Entrevista com João Gabriel de Lima e Alberto Bombig

Diego Bonetti
Diego Bonetti
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16 min readJun 1, 2018

Jornalistas revelam os bastidores da notícia

Tá um momento bacana do jornalismo brasileiro, do ponto de vista do exercício da profissão. Há dificuldades no mundo todo. Não só na nossa imprensa. Mas, na questão do exercício da profissão, o jornalismo evoluiu muito. Acho que teve um grande salto nos anos 80. E está tendo um salto agora. Sai um jornalismo melhor do Brasil depois dessa crise política. (José Alberto Bombig)

Ao som do jogo de futebol e dos torcedores no bar, do barulho dos copos batendo na mesa e dos gritos de gol o LabJor FAAPouviu os jornalistas João Gabriel de Lima, que até setembro deste ano era diretor de redação da Revista Época, e José Alberto Bombig, editor executivo do jornal O Estado de S.Paulo.

Foi nesse clima de conversa de bar que o debate adentrou por temas sérios e espinhosos: a cobertura da Lava Jato, as dificuldades, obstáculos e exageros da operação anticorrupção, a opinião pública e ainda as eleições 2018 (mas essa parte da entrevista fica para a nossa próxima edição). E já que o assunto era corrupção, jornalismo e espetáculo, a primeira pergunta não poderia ser outra.

Diego Bonetti: Primeiro tema aqui que eu separei na verdade é sobre o filme da Lava Jato. Queria saber se vocês viram o filme?

Bombig: Não assisti.

João Gabriel: Eu também não assisti.

Diego: Por que não assistiram ao filme?

Bombig: Não vi por questões de agenda, mas tenho muito interesse de ver obviamente.

Diego: Pelo que vocês ouviram de críticas em relação ao filme, vocês acham que o filme é mais informação ou mais espetáculo?

J. Gabriel: É cinema. Cinema é entretenimento, não é jornalismo. Eu tenho um amigo que foi ver, e achou muito bom. Ele não é jornalista. Eu não verei com olhos de jornalista, mas sim com olhos de quem está procurando uma diversão e uma boa história. Há muitos casos de corrupção desde a redemocratização. Então eu acho estranho nunca terem feito um filme assim antes. O caso do Celso Daniel seria uma grande história. PC Farias. Em ambos os casos foram crimes de difícil investigação e nenhum deles ficou 100% solucionado.

Bombig: Você vai ao cinema sabendo que aquilo é um filme inspirado em fatos reais. Tive oportunidade de perguntar para o Dellagnol (procurador) e o Moro (juiz) sobre o que eles acharam do filme. E o Dellagnol fez uma piada: falou que ele é mais bonito que o ator que o interpreta.

Edilamar Galvão: Aproveitando a menção ao Dellagnol, aquela situação do powerpoint produzido por ele e que virou piada nas redes sociais. Você acha que isso gerou para ele algum tipo de autocrítica?

Bombig: A autocrítica dele é difícil saber. De fato, a Lava Jato perdeu um pouco de apoio depois daquilo. O apoio a ela ainda é praticamente unânime, como mostram as pesquisas. Mas dali para frente alguns setores começaram a questionar o Ministério Público. Não sei se ele fez uma autocrítica, mas de fato ali tem um ponto de inflexão, digamos assim, na narrativa da operação.

J. Gabriel: A força-tarefa da Lava-Jato é feita de gente bastante qualificada em termos jurídicos, tanto que as coisas que eles fazem geralmente são homologadas por seus superiores. E estudaram casos estrangeiros, principalmente a operação “Mãos Limpas” na Itália. Essa operação ensinou a força tarefa da Lava Jato que a corrupção é uma coisa tão enraizada dentro do poder que você não faz combate à corrupção sem o apoio da opinião pública.

Então eles buscam o tempo todo o apoio da opinião pública. De que jeito? É você sair bem nas manchetes de jornal. Mas aimprensa não se deixa usar. Ela quer as notícias que eles (Lava Jato) têm.

E às vezes eles caem em exageros. Evidentes exageros. Chamo de exagero por que beira o ridículo. E, nesse caso, (do powerpoint)virou piada por que era ridículo. Então na tentativa de ganhar apoio, ele (Dellagnol) passou um pouco do ponto. E aí eu concordo com o Beto de que houve uma certa inflexão mesmo. Por que um sujeito pode até acreditar ou não na interpretação deles, e pode até fazer sentido. Mas do jeito que ele apresentou, foi exagerado.

Bombig: Acho que ali também eles descobriram que tem adversários. A Lava-Jato corria muito solta.

A defesa do Lula e os grupos de apoio foram muito hábeis de também fazer o jogo da opinião pública, como dizia o Gabriel. “Vocês querem jogar na opinião pública? Vamos jogar na opinião pública, então”. Aí saiu meme. O Brasil, do mensalão para cá, acordou pra discussões em relação a esse tipo de coisa: Supremo Tribunal Federal, MP, acusação, denúncia e o trâmite judiciário.

Na verdade, para o Promotor aparecer e dizer: “o cara é culpado, é um gângster, é um vagabundo” é a função do Ministério Público. O MP é acusatório por essência. Cobrou-se muita prova do Ministério Público. E, na verdade, quem tem que analisar a qualidade da prova é o juiz.

Edilamar Galvão: Mas no Brasil, a figura do Moro é muito próxima do Ministério Público. Nesse triângulo jurídico da defesa, do Ministério Público e do juiz, ele parece estar ao lado da Promotoria. E, aliás, no Tribunal ele literalmente está.

Bombig: A turma da Lava Jato foi jogar na opinião pública e eles perderam nesse caso (do powerpoint). Se eles tivessem mantido a questão no campo do jogo jurídico talvez a discussão não tivesse sido banalizada. De fato no Brasil a lei permite isso: o juiz comandar a investigação. Nós temos o juiz na prática comandando porque o MP tem que requerer ao juízo: “Requeiro autorização para grampear tal pessoa”. Ele pode aceitar ou não. Então é uma questão complicada, por que o Moro comanda a investigação e ele mesmo julga.

É uma questão complexa. Tem que debater mais com os advogados, com os juristas. Mas é de fato um problema complicado na legislação. Eu, juiz autorizo uma escuta, uma quebra de sigilo, e autorizo a coleta de provas que eu vou julgar se são válidas ou não.

J. Gabriel: Na Inglaterra, os partidos que não estão no governo são a minoria. E, assim, você tem um líder da maioria e um líder da minoria. Cabe à liderança da minoria nomear todas as instâncias de controle. O que seria equivalente ao presidente do TCU na Inglaterra, é nomeado pela oposição. Isso cria uma arquitetura institucional muito bacana, muito interessante, em que você tem um poder, e você tem um Congresso fiscalizando um poder. E quem fiscaliza o poder é um poder eleito também. No Brasil isso nunca funcionou. Quem acabou tomando o protagonismo nisso foi o Judiciário, que é o poder não eleito.

Agora, o que temos aqui na arquitetura institucional brasileira, é isso. Dentro dessa coisa de ter um executivo, um legislativo-situação e um legislativo-oposição cooptado pelo Governo, você tem uma arquitetura que é um convite ao roubo. Por que a corrupção nunca é investigada. Quando aparece o poder do Ministério Público, que vem da Constituição Federal de 1988, o Judiciário vai ganhando protagonismo. E, mesmo assim, tem aquela figura do engavetador geral da República.

Aí tem uma coisa muito interessante do governo do PT: é no governo Lula que pela primeira vez o Procurador Geral é escolhido pelo Judiciário. Você dá um sinal de independência para o Judiciário, o que acaba criando um maior equilíbrio de poderes dentro dessa distorção.

Bombig: Há gente boa e importante no Brasil que acha que o MP tem poder demais; que a Constituição de 88 deu aos Procuradores poder demais. Com uma vantagem: eles podem migrar para a política quando quiserem e voltarem à carreira. O juiz não.

Diego Bonetti: Fica bem confortável a posição deles.

Bombig: Não é bem assim. Por que se você é procurador e vai para carreira política, quem garante que você não está usando da investigação para fazer política? O juiz, para seguir carreira política, tem de abrir mão do cargo. O que é difícil, por que o grande atrativo da magistratura é sua aposentadoria com o salário no topo. Tá cheio de caso de promotor que fez uma investigação, e apareceu pra sociedade por meio dela.

J. Gabriel: O Protógenes! [referindo-se ao Delegado Protógenes Queiroz]

A gente não sabe se a Lava Jato de Curitiba terá algum candidato. Se tiver, não vamos dizer que está errado. Está dentro da lei. Ou a gente é legalista ou não é.

Edilamar Galvão: Uma das questões que estávamos discutindo é o quanto o jornalismo no Brasil pode estar um tanto refém da investigação que é feita pelo MP. No sentido de noticiar a investigação que o MP conduz e de o jornalismo não ter independência investigativa.

Bombig: É caro fazer investigação. Você manter um repórter investigando um “troço” é você manter quatro meses ele fora da pauta e ele não trazer nada para você. Como o jornalismo enfraquecido pode investigar os bancos, o poder? Essa é mais uma questão de fundo, mais profunda. A outra é: o volume de informação que o MP produz hoje é muito grande. É assustador.

O cara chama uma coletiva de imprensa. Não é nem que o repórter vai ver uma coletiva e vai voltar para redação para escrever. Agora ele vai ver o Procurador dar entrevista e colocar no online. É um “disse-afirmou”, “disse-afirmou” violento. Agora o que você faz, priva o seu leitor de saber disso?

J. Gabriel: Fiscalizar o poder é uma coisa do jornalismo. Antes de você ter essa liberdade investigativa que você tem no Brasil, o jornalismo investigava por conta própria e dava as matérias. Só que tem uma coisa interessante, tome as provas de um caso que um jornalista consegue: elas nunca terão a qualidade das provas de um caso que o MP consegue. Porque o MP pode fazer coisas que o jornalista não pode. O jornalista não pode grampear alguém, o jornalista não pode escutar ou ouvir alguém. Não pode remexer o lixo de alguém por provas. O MP investiga. Então, para o jornalismo virou uma coisa sensacional, porque você passa a ter notícia de uma investigação profissional. Aquilo é super-relevante do ponto de vista do cidadão, por que qualquer coisa que transparece o poder é cidadania. O lado ruim é que o jornalismo se viciou um pouco. Tem jornalista que prefere cultivar a fonte do promotor para conseguir as provas no whatsapp e colocar online, do que realmente fazer suas próprias investigações.

Isso tem muito a ver também com a natureza do mundo digital, quer dizer, trabalhando na Época, eu só publicava coisa que estava muito bem apurada e muito bem investigada, com investigação própria do jornalista. Mas eu era uma revista semanal. Agora quando você está na guerra do dia a dia, dar cinco minutos antes um trecho de uma investigação vazada, isso conta. Esse é um momento difícil. Um momento de desdobramento, mas que já está se revertendo. Por que as pessoas estão vendo que há valor dentro do jornalismo: é a checagem dos fatos, é a publicação de coisas que ninguém mais conseguiu e que fogem do campo do procurador. Outra coisa ruim do vazamento do procurador: ele pode te levar a uma notícia descontextualizada.

Houve um certo deslumbramento com isso no Brasil, o que levou a exageros.

Nesse momento, Walter, goleiro do Corinthians, defende um pênalti. O bar vai à loucura, e o corinthiano Diego Bonetti pede tempo na entrevista. Voltando…

Diego Bonetti: A que ponto o jornalista pode interferir no processo penal?

Bombig: Eu acho que o jornalista tem de divulgar. Se você me entregar uma delação, eu posso não divulgar apenas se eu olhar jornalisticamente e achar que tem algo estranho e que você tem de apurar um pouco mais. Mas é uma decisão minha, do editor. Mesmo assim é complicado, pois, ao não divulgar, eu posso proteger o alvo da delação.

Diego Bonetti: O valor da informação se sobrepõe ao exercício da justiça?

J. Gabriel: Qual o trabalho do jornalismo? É um trabalho acima de tudo cidadão. O que é cidadania numa democracia? É dar transparência total a todas as informações públicas. Se o político na vida pessoal tem determinadas características sexuais não é uma questão pública. Agora, se ele rouba, é uma questão pública. Se ele aparece numa delação, é uma questão pública.

Bombig: Uma coisa é vocês falarem da emenda que garante liberdade de imprensa e a outra, é o sistema da Justiça, que é uma coisa muito mais complexa. E nós (jornalistas) também estamos submetidos à Justiça. Porque, se eu te difamar, te caluniar, eu posso ser processado e responder pelo Código Penal.

J. Gabriel: Qualquer lei de imprensa é censura. Por que todos os delitos da imprensa são cobertos pelo Código Penal. A imprensa não pode mentir. Agora, se eu tenho acesso a uma informação, mesmo ela sendo protegida pela Justiça, se eu publico essa informação, nenhum juiz, pela Lei da Liberdade de Imprensa, vai me punir por isso. Democracia é liberdade de imprensa. Essa informação era relevante para o público? Era relevante para o público no exercício da democracia.

Bombig: A melancia se ajeita conforme o caminhão anda. Nós estamos aprendendo a fazer isso. A delação é um instrumento novo no Brasil. É do governo Dilma a lei que regulamenta as delações. E o que nós (imprensa) fizemos no primeiro momento foi: publique-se. Como é que depois de tudo que a gente divulgou do PT, você pega a delação do Aécio e fala: “tenho que checar”? A prática que desenvolvemos no Brasil é: divulgue-se.

A delação do Delcídio do Amaral está se mostrando uma grande groselha. Delcídio não sabia de nada, não tem nada ali. Depois que nós divulgamos a do Delcídio, como que nós não vamos divulgar a do Joesley Batista?

Diego Bonetti: O que seria mais importante? Com essa informação, eu poderia anular uma prova concreta. Eu vou em frente em nome da minha profissão?’

Bombig: Tem advogado que vaza delação para “melar”.

J. Gabriel: Tem muito advogado que não fechou uma delação, mas ele pressiona para que a delação dele seja aceita. Mas essa delação não foi homologada. Teve matérias que eu não publiquei por que eram coisas que o advogado estava dizendo, e que ele obviamente queria que o MP aceitasse. O cara não tem nada de novo — eu não publico, eu acho irrelevante. Mas isso é uma decisão caso a caso.

Bombig: A gente dá coisas somente quando temos o papel na mão. Se não tem o papel não damos. Se pudermos pelo menos ver o documento, daí checamos com fontes a legitimidade dele. Por exemplo, quando a VEJA disse que o “amigo” [referindo-se ao codinome dado ao Lula nas planilhas da Odebrecht] das planilhas era o Lula, nós não demos essa informação. Aí quando a VEJA deu que o “santo” [referindo-se ao codinome de Alckmin nas planilhas da Odebrecht] era o Alckmin, nós também não demos.

Quando o Moro abriu os papéis em que o MP afirmava que o “amigo” era o Lula e que o “santo” era o Alckmin, com base nas delações, aí nós demos. Só que nisso teve um gap de quatro meses. E o leitor mandava cartas: “um absurdo! Vocês estão apoiando o Lula, vocês não dizem que ele é o ‘amigo’ das planilhas. Vocês apoiam o Alckmin, vocês não falam que ele é o ‘santo’ das planilhas”. Quando nós vimos, aí nós demos. Tem coisa que é muito difícil de você saber. A informação vem numa avalanche.

J. Gabriel: Jornalismo é a profissão mais fascinante que existe por definição. E nesse momento é ainda mais legal, só que difícil.

Bombig: Palavra de delator, todo mundo questiona hoje. Os dois lados começaram a questionar.

Termina o jogo e o bar entra em polvorosa. Os torcedores corinthianos vibram com a vitória do seu time. Principalmente os corinthianos Pedro Knoth, Diego Bonetti e Edilamar Galvão. Os são paulinos Larissa Rufato, Alberto Bombig e João Gabriel fazem pouco caso. Mas a entrevista continua.

Edilamar Galvão: A gente sabe que a cultura digital propiciou uma proliferação de fake news. Mas vocês dois trabalham naquilo que chamamos de velha guarda ou de “grande imprensa”. Mas isso hoje não significa necessariamente credibilidade. A autoridade dessa imprensa é muitas vezes questionada por sites noticiosos, que às vezes são excessivamente engajados. Como vocês vêm isso?

Bombig: Eu acho isso saudável. Não tem problema nenhum em ser questionado. Acho que a gente faz um produto jornalístico. Você compra se quiser, assina se quiser. Quer reclamar? Está no direito de consumidor.

Conheço o João Gabriel também, foi meu chefe, meu editor. Para mim ele nunca teve essa suscetibilidade, sempre foi aberto a críticas e tudo mais. Acho que é uma questão dos novos tempos. Vai depender do consumidor de informação se adequar ao que ele quer.

Eu tinha uma amiga que era funcionária da Kaiser. Nós fomos num bar e ela pediu uma cerveja Kaiser. E aí eu perguntei: “Por quê?” e ela respondeu: “por que eu trabalho na empresa Kaiser”. “Mas não é minha cerveja predileta”, eu disse. Ela respondeu: “Pede outra você, eu vou tomar Kaiser”. Eu trabalhava na Folha na época e aí falei: “isso quer dizer que eu não posso ler o Estadão?”. E aí ela disse: “não, você tem de ler o Estadão. Ler o Estadão te faz um jornalista melhor para a Folha. Eu tomar a Antártica não melhora a Kaiser”.

Aquele dia foi uma aula que eu tive.

Informação não faz mal. Eu fico muito preocupado com essa coisa que tem hoje. Eu venho de uma geração que lia tudo. Minha obrigação, como jornalista, é ler tudo. E a imprensa estabelecida, a grande imprensa, está diante de um grande desafio: ela tem de sobreviver e tem de levar informação de qualidade. Ela (grande imprensa) deveria entrar nessa briga, com campanhas: “você tem de me ler e não ler o outro”. Nos Estados Unidos, me parece, a imprensa tradicional cresceu depois da eleição do Trump.

J. Gabriel: Vou começar citando Hannah Arendt. Quando teve o livro “Eichmann em Jerusalém”, ela era uma filósofa que foi contratada pela New Yorker para exercer a profissão de jornalista. Ela escreveu a reportagem dela sobre o julgamento do Eichmann. É uma judia escrevendo sobre um carrasco nazista. Escreveu uma matéria em que trouxe à tona a expressão “banalidade do mal”, relatando que o carrasco nazista não era um monstro, mas sim um funcionário de uma burocracia que o levou a isso. E aí ela dá um perfil do cara. Ela fez, por essência, jornalismo.

Ela fala o seguinte:

“a filosofia está sempre ocupada com as grandes verdades. Eu não estou preocupada com a grandes verdades, mas sim com as pequenas verdades, as verdades factuais”.

Existe uma verdade, que é a verdade dos fatos. Você pode construir mil teorias a respeito do factual. Você pode, a partir de um mesmo fato, defender dois pontos de vista diferentes. Os fatos são essenciais para uma democracia.

Recentemente, o ex-Presidente Obama esteve aqui no Brasil e ele falou o mesmo dos fatos: “minha grande preocupação com a democracia americana é que chegou um momento em que as pessoas não estão concordando sobre fatos básicos. Você não discute, não tem debate”.

Essa introdução toda foi para dizer o seguinte: que todo mundo que busca os fatos, os dados, os acontecimentos mais básicos, mas que são tão importantes, está fazendo jornalismo.

Dentro do mundo atual, você tem uma explosão de conteúdos. Você tem também uma nova explosão de veículos jornalísticos. Os veículos maiores, a legacy media, como dizem os americanos, ela está menor.

Nos EUA vocês tem várias start-ups de jornalismo: o Vox, o ProPublica. No Brasil, você tem Poder 360, o Jota e o Nexo, para falar as três mais bem sucedidas. Do ponto de vista comercial, principalmente o Jota, depois o Poder 360, e depois o Nexo. Acho que isso vai acontecer cada vez mais daqui pra frente: mais marcas jornalísticas.

Quem está procurando o fato, fazendo uma reportagem, está apurando, está querendo trazer essa verdade “pequena”, está fazendo jornalismo. Quem está só dando opinião, não está fazendo jornalismo, está fazendo outras coisas: está fazendo militância política, está fazendo descredibilização do jornalismo. Dentro de quem está fazendo jornalismo, você pode escolher o veículo que você quiser.

E eu posso ser meio inocente, talvez, mas acho que as pessoas sabem diferenciar fato de opinião. Elas não querem admitir às vezes, mas sabem que se eu digo que a pobreza brasileira diminuiu de 20% para 17% de 1994 para cá (2017), e que tiveram dois picos de diminuição da pobreza, um no momento da estabilização política do Fernando Henrique — que caiu de 20% para 17% — e o outro, no governo Lula, com os programas sociais — que caiu de 17% para 11% — isso é fato. Eu posso gostar mais do Fernando Henrique ou do Lula, e posso tecer um monte de argumentações defendendo um ou outro a partir desse mesmo fato.

Essa questão dos fatos é o que define o que é jornalismo. E o jornalismo só terá credibilidade quando ele tiver os fatos e mostrar que aquilo que ele está escrevendo é fato.

Bombig: O jornalismo político, que é muito a minha área, no Brasil e no mundo, é uma tribuna política. Mentir e subverter fatos nunca. Mas você ter espaço para abrir para ideias que os jornais às vezes não têm espaço, ou não querem discutir, eu não vejo problema. Por exemplo, os sites que pegam as notícias produzidas pela grande imprensa e replicam da maneira deles, e que agregam o artigo de alguém defendendo o lado deles, tudo bem.

Fake News não, mas pluralidade de ideias é sempre bacana. É claro que em um país deste tamanho é impossível três veículos resumirem o pensamento da sociedade.

J. Gabriel: O jornalismo, em tese, é o campo sobre o qual o debate público se firma. Os veículos são, ao mesmo tempo, o lugar onde o debate está, graças à pluralidade de opiniões, e também são uma voz. Pois, os jornais têm sim opinião; eles têm editoriais, que dizem o que o jornal pensa, e isso é absolutamente legítimo.

Bombig: Nós estamos entrando num momento muito legal do país. A Folha publicou um artigo com o Zé Dirceu. Levantou-se o debate: vamos dar espaço para um condenado? Vamos. Tem de dar. O jornalismo está errado ao fazer isso? Não. Agora, é obvio: vamos entrevistar um condenado, fazendo todas as ressalvas, os procedimentos possíveis. Mas tem de ouvir. Isso eu acho bacana.

Tá um momento bacana do jornalismo brasileiro, do ponto de vista do exercício da profissão. Há dificuldades no mundo todo. Não só na nossa imprensa. Mas, na questão do exercício da profissão, o jornalismo evoluiu muito. Acho que teve um grande salto nos anos 80. E está tendo um salto agora. Sai um jornalismo melhor do Brasil depois dessa crise política.

J. Gabriel: O salto dos anos 80 é muito fácil de entender: não tem jornalismo sem democracia. Assim como não há democracia sem jornalismo, como dizia Thomas Jefferson.

O Brasil é uma democracia desde 1985. Dá até para dizer que antes disso ele nunca foi uma democracia, propriamente. A Índia, por exemplo. O que eu acho mais incrível da Índia, é que é uma democracia desde 1947 e todo mundo vota. O Brasil tinha uma coisa absurda: o analfabeto era proibido de votar. Criou-se um grupo de cidadãos de segunda classe, ou de não cidadãos. Se você pensar que só a partir de 1985 todo mundo vota, ou seja, que há o sufrágio universal, é impressionante. A democracia no Brasil é ainda muito nova.

Alguém falou: “o Brasil teve um grande período democrático de 46 a 64”. Mas sabe quantos votavam? 23% da população.

Eu acho que o jornalismo reflete um pouco isso: o Brasil é democrático desde 85. Temos uma imprensa que se fortalece na democracia.

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