que ambos falavam da mesma partícula, mas a encaravam a partir de suas respectivas formações e práticas de pesquisa. Suas experiências na resolução de problemas indicaram-lhes o que uma molécula deve ser. Sem dúvida alguma das suas experiências tinham muito em comum, mas nesse caso não indicaram o mesmo resultado aos dois especialistas. Na medida em que avançarmos na nossa análise, veremos quão cheias de consequências podem ser as diferenças de paradigma dessa natureza.” (KUHN, 1998, Pg.75).
A construção de um primeiro paradigma é um passo muito importante para o campo científico, por estar criando uma direção para onde as pesquisas e discussões devem caminhar, mesmo que esse não responda todos os questionamentos sobre os problemas que o envolvem. Podendo aos poucos quebrar com as brigas e desavenças entre os membros da comunidade. E ajudando também, os novos cientistas que ao chegarem não terão que começar do zero a experimentação de um conceito. Mas antes que esse passo seja dado, a ciência passará por um processo que Kuhn chama de período pré-pragmático (KUHN, 1998).
Que ele define como:
“O período pré-paradigmático, em particular, é regularmente marcado por debates freqüentes e profundos a respeito de métodos, problemas e padrões de solução legítimos — embora esses debates sirvam mais para definir escolas do que para produzir um acordo” (KUHN, 1998, pg.72).
Dessa forma, ao observar um fenômeno há um questionamento do cientista sobre seu funcionamento. A partir disso vários cientistas formam diversas hipóteses que poderão ser ou não testadas experimentalmente. Com base nos resultados desses testes prévios os debates iniciaram e durante um intervalo de tempo, mesmo que não conscientemente será construído um paradigma. Quando um dessas ideias for mais aceita e atender as exigências e necessidades do recorte temporal ao qual está inserida a discussão. Não necessariamente esse paradigma estará próximo do real, como Kuhn mesmo pontua, o modelo geocêntrico por muito tempo foi útil e respondeu às necessidades de uma determinada comunidade em seu contexto sócio-cultural histórico.
Kuhn sintetiza isso muito bem, usando o exemplo de Aristarco, primeiro astrônomo a propor heliocêntrico:
“Afirma-se frequentemente que se a ciência grega tivesse sido menos dedutiva e menos dominada por dogmas, a astronomia heliocêntrica poderia ter iniciado seu desenvolvimento dezoito séculos antes. Mas, isso equivale a ignorar todo o contexto histórico. Quando a sugestão de Aristarco foi feita, o sistema geocêntrico, que era muito mais razoável do que o heliocêntrico, não apresentava qualquer problema que pudesse ser solucionado por este último. Todo o desenvolvimento da astronomia ptolomaica, tanto seus triunfos, como seus fracassos, ocorrem nos séculos posteriores à proposta de Aristarco. Além disso, não havia razões óbvias para levar as propostas de Aristarco a sério” (KUHN, 1998, pg. 103).
Então por conta de um contexto não houve mudança no modelo astronômico de movimentação do planeta durante alguns séculos. Estabelecendo assim um período de ciência normal até a mudança de paradigma com a substituição do modelo geocêntrico pelo heliocêntrico no século XVI.
Ciência Normal
Como Kuhn define muito bem e sucintamente no primeiro capítulo do seu livro, ciência normal “significa a pesquisa firmemente baseada em uma ou mais realizações científicas passadas” (KUHN, 1998, pg.29). Ou seja, quando um paradigma é aceito, como descrito anteriormente, o cientistas vão se desdobrar sobre ele e o estudarem a exaustão, enquanto não houver uma mudança e isso pode significar que eles iram ficar sobre um mesmo paradigma por anos, décadas e até séculos.
Ressaltando que o paradigma aceito está sujeito a falhas e a perguntas não respondidas, ao assumi-lo não quer dizer que tudo está esclarecido. Como Kuhn afirma:
“Os paradigmas adquirem seu status porque são mais bem sucedidos que seus competidores na resolução de alguns problemas que o grupo de cientistas reconhece como graves. Contudo, ser bem sucedido não significa nem ser totalmente bem sucedido com um único problema, nem notavelmente bem sucedido com um grande número. De início, o sucesso de um paradigma — seja a análise aristotélica do movimento, os cálculos ptolomaicos das posições planetárias, o emprego da balança por Lavoisier ou matematização do campo eletromagnético por Maxwell — é, a princípio, em grande parte, uma promessa de sucesso que pode ser descoberta em exemplos selecionados e ainda incompletos. A ciência normal consiste na atualização dessa promessa, atualização que se obtém ampliando-se o conhecimento daqueles fatos que o paradigma apresenta como particularmente relevantes, aumentando-se a correlação entre esses fatos e as predições do paradigma e articulando-se ainda mais o próprio paradigma” (KUHN, 1998, pg. 44).
Sendo assim, o paradigma aceito não explica todas as duvidas na área de conhecimento, mas ele acerta os maiores alvos. Então os pequenos empecilhos, são deixados para ser explicados aos poucos, ao longo do processo científico. Na ciência normal a busca para essas respostas ainda vão estar dentro das regras desse paradigma, ou seja, o paradigma vigente não é amplamente questionado. No geral, quando existem questionamentos pontuais, a tendência é a tentativa de preservação do paradigma vigente pela comunidade científica, muitas vezes menosprezando o pesquisador realizador do questionamento (KUHN, 1998)
Seguindo o raciocínio de Kuhn o foco do cientista em uma perspectiva de ciência normal está em três blocos, as quais são definidas em três classes:
“Em primeiro lugar, temos aquela classe de fatos que o paradigma mostrou ser particularmente reveladora da natureza das coisas. Ao empregá-los na resolução de problemas, o paradigma tornou-os merecedores de uma determinação mais precisa, numa variedade maior de situações. […] Uma segunda classe mais usual, porém mais restrita, de fatos a serem determinados diz respeito àqueles fenômenos que, embora freqüentemente sem muito interesse intrínseco, podem ser diretamente comparados com as predições da teoria do paradigma. […] Uma terceira classe de experiências e observações esgota as atividades de coletas de fatos na ciência normal. Consiste no trabalho empírico empreendido para articular a teoria do paradigma, resolvendo algumas de suas ambigüidades residuais e permitindo a solução de problemas para os quais ela anteriormente só tinha chamado a atenção” (KUHN, 1998, pg. 46)
Em suma, esses pontos vão ser utilizados pelos cientistas para levarem o paradigma ao esgotamento. Primeiro são os fatos para qual o paradigma já responde muito bem e colocá-lo em prática, é necessário criar uma descrição melhor para ele. Em segundo momento, há problemas que não possuem muita preocupação dos cientistas, mas que podem ser atendidos e resolvidos com esse paradigma. E por último está o esgotamento experimental para resolver algumas contradições e resoluções de alguns problemas.
Dentro desse contexto, o fracasso na ciência normal, em nenhum momento será visto como um possui erro no paradigma estabelecido, uma brecha para modificação ou mudança no pensamento. Na verdade essa incongruência na experimentação será colocada como uma falha do cientista. E isso reforça uma postura conservadora do cientista, não buscando por novas descobertas e sendo um montador de quebra-cabeças e em certas medidas, de quebra-cabeças que já foram montados antes. Assim o trabalho do cientista se torna “a ampliação contínua do alcance e da precisão do conhecimento científico” (KUHN, 1998, pg.77).
Outro problema dentro da ciência normal na perspectiva de uma solucionadora de quebra-cabeças é o possível afastamento do cientista com a realidade social. Analisando, pode ser evidenciado que ao se aprofundar em um paradigma, problemas relevantes dentro de uma sociedade podem ser esquecidos. Kuhn define:
“(…) uma comunidade científica, ao adquirir um paradigma, adquire igualmente um critério para a escolha de problemas que, enquanto o paradigma for aceito, poderemos considerar como dotados de uma solução possível. Numa larga medida, esses são os únicos problemas que a comunidade admitirá como científicos ou encorajar seus membros a resolver.” (KUHN, 1998, pg. 60)
“(…), um paradigma pode até mesmo afastar uma comunidade daqueles problemas sociais relevantes que não são redutíveis à forma de quebra-cabeça, pois não podem ser enunciados nos temos compatíveis com os instrumentos e conceitos proporcionados pelo paradigma.” (KUHN, 1998, pg. 60).
A comunidade científica só sairá do período de ciência normal, quando novas descobertas abalaram as estruturas do paradigma atual e que . Logicamente que para que essa mudança seja efetiva um novo processo deverá ser iniciado aliado a um contexto histórico-cultural para que todas as peças se encaixem.
A comunidade científica só sairá do período de ciência normal, quando novas descobertas abalaram as estruturas do paradigma atual. Logicamente que para que essa mudança seja efetiva um novo processo deverá ser iniciado aliado a um contexto histórico-cultural para que todas as peças se encaixem.