2014: a Copa que não acabou

Diego Bonetti
Diego Bonetti
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9 min readJun 1, 2018

Por Marina Verenicz e Diego Bonetti

Quatro anos após a realização do Mundial no Brasil, Arena da Amazônia, Arena das Dunas e Mané Garrincha ainda sofrem as consequências do “Padrão FIFA”

Fonte: Unsplash

Às vésperas de mais uma Copa do Mundo, os efeitos do Mundial realizado no Brasil, em 2014, ainda reverberam. Não pelo sonoro 7 a 1 sofrido para a Alemanha, e sim pelas custosas arenas construídas para a disputa do torneio.

Falta de público, o alto custo de manutenção e o prejuízo financeiro vêm sendo problemas recorrentes enfrentados pelas sedes do mundial brasileiro. Se haviam dúvidas sobre a criação de “elefantes brancos”, o levantamento realizado pela reportagem, entre os anos de 2015 a 2017, mostra que, sim, eles existem. E o peso deles cai, como se previa, sobre os ombros do poder público. Não foram computados e analisados dados relativos aos anos de 2014 e 2018 por não serem períodos completos de análise.

Embora tenham sido elaboradas como espaços multiuso, as arenas construídas apresentam pouca utilidade para o futebol e suas respectivas cidades. Após quatro anos, as construções evidenciaram mal planejamento de projetos, desorganização e, consequentemente, desperdício de dinheiro.

Em entrevista à revista Exame, o consultor de marketing e gestão esportiva, Amir Somoggi, afirma que “os políticos que avalizaram os estádios deveriam vir a público e falar em implodir os menos rentáveis, como de Brasília, Cuiabá e Manaus”.

Para ele, a manutenção das arenas terá um custo bem maior se continuarem sendo mal utilizadas: “pensando em longo prazo, seria mais barato do que arcar com a manutenção. Agora, é claro que ninguém quer assumir esse desgaste político”, completou.

Dos 12 estádios que receberam partidas da Copa do Mundo, apenas a Arena Corinthians, em São Paulo, registra taxa de ocupação superior a 50%, no período. Mané Garrincha, em Brasília (30%), Arena Amazônia (26%), Arena das Dunas (15%) e Arena Pantanal (3%), registram as piores taxas de ocupação, durante os anos apurados pela reportagem.

A reportagem solicitou informações oficiais junto as arenas retratadas no levantamento, entretanto, não obteve resposta até a data de publicação desta matéria. Os dados aqui mencionados foram obtidos via Portal Globoesporte.com por meio do Professor da FAAP, Rafael Sbarai.

Para efeitos de comparação, os estádios das principais ligas europeias, como a inglesa e a espanhola, superam a taxa de 70%. A alemã vai além dos 90%. Esses percentuais europeus significam, de modo geral, um futebol mais rentável.

O fracasso da obra de Brasília, por exemplo, se explica pela grandiosidade da reforma. Com 72 mil lugares, o estádio foi o mais caro da Copa, custando mais de R$ 1,4 bilhão, de acordo com o Tribunal de Contas do Distrito Federal, erguido como plano B, caso a Arena Corinthians não fosse entregue a tempo da abertura.

A FIFA exige que estádios que recebem a abertura do Mundial, semifinal e final, tenham ao menos 60 mil assentos. Como a reforma do Mané Garrincha não previa a diminuição da sua capacidade após a Copa do Mundo, a Arena vive um drama atualmente.

Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha. Foto: Divulgação — Bento Viana Fotografia

Com apenas 22 jogos realizados entre 2015 e 2017, o estádio brasiliense registra péssimo resultado financeiro. Sem futebol local forte, o governo luta para minimizar os prejuízos de operação e planeja ceder para a iniciativa privada.

Em entrevista concedida à Folha de São Paulo, o secretario de Turismo do Distrito Federal, Jaime Recena (PSB-DF), afirmou ser “inegável a capacidade do estádio. Fomos críticos na época da construção. Acho que a capacidade para 45 mil pessoas estava de bom tamanho”.

Segundo ele, a arena, que está nas mãos do governo e tem custo mensal de manutenção de R$700 mil, tem registrado prejuízos mensais.

Não é de se espantar. Em partida realizada entre Brasília e Formosa, pelo Campeonato Brasiliense, em 8 de março de 2017, apenas 71 torcedores estiveram presentes. No entanto, não é o baixíssimo público que chama atenção neste caso, e sim, o valor do aluguel do estádio mais caro da Copa do Mundo de 2014.

O Governo do Distrito Federal prevê que, tratando-se de evento esportivo, o pagamento referente ao aluguel do Estádio Mané Garrincha será equivalente a 15% da renda bruta arrecadada, de acordo com o Parágrafo 1º, do artigo 7º do Decreto nº 34.561, de 09 de agosto de 2013.

A Federação de Futebol do Distrito Federal cobrou a irrisória quantia de R$ 33,80 para a realização da partida. Essa, inclusive, não foi a única vez que o aluguel saiu tão barato.

Boletim Financeiro da partida entre Brasília e Formosa pelo campeonato brasiliense de futebol, realizada em 08/03/2017 / Fonte: Federação de Futebol do DF

Em 15 de fevereiro de 2017, por exemplo, Real F.C. e Formosa, pelo Campeonato Brasiliense, precisaram desembolsar meros R$ 94,80 para atuar na arena que recebeu partidas da Copa das Confederações, Copa do Mundo e Jogos Olímpicos. Na ocasião, a Arena obteve renda bruta de R$ 632 com 164 torcedores pagantes.

Já em 12 de março de 2017, Brasília e Luziânia jogaram de graça. Isso mesmo. De acordo com o borderô da partida, o gasto com o aluguel foi de R$ 0. Para fins de comparação, o aluguel de uma quadra society na cidade de São Paulo, pode chegar a mais de R$ 300 por hora.

Se é muito barato alugar o Mané Garrincha para futebol, o mesmo não se pode dizer para outros eventos. De acordo com o Diário Oficial da União, o aluguel de espaços do estádio para a “Festa das Cores”, realizada também em 2017, custou R$ 61.020. O “Bier Hub Festival” saiu por R$3.463,39 e a colação de grau de uma faculdade local gerou R$ 5.493,07 para a Secretaria de Esporte, Turismo e Lazer.

A assessoria da Federação de Futebol do Distrito Federal se manifestou por meio de nota oficial a respeito da discrepância entre os valores praticados:

A Federação de Futebol do Distrito Federal — FFDF -, juntamente dos seus clubes filiados, entendemos que é necessário a abertura do Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha para os clubes da capital do país mandarem seus jogos. Caso contrário o espaço ficará inutilizado para o futebol. Além disso, todas as taxas são cobradas e legalmente aplicadas em forma de decreto. Em pronto reconhecimento, a FFDF e os clubes filiados, veem, por intermédio desta, agradecer ao Governo de Brasília, pelo empenho em abrir as portas para a utilização da Arena de Copa do Mundo, a fim de fomentar o futebol do Distrito Federal. Cremos que a medida foi tomada por conhecer a realidade da modalidade em âmbito local.

Tornar o Mané Garrincha em uma arena rentável é desafiador. Isso foi até possível em 2015, quando Flamengo, Vasco e Fluminense levaram suas partidas para o Distrito Federal. Os cariocas fizeram quatro partidas por lá, todas mais lucrativas do que as sediadas por eles no Rio de Janeiro.

E há razões que ajudam explicar este sucesso: a população de Brasília tem a maior renda per capita do país. Dos 2,8 milhões de habitantes, 48% são flamenguistas, 12% são vascaínos e 5,5% são tricolores, segundo pesquisa realizada pelo governo federal em 2017. Outro ponto que pesa é a demanda, uma vez que esses clubes raramente jogam em Brasília.

No entanto, a solução para equilibrar as contas da arena mais cara da Copa de 2014 durou pouco. Em 2017, a Confederação Brasileira de Futebol proibiu a venda de mandos de campo pelos clubes fora de seus Estados de origem.

A medida estipulada pela CBF quase que excluiu o Mané Garrincha do mapa do futebol brasileiro. Em 2017, apenas duas partidas foram realizadas na arena. A baixa atividade impediu outras receitas que o estádio poderia ter com alimentação, estacionamento, camarotes e patrocínio.

Brasília sofre a mesma situação da Arena Amazônia, em Manaus. As duas construções públicas estão localizadas em centros de nenhuma tradição no futebol nacional. De acordo com Sommogi, é inviável reverter o caso das duas arenas: “Não há um modelo de negócio possível para gerir esses estádios adequadamente. Não há sequer futebol local, organização esportiva. Nada pode amenizar o que é gasto”, concluiu.

Entretanto, não há cenário pior que o de Manaus. O déficit financeiro na gestão da Arena da Amazônia pode-se explicar por uma simples questão: entre os 12 estádios construídos para a Copa de 2014, a arena amazonense registra o número mais baixo de jogos realizados de 2015 a 2017. Em três anos, apenas seis partidas foram realizadas entre clubes das séries A, B, C e D, segundo levantamento da reportagem.

Após quatro anos de sua inauguração, a Arena da Amazônia, definitivamente, não conseguiu emplacar. A final do Campeonato Amazonense entre Manaus e Fast Clube, realizado em 7 de abril de 2018, contou com apenas 780 torcedores pagantes para uma renda de pouco mais de R$ 9 mil, conforme boletim financeiro divulgado pela Federação de Futebol Amazonense.

Para piorar, a Arena da Amazônia é alvo de investigação por fraude à licitação. Segundo o ex-presidente do setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, Benedicto Barbosa da Silva Júnior, houve um acordo entre a construtora e outra empresa do segmento, a Andrade Gutierrez, para frustrar a concorrência na licitação associada à construção da Arena da Amazônia.

Arena da Amazônia. Foto: Divulgação — Chico Batata/Agecom

Quem também está enrolada em investigações da Polícia Federal é a Arena das Dunas. Na Operação Manus, que apura crimes de corrupção e lavagem de dinheiro na construção do estádio, além de um superfaturamento de R$ 77 milhões, o ex-ministro do Turismo e deputado federal Henrique Alves (PMDB) foi preso como alvo da operação. Contudo, em maio de 2018, foi expedido alvará de soltura em favor do parlamentar.

A Arena concedida para a OAS por 20 anos teve seu custo estimado em R$ 400 milhões, financiados pelo BNDES. O valor, no entanto, deve ser bem maior para os cofres públicos. O governo potiguar se comprometeu a repassar dinheiro para a construtora, a título de contraprestações, para que ela devolva o dinheiro ao BNDES.

Arena das Dunas / Foto: Divulgação Ministério do Esporte

Os valores pagos pelo governo estadual superam, e muito, os prejuízos. A conta passa a fechar quando os impostos potiguares entram em campo. O contrato de concessão determina que 50% de receitas líquidas da arena têm de ser compartilhados com o governo do Rio Grande do Norte. Como não sobra dinheiro na operação, o estado não recebe nada.

Pelas arquibancadas o problema é ainda mais grave. A taxa de ocupação do estádio tem média de apenas 15% de sua capacidade, com público inferior a cinco mil torcedores.

Pelo Campeonato Potiguar de 2017, Alecrim e ABC duelaram para um público de 849 torcedores e 2% de ocupação. Nem partidas da Série B conseguiram atrair a atenção da torcida. O jogo entre ABC e Boa Esporte, pela Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro, contou com apenas 888 pagantes.

NAS MÃOS DA CBF

O que parecia ser uma solução para o problema de ocupação enfrentado pelas Arenas, qual seja, a venda de partidas para times de outros estados, demonstrou ser apenas um suspiro de esperança.

A Confederação Brasileira de Futebol, em acordo com a maioria dos clubes (14) da Série A do Campeonato Brasileiro, optou por proibir os times de mandarem jogos da primeira e segunda divisão do torneio fora de seus Estados de origem, a partir de 2017.

A situação é preocupante, e os responsáveis pelos espaços não receberam a medida com bons olhos. Os gestores dos estádios declaram que a decisão compromete de maneira direta nas receitas, pois é por meio delas que jogos de campeonatos regionais podem ser facilitados nas respectivas arenas.

“É uma decisão muito ruim. E, na minha opinião, equivocada. Fere principalmente o torcedor. Não prejudica somente os Estados que não vão poder mais receber jogos”, afirmou o secretário de Turismo do Distrito Federal, Jaime Recena.

Com a revolta dos gestores das arenas, a CBF se viu em situação complicada e no Conselho Técnico do Campeonato Brasileiro de 2018, os clubes votaram pela liberação da realização de jogos fora do estado dos clubes e novas regras foram estabelecidas.

Ficou determinado que cada time pode vender, no máximo, cinco mandos de campo e proibido de negociá-los nas últimas cinco rodadas. A medida deve diminuir o tamanho dos prejuízos que as arenas têm enfrentado com o baixo número de partidas. No entanto, com a nova regra, as arenas seguem em grandes dificuldades financeiras. A herança do "Padrão FIFA" está nas mãos da CBF. Resta saber se a entidade máxima do futebol brasileiro assumirá a responsabilidade que lhe é competente.

Marina Verenicz é advogada, estudante do curso de jornalismo na FAAP e editora da segunda edição do LabJor FAAP.

Diego Bonetti, publicitário, estudante de jornalismo na FAAP e editor de esportes da segunda edição do LabJor FAAP.

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