O futuro para qual não estamos nos preparando

Leonardo Miranda
Didaticamente
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9 min readAug 14, 2019

O brasileiro tem a fama de deixar tudo para a última hora ou pelo menos é o que os telejornais transmitidos na véspera de uma data importante tentam transparecer. Na véspera de natal por exemplo, sempre tem um repórter em uma rua com um grande número de lojas mostrando o enorme fluxo de pessoas, fazendo compra e o programa usa isso como um reforço para a tese proposta. No SPTV(jornal transmitido para grande são paulo pela tv globo) sempre tem alguém(geralmente o Márcio Canuto) na 25 de março, mostrando aquele mar de gente fazendo as compras dos presentes de natal.

Mas se observarmos mais atentamente esse é um comportamento totalmente humano e não só do brasileiro. Afinal, nossa espécie está sempre querendo gastar o mínimo de energia possível. É muito mais uma questão biológica de sobrevivência aplicada a costumes modernos, do que um condicionamento regional. Realizar algo às vésperas do prazo é muito menos custos do que realizar um alto planejamento. Apesar de um sufoco inicial, de enfrentar lojas e ruas totalmente congestionadas, no equação da economia de energia, o saldo fica positivo.

Eu poderia comprar o presente de natal em novembro, mas teria que pesquisar as melhores lojas, as mais baratas, sair mais cedo do trabalho, chegar mais tarde em casa. Procurar um local para esconder o presente do filho, ainda perder aqueles excelentes “descontos” de época e os papais noéis que ficam distribuindo panfletos no calçadão da cidade. Só planejar tudo isso é custoso demais.

E esse tipo de comportamento extrapola as vidas pessoais e é levado a todo ambiente que seja manejado por um grupo de pessoas. O fazer em cima da hora se torna uma regra em empresas, escolas e governos. É só dar uma olhada na preparação das últimas copas do mundo e olimpíadas. Os dois eventos esportivos mais importantes e rentáveis do mundo,possuem sempre obras atrasadas. Claro que muitas delas por motivos escusos, mais outra grande parte significativa é por simples desleixo da cidade(s) responsável pelo evento. E lembrando que as sedes são escolhidas com no mínimo 8 anos de antecedência.

E infelizmente não é só em compras de presentes e organizações de grandes eventos que a sociedade não se mobiliza e começa a se preparar antecipadamente. Há também uma falta de preparação quando uma grande mudança na ordem social vai acontecer.

Inclusive, há uma grande revolução batendo na porta agora mesmo e parece que pouca ou quase nenhuma parte da sociedade está sendo preparada ou mobilizada.

Mecanização do trabalho

Os robôs e inteligências artificiais já estão presentes na nossa realidade, não da maneira que os filmes de ficção científica nos mostram, é claro. Mas eles já saíram dos laboratórios de grandes universidades e para diversos setores da sociedade. Nas grandes montadoras e empresas de metalurgia; nos algoritmos das redes sociais e aplicativos de transporte coletivo e na limpeza de casas e atendimento do Mc Donalds. Podemos muitas vezes não perceber ou até não saber que eles estão fazendo, mas a era das máquinas já começou.

E elas vieram pra ajudar, como o Atila, do canal nerdologia mostra muito bem nesse vídeo aqui:

As máquinas não se cansam, não adoecem, não se acidentam (elas quebram, mas elas não geram o mesmo transtorno que um humano) e o melhor de tudo, elas não recebem salário. Dentro de um sistema capitalista a automação é uma decisão pragmática, antes de ser uma decisão moral. Mais produtividade, mais lucro e mais segurança.

Pode até parecer que é uma decisão positiva apenas para aqueles que possuem os meios de produção. Mas em teoria é um excelente avanço para a população também. É o fim de trabalhos pesados que diminuem a expectativa de vida em muitos países, quem sabe até o fim de trabalhos forçados e infantis. A automação em uma mundo utópico, liberta o seres humanos do peso do trabalho exaustivo.

Mas para onde essa libertação vai levar as pessoas?

Em teoria para os trabalhos criativos, como o vídeo supracitado demonstra, utilizando uma pesquisa americana como base. Trabalhos criativos e imaginativos estão no topo da lista de empregos que irão sobreviver, já que não possuímos ainda robôs com o novo nível cognitivo(eu disse ainda). As máquinas são excelentes para executar comandos, mais ainda não possuem a pensamento próprio para criar os comandos do zero da maneira de um humano(ainda não, reforçando). Apesar do que o assustador IBM Watson pode fazer, não chegamos na singularidade.

Programadores(e desenvolvedores de tecnologias no geral), pesquisadores, artistas, professores e afins, são profissões não substituíveis a curto e médio prazo. Mas motoristas, atendentes de telemarketing, operadores de caixa, trabalhadores braçais e até cirurgiões estão de longes ameaçados de perder os seus empregos ou pelo menos terem o seus empregos extremamente desvalorizados. E o mais perigoso de tudo, as pessoas não possuem a mínima noção disso.

Não preparação da população para isso

Detroid: Become Human é um jogo de 2019, produzido pela Quantic Dream e publicado pela Sony. Nele, o jogador é colocado em um mundo futurista, assim como o dos filmes. Onde a tecnologia avançou tanto que conseguimos construir androides avançadíssimos. Eles possuem uma engenharia mista, que combina engrenagens metálicas com compostos bioquímicos, que simulam com extrema verosimilhança a nossa própria espécie.

Mas com um adicional, eles são mais rapido do que um ser humano, mais fortes, mais produtivos e mais baratos. Em suma, eles fazem tudo que um ser humano pode fazer, mas 100x melhor. E por isso, eles dominaram diversos setores da sociedade. Eles viraram os garis, os montadores, os seguranças, os empregados domésticos, cuidadores, motoristas e todas os outros postos de trabalho onde era possível encaixá-los.

Isso mudou radicalmente a estrutura social que existia, porque antes dos androides, eram seres humanos que estavam desempenhando essas funções. Que trabalhavam em troca de um salário, que por sua vez garantia a sua subsistência e de suas respectivas famílias. E com a criação dessas “máquinas”, esses empregos desapareceram e com eles a maneira padrão de sobrevivência.

Eles não estavam preparados para aquilo, para se realocar no mercado de trabalho ou para preparar uma aposentadoria quando fosse a hora. E isso é um ingrediente poderoso para formar um caldeirão social de indignação, raiva e desespero. Na narrativa isso exemplificado por protestos, ódio e maus tratos contra os androides. Uma parte da sociedade está insatisfeita com o rumo que as coisas tomaram e não extremamente feliz e libertados, como a ideia utópica prévia

Protesto pelo direito dos androides

O mais tragicômico dessa situação é perceber que a nossa sociedade está caminhando a passos largo para ela. Claro que com uma tecnologia bem mais primitiva do que a encontrada na obra de David Cage e Adam Williams. Não possuímos androides tão avançados assim. Mas, a extrapolação da ficção mais uma vezes vem para falar sobre o nosso presente e o futuro próximo.

Aqui na realidade, as pessoas estão mais perto de incorporar o coro anti-androide, justamente por uma falta de preparação social para o processo de automação que o mercado de trabalho irá sofrer. E a culpa para isso é compartilhada com todos os setores da sociedade. As empresas não possuem nenhum movimento para conscientização, os governos muitas vezes estão preocupados com um projeto de poder do que com a transformação do sistema escolar e as pessoas individualmente como já citado no começo do texto, não possuem o costume do planejamento a longo prazo.

É preciso o quanto antes que essa chave seja virada para que todos esses protagonistas sociais elaborem um plano sustentável para o futuro. Porque não estamos falando de uma nova tecnologia que vai mudar o modo como as pessoas consomem entretenimento, como a Netflix fez. Estamos falando de uma revolução realmente, que vai mudar radicalmente o modo de vida das pessoas.

Isso se chegarmos lá sem uma nova guerra, claro.

Preparação para o futuro

Individualmente as pessoas precisam se preparar financeiramente e profissionalmente. No sistema que estamos, consumir é muito bom e dá um quentinho no no coração, mas para um futuro melhor, investir e poupar é o caminho. Procurar estudar sempre opções econômicas de investimentos, reservas de emergência e investir em capacitação profissional. Aquelas dicas básicas que o fantástico dá um vez por ano geralmente. Evitar a passividade, conseguir através da informação perceber como as coisas vão se organizar. É algo extremamente difícil, por isso afinal, que essas dicas parecem tão bobas e clichês. Mas no fim do dia, é o que dá pra fazer individualmente, se preparar para o pior.

Já para as empresas privadas que fazem parte da equação, deveriam investir na conscientização(algo bem utópico) da sua própria equipe de trabalho. Por um lado isso pode ser visto como uma propaganda do terror. O encarregado de uma empresa chega na sala de reuniões e mostra um slide e fala: “Olha aqui as máquinas que vão te substituir”

Logicamente que isso só vai ter o efeito contrário, vai produzir o desespero nas pessoas. Mas há sempre um jeito de se fazer, há sempre um jeito certo de falar e transmitir uma informação vital para os funcionários. Palestras e muitos outros recursos didáticos podem ser utilizados para mostrar como o mercado profissional funciona e vai funcionar com o avanço da tecnologia.

Além de que a própria empresa pode investir na capacitação de seus funcionários. Uma máquina pode ser extremamente eficiente, mas elas ainda não possuem a mesma experiência de um funcionário que está trabalhando a mais de 5, 10 anos em um mesmo lugar. Em diversos setores de trabalho a mão de obra humana vai ajudar a potencializar ainda mais a produção de uma linha de montagem mecanizada. Mas claro, esse é um exemplo totalmente utópico, é difícil imaginar diversas empresas realizando algo desse tipo.

Já no que compete ao governo, deveria ser feito o quanto antes uma reformulação no ensino público que temos. É importante frisar que não é necessário reconstruir do zero a escola, como alguns movimentos e representantes políticos querem. A estrutura escolar que temos possui enormes pontos positivos, apesar de ser culturalmente rejeitada.

As escolas por exemplo, possuem independência e mobilidade legal para desenvolver oficinas e laboratórios tecnológicos. Não é preciso esperar o ministro e secretários de educação para fazer algo. Diretores e coordenadores pedagógicos podem(e devem) inicializar as mudança de dentro para fora. Logicamente que é muito positivo que campanhas e projetos federais, estaduais e municipais sejam realizados para incentivar essa mudança estrutural. Mas essas mudanças e implantações são possíveis antes deles. A escola possua autonomia pedagógica suficiente, dada pela LDB(Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) para começar as reestruturações locais. E nem a falta de verba pode ser desculpa atualmente. Existe uma gama de produtos tecnológicos baratos, totalmente efetivos e compatíveis com o orçamento das escolas. Claro, que existem municípios com extrema pobreza, que falta para o professor giz e lousa. É ingenuidade negar o abismo da pobreza que temos no país.

Mas uma situação não anula a outra, existe sim uma imensa carência no sistema educacional nas regiões pobre. E também existem diversos estados e municípios que possuem os recursos necessários para a realização de mudanças significativas na estrutura educacional local.

É possível, por exemplo, construir laboratórios de informática e robótica com apenas raspberry pi zero, computadores de bolso, criados para fins educacionais que custam aproximadamente 100 reais.

Se calcularmos que cada sala tem aproximadamente 40 alunos, que vamos construir um laboratório de cada e vamos comprar sobressalentes(o que dá uns 160 computadores), a escola vai ter um custo de aproximadamente 16 mil reais. O que para um orçamento escolar de um cidade pequena do interior paulista é muito pouco. Algumas escolas gastam muito mais com giz e canetas para quadro branco durante o ano escolar, pode ter certeza disso.

Esse é só um exemplo, diversas outras alternativas podem ser adotadas, a internet e o avanço da tecnologia didática só contribuem para o aperfeiçoamento tecnológico das escolas. Falta vontade humana e profissionais com capacidade analítica para perceber que atualmente estamos preparando as nossas crianças e adultos para um futuro que não vai existir.

O futuro da sociedade está nas nossas mãos.

Essa frase de final de texto é clichê e totalmente sentimentalistas. Mas ela funciona muito bem em qualquer texto que pretende nos alerta sobre um problema que está a caminho. E ela funciona muito bem, porque ela representa a verdade dos fatos, pelo menos nas questões materiais. O futuro é consequência direta das nossas ações no presente.

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Leonardo Miranda
Didaticamente

Cursa Licenciatura em biologia na UFSCar - Campus Sorocaba. Professor de biologia, Filosofo de internet e Teólogo Amador.