Entrevista com Renato Janine Ribeiro

Diego Bonetti
Diego Bonetti
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5 min readJun 1, 2018

“O Brasil mostra sua cara. E é uma cara muito feia”.

Por Diego Bonetti e Marina Verenicz

“O Brasil está mostrando a sua cara, para pegar a música do Cazuza, e é uma cara muito feia, muito horrorosa, por isso muita gente não quer olhar, tapa o olho, prefere continuar culpando os outros. Mas se há uma coisa positiva nisso tudo que a gente está vivendo é que de alguma forma está se mostrando a podridão. Se mostrar a podridão levar as pessoas a uma limpeza, terá sido bom, mas eu não estou convencido de que as pessoas queiram ver isso”.

Assim, o filósofo e ex-ministro da educação, Renato Janine Ribeiro, resume o momento atual de enfrentamento da corrupção, mas também de uma sociedade que, segundo o professor de Política e Ética na USP, precisa enfrentar feridas mais profundas como a miséria e a desigualdade social:

“Nós estamos falando de corrupção, e a corrupção é uma deficiência importante no Brasil, mas pior que a corrupção é a existência da miséria. A miséria ocupa o lugar na sociedade brasileira hoje, que a escravidão ocupava no século 19. E não adianta a gente ficar discutindo o segundo colocado no ranking da falta de ética”.

Para falar das raízes da corrupção no Brasil, e de alguns dos tantos temas que aborda no seu mais novo livro A Boa Política, Renato Janine Ribeiro recebeu a reportagem do LabJor FAAP numa agradável tarde de terça-feira, em sua casa.

Nessa entrevista, Janine explica o que denomina três tipos de corrupção — antiga, moderna e pós-moderna –, também fala sobre engajamento político, os movimentos de 2013, a credibilidade das nossas instituições e, claro, sobre Educação — o único ambiente, segundo ele, em que ainda é possível sentir entusiasmo.

Foto: Acervo Pessoal

Renato Janine Ribeiro lançou esse ano A Boa Política, pela editora Cia das Letras. Direitos humanos, o ideário da direita, o ideário da esquerda, eleições, voto obrigatório, utopia, democracia, república corrupção, entre outros temas, fazem parte dos assuntos abordados na obra pelo autor. Janine é doutor em Filosofia pela USP, professor titular na disciplina de Ética e Filosofia Política e professor honorário do Instituto de Estudos Avançados da USP. É membro do Conselho Consultivo de Inhotim e do Conselho Superior de Estudos Avançados da FIESP. Entre abril e setembro de 2015, assumiu o ministério da Educação no governo Dilma Roussef. Autor de vários livros, recebeu em 2001 o prêmio Jabuti pelo livro A Sociedade contra o Social, da Cia das Letras.

Nesse primeiro trecho da entrevista, Renato Janine Ribeiro explica a diferença entre os três tipos de corrupção — antiga, moderna e pós-moderna. E é esta última que melhor define o estágio atual da corrupção, não só no Brasil, mas também no mundo:

“A corrupção pós-moderna, relativamente recente, de algumas décadas, é uma corrupção nefasta pela seguinte razão: o preço das campanhas que faz com que até mesmo gente decente, que pessoalmente não colocaria um centavo no bolso, mas que se corrompe, ou que entra no jogo da corrupção para pagar as campanhas eleitorais. As campanhas eleitorais ficaram muito caras no brasil e no mundo. Nos EUA são caríssimas, no Brasil são muito caras. Então, diante disso, você tem uma necessidade de arrecadar dinheiro para com isso pagar de tudo, desde montagem de peças publicitárias, até pesquisas quali e quantitativas, até apoios políticos. Ela não significa necessariamente que a pessoa seja desonesta, é uma corrupção do sistema eleitoral especificamente”.

Qual a história por trás do velho jargão “rouba mas faz”? A expressão significa uma tolerância do brasileiro em relação à corrupção? Para Janine, na verdade, ela reflete uma “descrença profunda de como o político possa ser ele mesmo positivo”. Além disso, o professor enfatiza sua visão de que “a pior corrupção é a existência da miséria”.

A história do Brasil parece confundir-se com a história da corrupção, ela é muito antiga”,

diz Renato Janine. “Agora, enfrentar a corrupção fica nessa ficção, nessa fantasia, de que você pode fazer isso sem ninguém perder nada, ao contrário, todo mundo ganharia. Por isso que a corrupção, que tem de ser combatida, não há a menor dúvida, funciona muito como uma forma de ocultar a grande violência brasileira, que é a violência contra os pobres”.

Para o professor Renato Janine Ribeiro, as manifestações de 2013 não tiveram por foco a corrupção: “O ponto crucial era para tornar o Brasil um país socialmente digno, fazer com que a educação pública, a saúde pública, o transporte coletivo tivessem padrão FIFA”. E, para ele, a “mídia, muito habilmente, desviou esse movimento para o combate à corrupção”.

O engajamento político da sociedade é essencial para a melhorar a sociedade, afirma Renato Janine. Mas, o professor acredita que isso deveria se dar essencialmente “de baixo para cima”. E não com uma política civilizadora “de cima para baixo”, que ele chama de iluminista. Essa, apesar de necessária e digna, pode não ter um efeito duradouro. “O que tinha que mostrar é que as pessoas têm de reivindicar e exigir as coisas debaixo para cima, mas isso só vai acontecer se houver uma articulação política, se houver partidos, movimentos, organizações, protestos etc.” Segundo Janine, “esse tipo de organização de grupos, de direitos, você tem nos franceses, tem até nos americanos, mas no Brasil é muito raro, é mais comum que as pessoas fiquem resmungando”.

“A credibilidade das instituições não está ameaçada. Ela acabou”.

É o que afirma Renato Janine Ribeiro, sem hesitação, sobre a crise de confiança pública que atravessa os três poderes.

Comentando o tema que lhe é mais caro, Educação, Renato Janine Ribeiro afirma que ela poderia ajudar as pessoas a tornarem-se melhores cidadãos:

“Mas do jeito que está não, porque o currículo não está voltado para isso. Além disso, existem movimentos contra a educação, como o movimento da ideologia de gênero e o movimento da escola sem partido. São dois movimentos cuja razão de ser é combater a educação. (…)A escola não pode fazer isso, tem que ensinar o respeito as pessoas, que não estão ameaçando ninguém, diga-se de passagem. E no caso da escola sem partido é um movimento que faz o contrário, que prega a doutrinação na escola. Eles falam sobre uma suposta doutrinação de esquerda, mas o que eles querem é doutrinar as pessoas para a direita, quando a escola tem, na verdade, que abrir as pessoas para o mundo. Educar quer dizer sair de dentro para fora, conduzir de dentro para fora, abrir para o mundo. Sua família, seu convívio social, nada disso te abre totalmente para o mundo. A escola é o lugar que pode te abrir mais, fazer ver outras experiências que vão além da experiência da família, que não pode suprir a educação escolar”.

Finalmente, o Brasil mostra a sua cara, lembrando Cazuza, diz Renato Janine Ribeiro. Se essa exposição “levar a uma limpeza, terá sido muito bom”. Mas, o professor é cético em relação a isso. Para o filósofo, se tomarmos a operação Mãos Limpas que é tida como a antecedente da Lava Jato na Itália, o resultado “foi mais corrupção, foi a entrada da pessoa mais corrupta da história da Itália, o Berlusconi”. Além disso, Janine acredita que a operação Lava Jato “teve um efeito negativo que destruiu muitas empresas brasileira importantes de uma forma totalmente irresponsável”.

Diego Bonetti é publicitário, estudante do curso de jornalismo na FAAP e editor da primeira edição do LabJor FAAP.

Marina Verenicz é advogada, estudante do curso de jornalismo na FAAP e editora assistente da primeira edição do LabJor FAAP.

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