Reflexões sobre a escola: Quando a ciência não é divertida

Leonardo Miranda
Didaticamente
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6 min readSep 8, 2019

É extremamente difícil definir o que é ciência em poucas palavras ou em uma única sentença, existem diversas divisões e idealizações sobre ela. Mas no meio dessa muvuca, conseguimos elencar alguns pontos em comuns e assim construir uma oração que possa definir de maneira simplista essa fascinante criação do homem. A ciência é o estudo sistemático do mundo em que vivemos, pela lente da nossa própria espécie. Ou seja, os seres humanos atingiram um estado cognitivo, que possibilitou a conjectura sobre o mundo em que eles está inserido. Possuímos um dom extremamente relevante, podemos racionalizar tudo que existe e acontece a nossa volta. Então, além de poder coletar recursos para sobrevivência, modificar estruturas para a criação de ferramentas e a seleção artificial de plantas, o homo sapiens começou a tentar entender o que estava acontecendo na natureza e dentro dele mesmo.

Por que o céu é azul? Como ficamos doentes? Da onde viemos? Pra onde vamos? Porque se eu pegar a sementes dessa planta e cruzar com a dessa outra nasce uma planta diferente?

Além desse poder cognitivo gigantesco de abstração e significação, a curiosidade foi fundamental para a criação e estruturação dessa área. Saber como e porque tudo ao nosso redor funciona, foi primordial para o avanço do conhecimento e para o avanço tecnológico que toda a nossa espécie possui no momento.

E todo esse conhecimento é estonteante, tudo esse acumulo de informação que vem sendo passado por séculos é espetacular. E o mais incrível é que ele é um patrimônio gratuito(no plano platônico é óbvio), todos têm o acesso ou melhor, todos tem o direito de acessá-lo

E o primeiro lugar onde a maioria da população vai ter acesso a essa sistematização do conhecimento é na escola. Logicamente, as pessoas já possuem o contato com a ciência anteriormente, afinal, desde que nascemos estamos em contato com a natureza e os seus fenômenos. Mas o contato de maneira organizada e explicada é exposto pela primeira vez nas aulas. Todo esse arcabouço de leis, teorias, sistemas matemáticos e estatísticos são condensados e simplificados, posteriormente dividido em disciplinas e colocados em grades curriculares.

Mas para a infelicidade de uma infinidade de pessoas que se esforçaram durante séculos para construir esse castelo de conhecimento, este primeiro contato não é sempre agradável. Dentro de uma sala de aula a ciência perde a magia de fascinação que ela possui. O processo de ensino-aprendizagem transforma o conhecimento em algo chato, enfadonho, burocrático e até impossível de se assimilar.

Este texto tem como objetivo elencar alguns pontos que podem transformar esse processo em algo negativo e refletir sobre eles.

Estruturação da aula

O primeiro ponto para se abordar é a aula propriamente dita e como ela é estruturada/conduzida pelo professor. A duração média de uma aula em território nacional é de 50 minutos. Nesse tempo, o docente tem uma série de alternativas metodológicas para utilizar. Vamos pegar por exemplo o empirismo, conceito primordial para a ciência moderna, proposto por Karl Popper, que prega a construção do conhecimento por meio da experimentação. Neste método, primeiramente um fenômeno é observado, uma série de hipóteses são levantadas sobre ele e então é feito uma bateria de teste. A hipótese que passa nos testes ou pelo menos em alguns deles(quando as demais hipóteses não passam em nenhum), é colocada como “vencedora”. Posteriormente mais experimentos são feitos em cima desta hipótese para a sua consolidação ou desvalidação.

Se transportarmos isso para a sala de aula teríamos um momento de explanação teórica da disciplina, onde o fenômeno natural seria explicado ao aluno, através de um discurso do professor ou em uma leitura de um texto didático. Após isso, uma série de hipóteses seriam levantadas pela turma para a explicação do fenômeno e por fim um experimento seria realizada para o descobrimento da resposta certa. Claro, tudo isso seria em diversas aulas, sendo um cronograma estipulado pelo docente. Esse seria o caminho para a aprendizagem dentro de um método que emula o método popperiano de ciência. E essa é a metodologia mais utilizada em apostilas, livros-textos, livros didáticos e comumente é o que os professores mais utilizam em sala de aula.

A metodologia por si tem falhas(como todas as outras também possuem) e contrapontos a ela são feitos, como a pedagogia libertadora de Freire e a histórico-crítica de Saviani. Mas antes de tecer críticas ao ensino tecnicista e propor novos conceitos, é preciso observar o comportamento do professor dentro de aula. O docente que se alinha nessa posição, muitas vezes está apenas emulando um jeito familiar de ensino, que provavelmente ele teve em sua infância, perpetuando assim esse modo de ensino. E é a única maneira de ensino-aprendizagem que ele conhece e teve contato através do tempo e de sua formação. E o outro lado problemático é que ele nem segue todos os passos descritos. O processo de ensino consiste basicamente em ler um texto para o aluno e explicar para ele a interpretação do texto. Nenhum dos passo do modelo empirista são sequer percorridos completamente. A aula se torna um enorme discurso sobre algum fenômeno natural. algo que não é nada didático e interessante para o ouvinte.

Muitos conteúdos disciplinares possuem abstrações e/ou são extremamente visuais, somente falar sobre eles é desinteressante se nada de concreto for analisado antes ou depois da fala. E pelo menos esse item(a materialidade do fenômeno) é contemplado por um ensino empirista que siga todas as etapas do seu modelo. O aluno pelo menos teria uma noção visual e linear do conhecimento que está sendo abordado, mas não é isso que temos na realidade. E esse é o primeiro e um dos principais motivos para o estado burocrático do ensino que temos. A aula em vez de se tornar um simulacro de laboratório de pesquisa, se tornar o monólogo de um professor para uma sala de 40 crianças cheias de energia e curiosidade.

Subestimar os alunos

E tudo isso vem aliado ao um olhar depreciativo sobre aluno dentro do espaço de ensino-aprendizagem. O aluno nesta perspectiva — que nem tecnicista chega a ser — não é visto como um sujeito ativo na aprendizagem, não é visto como um ser participante. Algo que Paulo Freire definiu muito bem como educação bancária. em que o aluno é visto como um cofre vazio, sem forma, sem conteúdo e o professor é visto como ser iluminado que tem como meta preencher esse vazio do aluno com conhecimento. Essa visão tira toda a personalidade do aluno, ao mesmo tempo que transfere para ele toda a culpa em caso de fracasso. Por que se o aluno é o ser amorfo e ele não é iluminado pela aula do professor, a culpa reside nele e não na metodologia posta pelo docente.

Essa exclusão faz com que o aluno não se veja próximo da ciência ou veja a ciência como algo que ele é capaz de executar. É uma verdadeira agressão com um sujeito que deveria estar dentro de uma escola para aprender e ser inserido na sociedade, mas que já é excluído desde o início do processo. Não há qualidade no processo de aprendizagem se ele não for recíproco. Aluno e professor estão juntos dentro de sala de aula, eles precisam um do outro para que o processo avance e seja concluído com sucesso, em qualquer perspectiva educacional de qualidade.

É preciso inserir o aluno dentro do conteúdo e mostrar para ele que não se trata de algo alienígena e sim de algo que pode ser realizado e compreendido por ele. Isso dá voz para o aluno e faz com que ele tenha interesse e queria participar do processo de ensino-aprendizagem. O professor que falhar nisso, com certeza perderá o controle sobre uma sala de aula. Não necessariamente os alunos vão responder a ele com indisciplina, mas sim com desinteresse pelo que o docente tem para mostrar pra eles. Qualquer conhecimento científico será desinteressante, se não parecer acessível.

É preciso entender que o aluno tem voz e ela merece ser ouvida.

Aí explica pra assistente social, que pai de gente igual a gente,
Não sabe usar a mente só o p@#
Que quem educa nóiz, na escola estadual,
Joga na cara todas as manhãs que ganha mal
Que é incrível, quantos de nóiz senta no fundo da sala pra ver se fica invisível
Calculo o prejuízo! — Emicida

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Leonardo Miranda
Didaticamente

Cursa Licenciatura em biologia na UFSCar - Campus Sorocaba. Professor de biologia, Filosofo de internet e Teólogo Amador.