Leonardo Miranda
Didaticamente
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10 min readMay 20, 2020

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O dinheiro vem para confundir a amor

Nota: esse é um texto escrito por uma pessoa em quarentena há mais de dois meses, então incoerência e erros são mais do que prováveis. Ele também não tem a presunção de ser academicamente preciso, é apenas um artigo de opinião junto com alguns pensamentos jogados.

A pandemia vem escancarando fragilidades sociais aos montes em todo os cantos do planeta. Estamos vendo como sistemas de saúde estão sendo levados a exaltação, diversas empresas quebraram do dia para noite e provavelmente vamos medir recordes de desemprego em todo mundo. E isso faz com que comunidades acadêmicas e não academias se debruçam em debates de como resolveremos isso em um mundo pós pandemia.

Imagem retirada do Pixabay

Ao mesmo tempo que vejo isso como algo fundamental, fico meio encasquetado ao mesmo tempo, por sentir falta de um debate sobre um tópico mais amplo, que conecta todos esses tópicos supracitados, que é o sistema econômico que vivemos. Se evita ou nem se cogita se falar sobre como o capitalismo está falhando em diversos pontos no mundo pandêmico e como essa relação está se desgastando cada vez mais e se tornando nada sustentável.

Não sou nenhum arauto do apocalipse e nem possui conhecimento acadêmico em economia para falar que a capitalismo está morrendo. Mesmo assim me parece óbvio que precisamos fazer ajustes para que esse sistema seja mais sustentável. E a pandemia que vivemos escancara isso. Mas, de alguma maneira há um medo e uma resistência em criticar o sistema.

Com certeza a polarização que vivemos prejudica também, visto que qualquer um que não concorda integralmente com a cartilha econômica é considerado comunista e quer confiscar e socializar a propriedade privada do cidadão de bem.

Assim se constrói algo impenetrável, um ser divino sem nenhum falha e defeito, o capitalismo é lindo e maravilhoso e se você não concorda, com certeza você é socialista.

Um exemplo disso eu observei em uma crítica ao filme espanhol “O poço”, no preâmbulo do comentário, a pessoa dizia o seguinte:

“Esse filme tem uma concepção muito básica e primária do que e capitalismo, erra feio, sabia que o capitalismo é o sistema que mais criou riqueza? As pessoas hoje são muito mais ricas do que em qualquer outra época da humanidade.”

Sendo que o filme nem se propõe a uma crítica academia e bem embasada sobre a taxa de enriquecimento por ano das populações mundiais. E se propõe mais a discutir questões totalmente legítimas como distribuição de renda, meritocracia, qualidade de vida, ganância e afins. O roteiro tentar parar, respirar um pouco e falar:

“Okay, o sistema criou muita riqueza mesmo, ninguém discorda disso, mas a que custo? E sera que não da para reverter um pouco isso, sera que não da pra produzir um pouquinho menos e distribuir um pouco mais? Mas só se não for incomodar”

Há um sistema defensivo já pronto para qualquer crítica que se faz ao poderoso sistema que enriqueceu o mundo. Isso é muito semelhante ao que os socialistas modernos dizem quando são criticados. Você fala:

“Cara, o comunismo meio que não deu certo em nenhum lugar né?”

E recebe a resposta:

“Você tem que entender que eles não eram socialistas de verdade, mas o meu socialismo e o que vai da certo mano, confia.”

Muitas das vezes não conseguimos encarar e admitir que os nossos ideais possuem falhas e são responsáveis por muitas catástrofes no mundo.

Li uma vez no twitter que os liberais não são muito populares porque eles só conseguem falar de números, enquanto os populistas da esquerda e do conservadorismo conseguiam falar com as emoções das pessoas. Acredito que isso demonstra como falta um questionamento social e filosófico em se fazer e pensar políticas públicas econômicas que sejam liberais.

Para ver isso é só observar qualquer discurso do atual ministro da economia, parece que ele vive em outra realidade, por que meio que ele vive mesmo. Ele passa a maioria dos seus dias olhando para tabelas e planilhas e não conhecendo a realidade do seu país.

Isso não é de hoje, Paulo Guedes já trabalhou no chile durante a ditadura Pinochet e falou que ela era irrelevante do ponto de vista intelectual. Ou seja, para ele é totalmente irrelevante a política e as condições humanas, ele trabalha com e somente para os números.

Hoje precisamos discutir muito mais do que só a produção de riqueza, estamos em um novo séculos, com novas necessidades, novas dinâmicas sociais e com uma perspectiva muito assustadora pela frente. Discutir uma maneira de construir um sistema menos predatório é necessário.

Antes de mais nada, estamos na internet e explicações e panos quentes precisam ser feitos. Primeiro de tudo, o capitalismo venceu, não estamos mais na guerra fria, apesar do que alguns gurus espalham por aí. Não existem aspirações revolucionárias neste texto ou em minhas crenças ideológicas.

Mesmo acreditando em algumas pautas de justiça social e distribuição de renda, não possuo o intento de apoiar um movimento que coloque goela abaixo da sociedade, a custas de morte e sofrimento um sistema que se diz mais justo.

Asimov já disse através de uma das suas personagens que “a violência é o último refúgio dos incompetentes”. Acredito que as mudanças devem vir pela democracia liberal que está posta(aos trancos e barrancos é verdade, mas está aí para surpresa de todos nós).

Agora que o parênteses foi feito e as explicações dadas, podemos voltar para o texto.

Para retratar e justificar o que estou dizendo, gostaria de usar dois exemplos. Primeiro dele é o sistema de saude estadunidense e em segundo lugar alguns empresário brasileiros e como eles estão se comportando dentro desta pandemia(sim, dono do madero e Roberto Justus, to olhando pra vocês).

Enquanto isso na gringa

O sistema médico dos estados unidos é conhecidamente injusto, vemos ele sendo retratado em diversas peças de entretenimento. Uma pessoa entra em um hospital e saí de lá declarando falência, por mais ordinário que seja o atendimento. Uma consulta particular e um simples exame de sangue pode custar uma fortuna, sempre variando é claro, de estado para estado.

E isso se repete pelo mundo, saúde é um serviço caro e rentável, no Brasil iremos encontrar também preços bem altos para atendimento médico. Em algumas capitais tupiniquins, um serviço de UTI pode custar até 10 mil reais. A diferença crucial é que no Brasil o tratamento particular é uma das opções, nós temos o Sistema Universal de Saúde(SUS).

Em último caso, você não fica desamparado, pode encontrar sim muitas dificuldades, espera e ter muita dor de cabeça, mas há um atendimento de um jeito ou de outro. O SUS possui diversos problemas que precisam ser revistos e organizados, mas ele é uma rede de proteção enorme e que possui uma grande eficiência.

Nós temos a distribuição gratuita de uma gama de medicamentos, dos mais caros aos mais baratos. Temos campanhas nacionais de vacinação. E temos uma rede de urgência que conseguiu dar um fôlego(em alguns estados mais tempos e outros menos) durante essa pandemia. Imagine a situação de São Paulo ou de Manaus sem o atendimento gratuito, já estaríamos em uma situação muito mais decadente.

Um americano assalariado não tem outra opção, em muitos lugares existe uma única opção: o sistema privado de saúde.

De frente para esse cenário, muitos preferem apenas não se preocupar com esse tema. E nesse período de Covid-19 isso tem tido um efeito desolador. Cada vez mais temos acesso a notícias e artigos que mostram como as classes sociais mais baixas dos EUA estão sendo muito mais afetadas pelo novo coronavírus.

Imagine o quão terrível é essa situação, pessoas nesse exato momento vão tentar a própria sorte se tratando em casa ou até convivendo com a doença por ai, em vez de ter acesso a um tratamento hospitalar digno.

Isso tem que nos fazer pensar, nem que por um momento sobre o sistema. Sobre até que ponto realmente as privatizações são benéficas para a população e não somente para uma parte econômica interessada e em como uma distribuição de renda desigual pode significar a morte para algumas pessoas marginalizadas socialmente.

Lógico, sempre com cuidado de não cair em teorias conspiratórias illuminati de grandes corporações que estão dominando os rumos do mundo. Apenas reflexões que acredito serem necessários no sistema capitalista pós pandemia.

Agora, voltando para o Brasil, nos últimos dias um pronunciamento do dono da rede Madero, Junior Durski, sobre como o movimento nas loja está baixo, mesmo com a possibilidade de abertura em algumas regiões do país fez muito barulho.

E não é só ele, diversos empresários e associações de comerciantes estão vindo a público reportar que o movimento é muito baixo. Alguns chegaram a conclusão tardia que não adianta abrir sem segurança e que estão perdendo mais dinheiro abertos do que fechados. Já que no fechamento existe alguma economia nas contas de água e luz por exemplo.

Mas antes de estampar as manchetes lamentando a queda de faturamento, Júnior Durski virou notícia ao publicar um vídeo em suas redes sociais sobre o perigo do isolamento social para o país. Neste vídeo, ele diz que o nosso país não aguenta um isolamento e que muitas empresas irão sofrer. Mas ele é pronto a dizer que não está preocupado com o seu negócio, segundo ele a rede poderia manter os funcionário por meses a fio. Ele estava preocupado com os pequenos negócios, os pequenos empreendedores.

Pouco dias depois desse vídeo, ele demitiu mais de 500 funcionários de uma vez, os mesmo funcionário que ele disse que a rede tinha condição de manter. E logo após esse fato, a internet logo desenterrou uma notícia que relatava os faturamentos do Madero e ficou constatado que o eles podiam mesmo manter muitos funcionários por meses. Esses fatos adicionados a essa mais recente aparição, mostra que ele não tava preocupado com nada mais do que seus lucros.

Não sou nenhum anti empreendedorismo, acredito que as pessoas precisam das mais diversas oportunidades, o trabalho assalariado não pode ser a única opção. É preciso ter mais liberdade e chances de abrir o seu próprio negócio, desde que isso não venha acompanhado da sucatização(sic) do trabalho formal e dos direitos trabalhistas.

Mas essa postura do Dono do Madero e de pessoas como Roberto Justus, que disse que o Brasil não podia parar por conta de 10 mil mortes que iram acontecer pela pandemia (no dia da escrita do texto já passamos de 16 mil), mostra um lado totalmente vil da cultura do empreendedorismo, que é a busca desenfreada por lucro. Uma busca que te aliena da realidade e faz com que seu negócio só sirva para te enriquecer.

Empresas possuem um impacto social além do econômico, elas estão sempre dentro de um contexto político social e deveriam de alguma maneira refletir sobre ele. Donos e empresários deveriam ter a noção que ao abrirem um negócio eles vão trabalhar com vidas além de números.

Mas desde o início a mentalidade é de que funcionários, principalmente os menos qualificados são extremamente descartáveis. Ainda mais com a automatização que está vindo por aí. Se não apelarmos para uma humanização por essa relação social, o que vamos experimentar é um caos absurdo durante a pandemia e muito depois com a automação.

E toda essa situação me faz lembrar da carta do apóstolo Paulo a igreja de corintos, mais precisamente do famoso capítulo 13, onde ele escreve sobre o amor cristão. Ele diz do versículo 4 ao 7:

“Quem ama é paciente e bondoso. Quem ama não é ciumento, nem orgulhoso, nem vaidoso. Quem ama não é grosseiro nem egoísta/ não fica irritado, nem guarda mágoas. Quem ama não fica alegre quando alguém faz uma coisa errada, mas se alegra quando alguém faz o que é certo. Quem ama nunca desiste, porém suporta tudo com fé, esperança e paciência.”

Nem de longe o desejo é evangelizar todo um sistema, mas acredito que esse tipo de sentimento que falta. E sinto que esse sentimento é nublado por essa perseguição e amor pelo lucro, o que me faz lembrar do cantor Criolo e da frase que dá título a esse texto:

“O dinheiro vem para confundir o amor”

Essa perseguição ao lucro a qualquer custo cega, levando essas pessoas a posturas nada humanitárias. Mas por um lado podemos pensar que isso não é algo intrínseco do sistema e sim algo que o ser humano carrega, independente do sistema. Concordo ate a pagina 5, por que apesar de isso ser algo instinto, que já está presente na natureza humana, é algo que virou uma metodológico, algo a ser ensinado para se ter sucesso nesse sistema. A manipulação desse instinto serve de plataforma para que ações injustificáveis sejam tomadas.

Por manipulação dessa conduta, guerras foram travadas com o objetivo de lucrar com elas. Por esse sistema, golpes foram orquestrados, ditadores se levantaram e muitas mortes ocorreram. É muito comum na internet se “refutar” o comunismo falando que Stalin matou milhares de ucranianos. O argumento é válido, ditadores são horrendos e sistemas que proporcionam essas chacinas idem.

Mas sempre me pego pensando que esse não é um argumento muito bom para se pautar o funcionamento de um sistema, outros seriam muito mais eficientes para se falar mal do comunismo. E isso fica ainda mais claro, pelo menos para mim e ainda mais na situação atual. Afinal, quantas mortes o capitalismo do jeito que está já causou, esta causando e ainda vai causar?

A conta é muito difícil e dolorosa.

Que tenhamos mais amor pelos nosso irmãos e que construamos um mundo que nunca será utópico, mas que pelo menos seja confortável. Mesmo que nunca alcancemos, é algo que vale a pena correr atrás.

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Leonardo Miranda
Didaticamente

Cursa Licenciatura em biologia na UFSCar - Campus Sorocaba. Professor de biologia, Filosofo de internet e Teólogo Amador.