Reflexões sobre a escola: Qual a relevância do ensino formal?

Leonardo Miranda
Didaticamente
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6 min readMay 17, 2019

Se você pudesse entrar em uma máquina do tempo e voltar para o Brasil de 1919 logicamente se espantaria ao ver como o país mudou materialmente e socialmente. Mas se nessa viagem você entrar em uma escola pública e acompanhar um dia de aula, acredito que você teria um susto, por perceber que a maneira como o ensino é tratado não mudou tanto assim.

No texto de hoje gostaria de refletir como o papel da escola parece não ter mudado em uma sociedade que mudou radicalmente. E como essa mudança é urgente para que a escola mantenha sua existência e relevância.

A escola do futuro do passado.

Voltando à escola de 1919, quando você entrar na sala de aula, você vai se deparar com cadeiras enfileiradas e alunos sentados um atrás do outro, uma média de 30–40 por sala. Um professor de ciências na frente escrevendo em uma pedra com outra pedra e explicando conceitos essenciais para vida daquelas crianças como por exemplo: A lei da gravitação universal e o nome dos planetas do sistema solar.

Qualquer semelhança com a situação atual do ensino, não é mera coincidência.

Na sociedade do século XX e dos século anteriores, as instituições de ensino básico e superior possuíam o virtual monopólio do conhecimento do formal. Entenda conhecimento formal como as leis, teorias e conceitos formulados pela comunidade científica através do tempo, com o intuito de compreender o funcionamento do universo e da natureza.

E somente frequentando a escola ou a faculdade que uma grande parcela da sociedade iria ter contato e acesso a esse tipo de informação. Claro, esse tipo de informação estava disponível em livros e revistas, mas elas não eram (e ainda não são) meios amigáveis de comunicação para as pessoas.

Em primeiro lugar porque a nossa sociedade como um todo não consome literatura e em segundo que a compra desse tipo de literatura sempre foi complicado. Então os alunos ao frequentarem a escola, estavam sempre entrando em contato com campo de conhecimento totalmente diferente ao qual foram criados.

E isso influenciava a lógica de ensino, o professor tinha uma aura superior de detentor do conhecimento e ele iria iluminar todos os seus alunos. Isso também se reflete na disposição de aluno/professor dentro da sala de aula. O professor sempre na frente, com o controle da oratória, da autoridade e os alunos sentados um atrás do outros submissos ao professor.

Mas em 2019 as coisas mudaram, está cada vez mais longe de ser o único local para se ter contato com esse tipo de conhecimento. Tivemos uma revolução tecnológica que quebrou imensas barreiras, toda a sociedade mudou, menos a estrutura e a organização escolar.

A universalização da informação

Em 1919 todo o conhecimento formal estava concentrado nas instituições escolares e em livros. Já em 2019, cem anos depois, toda esse conhecimento está diluído pelos meios de comunicação modernos, principalmente pela internet. Existem maneiras baratas e acessíveis, que permitem que pessoas de todo o mundo tenham acesso a um mar de conteúdo em apenas um clique.

Todas aquelas informações que seriam passadas durante um ano letivo do sexto ano na aula de ciência, agora pode ser acessado e assistindo em apenas um dia. E durante uma semana, o aluno consegue assistir todas aulas do ano no youtube, no conforto da sua casa, indo no banheiro a hora que quiser e sem um adulto chato querendo mandar nele.

Quer aula de genética tem:

Gramática? Claro que tem:

História da escravidão no Brasil? Toma ai:

É claro que nem todo esse conteúdo é 100% de qualidade e pode haver falhas e lacunas no que é dito durante um vídeo na internet. Mas, o mesmo pode ser tido de aulas presenciais, professores e aulas de má qualidade podem ser consumidas tanto dentro de uma instituição de ensino como dentro de uma plataforma de vídeos. O foco aqui não é fazer juízo de valor sobre a qualidade do ensino, mas sim da proposta de ensino. É preciso em primeiro momento parâmetros de como e o que ensinar, para antes julgar a qualidade.

Qualquer tema que estiver no currículo escolar foi ou será abordado por um professor no youtube através de uma vídeo aula. Fazendo a escola(muitas vezes de maneira indireta) se tornar um lugar redundante e muito menos atrativo para os alunos. A escola parece não ter se atentado para o fato que o aluno entra em uma aula com um capital de conhecimento enorme. Ele não é(e nunca foi!)um receptáculo vazio para ser moldado e enchido pela instituição de ensino e seus professores.

E não me entenda mal, esse não é um texto para bater em uma instituição tão atacada nos últimos tempos. E sim uma tentativa de pensar em uma solução para reformar a escola e tentar a ajudá-la a se colocar nos tempos atuais. A instituição dá um tiro no próprio pé e se descola da realidade ao se manter como sempre foi.

Se manter como um local apenas de transmissão de conhecimento, além de ser prejudicial para sociedade é lutar contra a maré. Nesse quesito outras mídias funcionam muito melhor e são muito mais atraentes, como já foi posto e evidenciado durante o texto. A escola precisa urgentemente dar um passo a mais para que sua existência não seja comprometida.

A alternativa

Existem diversas correntes de pensamentos e sugestões de como renovar escola e de como o ensino deve ser estruturado nos próximos anos. Muitos apostam em tecnologia, que a escola deve se focar no ensino de programação, robótica e áreas correlatas. Outros já focam mais na parte de inserção econômica, com ensino de empreendedorismo por exemplo.

Acredito serem sugestões totalmente válidas e acertadas, tanto o conhecimento tecnológico como o do econômico são essenciais. Mas acredito que para qualquer proposta curricular ser posta em prática com sucesso é preciso um princípio filosófico essencial: A escola precisa atender as necessidades da população em que ela está inserida, através da construção(e não a transmissão) do conhecimento formal.

Toda escola está inserida em um bairro, que possui uma identidade, uma cultura e uma história que não é alcançada por esse tipo de ensino amorfo que as aulas presenciais e virtuais possuem atualmente. A simples transmissão de conhecimento por si só, não impacta a realidade em se vive. Somente impacta os indivíduos e o seu entendimento individual sobre o conhecimento.

Em vez disso a escola poderia se apropriar e usar essa revolução em que estamos vivendo ao seu favor. A internet e seu grande arsenal de informação deveriam ser usados para eliminar textos e aulas expositivas desnecessárias para o professor e para o aluno. Vivemos em uma época que não faz mais sentido(se é que um dia fez) um aluno perder 50 minutos do seu dia copiando um texto sobre a função das organelas.

A aula pode simplesmente começar como uma vídeo aula de 10 minutos ou um texto em ambientes sem estrutura adequada. E o professor se encarrega de fazer as conexões desse conhecimento científico e a nossa realidade. Qual é a verdadeira ligação das leis de newton com o mundo real, pra que serve ética e moral, que raios é mitocôndria e respiração celular.

Uma escola com profissionais preparados e bem assegurados podem elevar esse impacto individual por uma transmissão de conhecimento primário à um nível coletivo de impacto social. Assim a escola se torna um ambiente não só mais conectado com a realidade, mas também necessário para ajudar ao progresso contínuo de uma comunidade.

O conhecimento realmente integrado com a realidade tem impacto real, todos essas definições, conceitos e leis começam a fazer sentido. Deixam de ser itens a serem estudados para tirar a nota máxima na prova.

Com essa mudança nós teríamos uma escola muito mais relevante para existência e preocupada com o bem-estar das pessoas e da sociedade.

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Leonardo Miranda
Didaticamente

Cursa Licenciatura em biologia na UFSCar - Campus Sorocaba. Professor de biologia, Filosofo de internet e Teólogo Amador.