Star Wars não tem salvação

Leonardo Miranda
Didaticamente
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8 min readJan 12, 2021

Nota: Esse texto não tem como intuito ser uma crítica e nem uma análise, mesmo que ele seja. Ah, eu gosto de Star Wars, falo isso no começo, porque sabe como é a internet né? Se você não fala que é a melhor coisa do universo, parece que você odeia aquilo. Mas existem nuances, acredite.

Star Wars é muito mais que uma franquia de filmes idealizada por George Lucas (o primeiro filme foi lançado em 1977) e tocada através do tempo por diversos diretores, produtores e empresas de entretenimento. Ela é o exemplo perfeito de um produto artístico que transpõe a realidade fictícia das telas de cinemas e impactam a realidade em grandes proporções. Sem exagero nenhum, podemos dizer que existiu um mundo antes das Guerras nas estrelas e um depois. Tudo o que vem depois, principalmente nas obras de fantasia e ficção científica, tem um pouquinho de Star Wars. Não que a obra seja 100% original e não beba de fontes mais antigas, afinal, como já não é novidade para ninguém, o filme não teria a roupagem que ele possui, se não fosse os arquétipos estudados e popularizados por Joseph Campbell.

Ela não foi a primeira franquia de fantasia a tentar imaginar universos e tecnologias futuristas, não foi a primeira obra a ter anti-heróis, não foi a primeira história a construir uma jornada do herói. Mas foi A franquia que popularizou para o mundo o conceito de space opera, Han Solo é o arquétipo de um anti-herói e nem preciso comentar quem possui a mais famosa jornada do herói da cultura pop.

Flash Gordon, um clássico das revistas pulp e grande influência para Star Wars

Toda essa importância e pompa alçou a franquia a um status especial dentro da comunidade “nerd”, um lugar que algumas obras se encontram, um “pack essencial” (Senhor dos Anéis, Blade Runner, Indiana Jones são algumas que também estão dentro do pack) que todos dentro do grupo de alguma maneira devem ver, referenciar e gostar.

O que me fez mentir quando comecei a conhecer e integrar círculos de amizades “nerds” lá no comecinho do ensino fundamental. Não tinha visto nenhum dos filmes, mas agia e citava as frases clássicas como se fosse um expert, afinal eu tinha que demonstrar que sabia do que estava falando, queria fazer parte do clubinho. E não era difícil, afinal, todas as frases, raças e referências faziam parte do meu mundo, eu podia não ter visto os filmes, mas sabia o suficiente para passar no “teste”. Até o programa Pânico, da redetv, o qual assistia religiosamente, possui homenagens à franquia. E eu já tinha ciência, até da frase clássica: “Luke, eu sou seu pai”, fruto do encontro emblemático de Luke e Darth Vader (e até o erro já era transmitido, visto que a frase dita por Vader começa com “Não” em vez de “Luke”).

Eu devia ter uns 11–12 anos na época que comecei a adentrar por essas comunidades (tanto nas reais quanto nas virtuais pelo saudoso Orkut) e só fui ver pela primeira vez um filme da franquia lá pelos 14 anos. Foi em um especial da Band, eles iriam transmitir um filme por semana, ao sábado, da franquia prequel. Lembro de gostar muito dos filmes, ainda mais da “Guerra dos clones”, afinal ela possui semelhança com a série animada de mesmo nome que passava nos intervalos de um desenho e outro no canal Cartoon Network. Na época não fazia ideia da diferença, das linhas cronológicas, dos sobrenomes famosos e só me toquei que estava vendo o surgimento do Darth Vader quando vi a cena final do terceiro filme.

Já a trilogia final só iria ver quando meu pai comprou três DVDs com séries clássicas do cinema, não me recordo a idade exata, mas já estava no ensino médio na época. Neles eu tive contato com a saga do Rocky, com os primeiros filmes do Predador e com o arco de Luke Skywalker. Honestamente achei muito chato, não estava acostumado com aquele ritmo e nem com os efeitos especiais. As lutas de sabre de luz e as frases clássicas me seguraram, juntamente com orgulho de poder falar que assisti o filme verdadeiramente. Finalmente não precisava mentir para me encaixar dentro da comunidade. Lógico que nas conversas ocultava o fato de ter achado muito chato e até cochilado durante os filmes. Afinal, logo após o lançamento das prequelas, a lógica era de exaltação aos clássicos e difamação da trilogia que apresentou Jar Jar Binks para o mundo.

Só consegui me manter acordado e verdadeiramente interessado com a primeira trilogia quando assisti ela com um amigo anos depois, fizemos uma sessão como uma forma de preparação para o “Despertar da Força” que estava para ser lançado. Nessa época já tinha uma melhor noção do que aqueles filmes significavam para a história do cinema e da cultura pop. E conseguia apreciar a obra com isso em mente, como um produto de seu tempo e que revolucionou todo aquele mundinho em que eu estava orbitando.

E foi nessa época que comecei a perceber como Star Wars não tem salvação.

Primeiro preciso explicar o “não tem salvação”, logicamente se trata de uma hipérbole e de um clickbait. E não estou me referindo a qualidade das obras com o selo Star Wars que estão sendo e serão lançadas. Estou me referindo a tudo que orbita a experiência com uma obra do universo. Estou falando sobre ir na internet e esperar ter uma discussão legal sobre a obra, fazer novas amizades, ler texto sobre e assistir um vídeo no youtube. Essa parte da experiência que me refiro, quando essa expressão exagerada.

Depois do lançamento do “Retorno de Jedi”, a história entrou em um hiato, foram 16 anos sem um filme oficial da série. E o filme foi tão impactante, que os fãs não conseguiam ficar parados, eles queriam mais e mais sobre aquele universo estonteante. E esse vazio seria preenchido pelo universo expandido, seus livros, suas fanfics, histórias em quadrinhos, jogatinas de RPG, pela imaginação e principalmente pela idealização da trilogia original. Sendo ela a única representação física de toda aquela história fantástica, dos sabres de luz, dos Jedi, das X-wing, dos TIE fighter e do Luke Skywalker. E contra a idealização, não tem como existir competição, ela é invencível e invulnerável.

E isso potencializou ainda mais quando George Lucas lança a sua visão da origem e queda do vilão mais icônico que o cinema já tinha visto e tanto crítica quanto público repudiam a sua nova obra. Assim a idealização da trilogia antiga só aumentou.

Fazendo com que tudo que rodeia Star Wars sofra pressões exageradas, cobranças inviáveis e tenha uma expectativa que nunca será alcançada. É humanamente impossível suprir milhões de idealizações diferentes, construídas por pessoas ao redor do mundo, é a receita perfeita para o fracasso. E é por isso que digo que Star Wars não possui muita salvação. Hoje em dia qualquer obra com o selo da franquia vai sofrer por conta deste contexto, infelizmente.

É impossível realizar uma obra que agrade a todos, mas para Guerra nas Estrelas parece impossível criar algo coeso, consensual, além da trilogia clássica. Até mesmo obras que tentam emular o que foi feito sofrem. Temos por exemplo o episódio VII (dirigido por J. J Abrams), que é estruturalmente semelhante, sem tirar nem pôr, ao episódio IV e mesmo assim gera muita controvérsia.

E se fosse lançado um filme com uma perspectiva nova (pelo menos no cinema) do mundo de Star Wars, da força e dos personagens? “The Last Jedi”, dirigido por Rian Johnson é exatamente isso, mas mesmo assim gerou muitos problemas. Porque afinal “esse não é o MEU Luke Skywalker”, “Star Wars não é assim”, “o MEU Luke Skywalker nunca faria isso”.

A onda de indignação e as pressões em relação ao episódio VIII foram tão grandes que afetaram a produção da finalização da trilogia e tivemos o “Ascensão Skywalker”. Que tentou voltar “às origens” do que seria Star Wars e mesmo assim foi uma bomba, até mesmo no público que reclamou tanto do filme anterior e queria algo mais “raiz”.

Ou seja, toda essa órbita impactou a finalização de um novo grande arco que estava sendo escrito. Lógico que isso não é desculpa, os produtores e empresa por trás poderia realizar o que tinha já sido planejado anteriormente e deixar as reclamações nas redes sociais. Mas também é ingenuidade achar que todo o barulho do fandom não tenha tido impacto nenhum.

The Mandalorian, a nova empreitada a ganhar destaque dentro do universo também está sofrendo dessa influência agora que a segunda temporada acabou, bem após o fechamento da nova trilogia. De novo tivemos mais discussões e divisão de facções entre pessoas que amaram a nova série, colocando ela até acima da nova trilogia de filmes (uma comparação estranha, visto a diferença no escopo de produção), até pessoas que não achavam tudo isso e que brigavam com o primeiro grupo.

E até aí tudo, pessoas brigando por conta de coisas que gostaram/não gostaram é uma terça-feira comum na internet não é? O problema é que tudo em volta de Star Wars é assim, toda e qualquer discussão, qualquer novo filme, trailer, jogo, livro, mudança na cor de uma nave, tudo que rodeia a discussão sobre essa grande franquia ficou insuportável em níveis acima do normal na internet (e o normal já é bem ruim).

Outras franquias também sofrem dessa problemática, mas como foi dito, Star Wars não é uma franquia comum, é algo sem comparação, então tudo o que envolve é sempre em grandes proporções. Ela chega ao nível identitário e se confunde com a formação da “comunidade nerd”, até é louco pensar que um dia essa história não existiu e as pessoas não estavam discutindo esse universo.

O que é triste, com essa idealização que exige um produto que nunca vai existir e com essas discussões eternas cada vez mais repercutindo pelas redes sociais ao ponto de atrapalhar uma super produção, ficamos sem a possibilidade do progresso. Ficamos sem ver outras perspectivas, outras ideias, outras visões, pelo menos por agora dentro desse universo fantástico. Perdemos a chance de saber o final das histórias que os Rian Johnson espalhados pelo mundo do entretenimento pretendiam realizar no mundo de Star Wars.

Que na próxima trilogia tenhamos mais ponderação, calma, menos idealizações e que consigamos pelo menos ver o que Taika Waititi quer para os filmes, sem interferências.

Por enquanto, nos resta assistir qualquer coisa relacionada a Star Wars e ficar o mais longe possível de discussões sobre Star Wars.

PS1: Lembrando que esse texto é opinativo e por tanto é momentâneo, opiniões são voláteis

PS2: Sendo a minha opinião, as ideias no texto não são normativas, você é livre para discordar, agir e sentir da maneira que te convém (a não ser que você esteja cometendo um crime)

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Leonardo Miranda
Didaticamente

Cursa Licenciatura em biologia na UFSCar - Campus Sorocaba. Professor de biologia, Filosofo de internet e Teólogo Amador.