O Dilema Thanos

Leonardo Miranda
Didaticamente
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5 min readJun 23, 2019

Nota: O texto possui spoiler dos filmes Vingadores: Guerra Infinita(2018), Vingadores: Ultimato(2019) e I Am Mother (2019)

Como a sua própria filha adotiva definiu muito bem, Thanos tem como objetivo principal de sua vida colocar o universo em equilíbrio. Já que em sua visão, todas as civilizações caminham a passos largos para o declínio, visto que os recursos naturais são finitos, enquanto o crescimento populacional é exponencial. Thanos não conheceu o inglês Thomas Malthus, mas formulou um paradigma semelhante ao do matemático.

O vilão acreditava piamente que estava salvando todo o mundo da miséria, em seu pensamento distorcido. Até que sua versão do passado presencia o que aconteceu com a terra depois do estalar de dedos. A população que sobrou se estagnou, diferentemente do que Thanos previu. Nada de bonança, sorrisos e alegria por toda o planeta, havia apenas choro e lamento por todos aqueles que partiram em silêncio.

Ai que ele percebe a falha em seu plano, as pessoas que ficam após o “apocalipse”, não estão preparadas para lidar com esse novo mundo. As memórias ficam, juntamente com a dor e a culpa da sobrevivência. Quando metade da população aleatoriamente sumiu, impediu cada uma das pessoas de continuar vivendo em um ritmo normal, comum, ordinário.

Então, Thanos decide que tem que começar do zero se quiser chegar ao seu objetivo, construir um mundo com o poder das joias, não transformar o velho.

Ele eliminaria toda a vida, as memórias, a personalidade do universo e no local criaria seres novos, gratos por estarem em uma realidade utópica. Mas felizmente tudo isso é história em quadrinhos e os heróis chegam para salvar o dia. Tudo termina bem, os mocinhos vencem. Fim.

Já o filme da Netflix, I Am mother(Grant Sputore) nos mostra uma visão mais cinza desse dilema. Na história não é o Thanos ou qualquer outro alienígena que percebe o colapso iminente da sociedade e sim um robô. Mais precisamente, uma consciência coletiva que controla todas as máquinas.

Essa consciência percebe que a raça que o criou não sabe administrar o planeta e que vai botar tudo a perder com seu comportamento predatório. Então ela elabora um plano para salvar e exaltar(segundo suas próprias palavras) a raça que lhe deu a vida.

Ela decide eliminar todos os seres vivos e a partir do zero criar seres humanos perfeitos, que consigam lidar com o mundo de uma maneira ética e sustentável. A máquina, mais rapidamente do que o Thanos, percebeu que o homo sapiens não tem muito jeito. E com ajuda de uma base super tecnológica e um banco gigantesco de embriões ela dá início ao seu plano.

Mas apesar das diferenças metodológicas, o desejado por ambos é o mesmo: A criação de uma ambiente equilibrado.

Angústia

Assistir esses dois filmes pode causar no mínimo um leve mal-estar na mente mais ansiosa e preocupada com o futuro do mundo. Porque apesar de seus métodos totalmente anti-éticos e distorcidos, os dois acertam muito bem na análise. Estamos caminhando para um colapso e nada parece estar sendo feito.

Aquecimento global; Extinções em massas; Desequilíbrio ecológico; Declínios econômicos e políticos; Ascensão de grupos radicais; Tensões geopolíticas;

Estamos vivendo tempos pessimistas, não parece ter muito espaço para pensamentos positivos e uma esperança de que o futuro será melhor. Para onde se olha há tensões, polarizações, o planeta parece realmente um panela de pressão preste a explodir. E essa visão exageradamente negativa nos faz, mesmo que por um tempo, concordar com que está sendo feito nesses filmes.

Cara, não tem futuro, não tem jeito, deixa o Thanos matar todo mundo e construir um lugar bacana para as futuras gerações pelo menos!

As narrativas provocam o telespectador a ficar do lado dos vilões, esse pensamento negativo já embutido serve de combustível para tal. A negatividade e pensamento de que não há futuro desequilibra e distorce nossos pensamentos e quando damos por conta todos somos Thanos. Por não enxergar perspectivas a barbárie se torna válida, elegível e até de certa forma a salvação. Afinal, é por um bom motivo, é para salvação de muitos.

E de Thanos vamos para Maquiavel.

Os fins justificam os meios

Pronto, o filme venceu, provou que não estamos tão distante assim do vilão e que aceitaríamos tranquilamente essa distorção. Aceitamos o caminho mais fácil, fantasioso das telonas, onde todo o problema some apenas com um estalar de dedos. Enquanto a solução estava na nossa frente o tempo todo, na realidade, difícil e custoso de ser atingido.

Será que é preciso ir tão longe para salvar todos?

Não é preciso sacrificar tudo

O maior incômodo ao assistir esses filmes é visualizar que na verdade não precisamos de uma solução dramática como a que é apresentada. Que na realidade podemos evitar esse colapso, sacrificando muito pouco aliás. Quando se volta para sobriedade e se vê que é totalmente inaceitável compactuar com genocídio em massa feito através de gemas mágicas, conseguimos observar que há opções no mínimo mais éticas.

Os filmes utilizam soluções hiperbólicas para mostrar o quanto teremos que sacrificar, se não fizermos nada na atualidade. Porque na atual circunstância, se pensarmos em perspectiva, precisamos sacrificar muito pouco. Precisamos abdicar de muita pouca coisa para que as futuras gerações tenham um ambiente saudável e mais sustentável para sobreviver e continuar a espécie.

Mas estamos muito longe dessas soluções, em partes por essa visão negativa do futuro mesmo e em parte pela falta de planejamento da espécie. Como pontuado pelo filósofo Mario Sergio Cortella, estamos “assaltando” o futuro das próximas gerações e não estamos fazendo uma análise lógica da necessidade disso. Continuamos a ter uma relação totalmente predatória com o ambiente, usando os recursos de maneira nada sustentável. Tudo isso para alimentar uma lógica de soberania, consumo e de lucro. E todo essa lógica nasce do orgulho e do ego gigantesco do ser humano.

Lógica essa que não está restrita às grandes nações, empresas e conglomerados, todo esse ciclo também é encontrado em nossas vidas pessoais e nossos microcosmos. As próprias pessoas individualmente não estão interessadas em sacrificar, um pouco que seja, para garantir um futuro melhor para seus netos e descendentes. Pelo menos não é ao que parece quando tratamos dos assuntos publicamente.

Não é preciso ir tão longe para salvarmos a humanidade, não é preciso ser tão teatral quanto o Thanos. Atitudes diárias e até solitárias, já contribuem para a construção de uma ambiente mais amigável para os seres humanos do futuro. Diminuir o consumo, o desmatamento, a poluição do ar e corpos d’ água. Aumentar o consumo consciente, a reciclagem e reutilização da água. Atitudes totalmente palpáveis e de conhecimento de uma parte da população.

É um papo utópico, ainda mais em tempos de tanta desesperança, mas a reflexão está na mesa. Não precisamos de joias do infinito e nem de uma avançada inteligência artificial para salvar a raça humana. A solução já está conosco, bem na frente do nosso nariz.

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Leonardo Miranda
Didaticamente

Cursa Licenciatura em biologia na UFSCar - Campus Sorocaba. Professor de biologia, Filosofo de internet e Teólogo Amador.