A criminalização da defesa

Diego Bonetti
Diego Bonetti
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4 min readJun 1, 2018

O advogado como “culpado”

Por Diego Bonetti e Marina Verenicz

Em julho de 2014, durante o julgamento do processo que ficou conhecido como Mensalão, a postura do ex-Ministro Joaquim Barbosa, à época Presidente do Supremo Tribunal Federal, diante da presença do advogado de José Genoíno na tribuna, abriu espaço para uma discussão que há muitos anos estava abafada, a criminalização da advocacia.

Na ocasião, segundo nos conta a advogada Paola Forzenigo, especialista em Direito Penal e sócia do escritório Leite, Sinigallia e Forzenigo, o advogado Luiz Fernando Pacheco, defensor do José Genoíno, ex-Presidente do Partido dos Trabalhadores e ex-Deputado Federal pelo Estado de São Paulo, compareceu em uma sessão de julgamento e, após a abertura da sessão pelo Presidente, na época o ex-Ministro Joaquim Barbosa, “pediu a palavra formalmente, começou a falar sobre o caso, e foi recebido com uma imediata hostilidade”.

Segundo Fozenigo, “desligaram seu microfone e o retiraram pelos seguranças do Tribunal, onde teria total direito de estar, defendendo seu cliente”. A advogada destaca que o surpreendente aqui “não é o caso em si, mas a criminalização da advocacia: A discussão dura um minuto, os seguranças chegam nele e o retiram à força de lá”.

O Estado Democrático de Direito foi consolidado no Brasil pela Constituição Federal de 1988, e prevê em seu art. 133: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

Apesar do texto constitucional salientar tratamento igualitário aos agentes do processo — advogados, magistrados e Ministério Público — na prática existe literalmente uma escada nas salas de audiência de todos os tribunais, que coloca magistrados e Ministério Público, como “aliados”, no degrau superior. O advogado, fica do lado oposto a eles, e, num degrau abaixo na escada.

A postura não é reservada aos meios jurídicos. Ela se reflete na sociedade: cada vez mais temos observado, por todos os meios de comunicação, a disseminação do ódio e a comemoração, com entusiasmo, de práticas punitivas que contrariam em grande parte os direitos e garantias conquistados a tanto custo pós-Ditadura Militar.

Essa “maré punitiva”, em muito patrocinada pelos programas vespertinos de “jornalismo de entretenimento”, aos poucos destrói simbolicamente a figura do advogado. Que, de garantidor das regras do jogo, passa a ser visto como um empecilho da sanha justiceira.

Na abordagem sensacionalista dos julgamento principalmente — mas não só nelas — , decisões judiciais são criticadas quando não corroboram os anseios dessa nova sociedade punitiva. No entanto, não se demonstra quais são os mecanismos judiciais que ocasionaram naquela decisão. A “culpa” recai sobre o advogado, tornado vilão ao cumprir seu papel no jogo da Justiça. Paradoxalmente, seguindo as regras e os princípios da lei e da Justiça é visto como o antagonista desta.

Segundo a advogada Paola Forzenigo,

“as pessoas têm a ideia que advogado quer apenas absolver seu cliente, mas não. Às vezes no caso de um réu confesso, você quer simplesmente que seu cliente tenha um julgamento lícito, decente. Uma pena compatível com o crime que ele cometeu, que as atenuantes sejam aplicadas conforme a lei prevê, e também o direito às diminuições de penas, ao regime diferenciado por questões de saúde ou idade. É isso que os advogados batalham para alcançar, não somente uma absolvição a qualquer custo, isso é uma visão muito deturpada do nosso trabalho”.

Para completar a discussão, o LabJor FAAP também entrevistou o advogado criminalista Marcelo Feller, que traçou pontos interessantes sobre a criminalização da defesa.

Num momento da tão famosa polarização da discussão política brasileira, a o papel da defesa e da acusação devem ser compreendidos como parte da manutenção de um Estado de Direito que deve proteger a todos. Nesse sentido, talvez fosse necessário compreender que o advogado não defende o crime, mas a pessoa que pode ou não tê-lo cometido, de acordo com o previsto nas leis pátrias. Num Estado de Direito, todos têm direito a julgamento justo — o que pode implicar, inclusive, numa pena justa. Só num Estado ditatorial e autoritário se acusa sem defesa. Quando se substitui a presunção da inocência, pela presunção da culpa — os direitos e liberdades de todos os cidadãos ficam ameaçados e não, como equivocadamente se pensa, apenas os direitos e liberdades dos verdadeiros culpados — até que se prove sua culpa.

Confira os outros temas abordados pelos advogados criminalistas, Marcelo Feller e Paola Forzenigo:

Diego Bonetti é publicitário, estudante do curso de jornalismo na FAAP e editor da primeira edição do LabJor FAAP.

Marina Verenicz é advogada, estudante do curso de jornalismo na FAAP e editora assistente da primeira edição do LabJor FAAP.

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