REFORMA DA PREVIDÊNCIA: Texto causa conflitos de interesse e revela impopularidade do governo

Diego Bonetti
Diego Bonetti
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24 min readJun 6, 2019

Por Diego Bonetti

Foto: Unsplash

O Presidente da República, Jair Bolsonaro, teve como uma de suas principais bandeiras de sua campanha de eleição a necessidade de uma reforma previdenciária. A economia do país pede, com urgência, uma proposta sólida para que as contas públicas se equilibrem e, desta forma, ocorra uma retomada no crescimento econômico.

Após a eleição do novo presidente, a pauta começou a ser discutida e o Congresso Nacional recebeu, no dia 20 de fevereiro de 2019, a proposta da nova Reforma da Previdência, elaborada pela equipe econômica do Presidente Jair Bolsonaro, comandada pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes.

A reportagem a seguir pretende abordar a nova proposta da Reforma da Previdência em tramitação no Congresso Nacional a partir de quatro grandes eixos:

1. Quem serão os maiores beneficiados e os mais prejudicados com o novo texto;

2. As novas regras para aposentadoria;

3. Regras regimentais para que a proposta seja aprovada;

4. As dificuldades do Governo Bolsonaro em ter a Reforma aprovada no Planalto.

A proposta de emenda à Constituição (PEC) começou a tramitar pela Câmara dos Deputados, e após longa discussão, finalmente, foi aprovada na primeira instância, e segue para o Senado. Pelas regras regimentais, a matéria passa primeiro pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, que analisa se o texto fere algum princípio constitucional. Nessa etapa, não é analisado o mérito do texto.

Em seguida, com a aprovação da CCJ, sob a perspectiva da constitucionalidade do texto, será criada uma comissão especial formada por deputados para discutir o mérito da proposta.

Se for aprovada pelo colegiado, a PEC segue para votação no plenário da Câmara, onde precisará do apoio de ao menos 308 dos 513 votos em dois turnos de votação.

Chegou a ser ventilada a possibilidade de que a PEC apresentada pelo governo Jair Bolsonaro tramitasse em conjunto com a proposta enviada pelo governo do presidente Michel Temer em 2016.

No entanto, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já sinalizou que a nova proposta tramitará de forma independente.

Veja o passo a passo da tramitação:

  • CCJ da Câmara: a primeira etapa de tramitação da PEC será a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), presidida por Felipe Francischini (PSL-PR). A comissão terá a tarefa de verificar se a proposta está de acordo com a Constituição e as leis do país. Os deputados terão prazo de cinco sessões para votar um parecer a ser elaborado por um relator.
  • Comissão especial: em seguida, será criada uma comissão especial para discutir o mérito da proposta. No total, a comissão terá 49 integrantes titulares e 49 suplentes. Inicialmente, seriam 34 membros, mas o número foi ampliado para acomodar representantes de mais partidos.

A distribuição das vagas entre os partidos será feita de acordo com o tamanho das bancadas na Câmara. Os nomes dos membros serão indicados pelos líderes partidários.

Nesta fase, os deputados poderão sugerir mudanças no conteúdo por meio de emendas. A comissão terá prazo de até 40 sessões para votar um parecer a ser apresentado por um relator escolhido.

  • Plenário: Se for aprovado na comissão especial, o parecer terá que ser votado em dois turnos no plenário da Câmara. Para ser aprovado, precisará dos votos de pelo menos 308 deputados, que representam 3/5 da composição da Casa, formada por 513 parlamentares.
  • Votação: A votação no plenário é nominal, com o registro do voto no sistema eletrônico. Entre os dois turnos, é preciso esperar um intervalo de cinco sessões. Se a PEC não alcançar o número mínimo necessário de votos, será arquivada. Se for aprovada, segue para análise do Senado.
  • Senado: uma vez aprovada na Câmara, a PEC segue para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Em seguida, vai ao plenário, onde precisará de ao menos 49 votos entre os 81 senadores, também em dois turnos de votação. Se os senadores fizerem alguma alteração no texto inicialmente aprovado pelos deputados, a matéria volta para reanálise da Câmara. Se for aprovada com o mesmo conteúdo, segue para promulgação.
  • Promulgação: Diferentemente de um projeto de lei, as PECs não são enviadas para sanção do presidente. Ou seja, se o texto for aprovado, será promulgado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que também é o presidente do Congresso Nacional. Após a promulgação, as regras passam a valer.

Para entender o que muda com a nova proposta da Previdência, é necessário compreender como ela funciona atualmente. Apesar de nos últimos anos haver diversos debates quanto às mudanças no sistema de aposentadoria, a PEC 287, de 2016, não foi aprovada. Com isso, as formas para se aposentar, por enquanto, permanecem:

  1. por tempo de contribuição com incidência do fator previdenciário — O Fator Previdenciário foi criado com a finalidade de reduzir o valor dos benefícios previdenciários, no momento de sua concessão, de maneira inversamente proporcional à idade de aposentadoria do segurado. Quanto menor a idade no momento da aposentadoria, maior o redutor e consequentemente, menor o valor da aposentadoria a receber. É uma fórmula matemática que tem o objetivo de reduzir os benefícios de quem se aposenta antes da idade mínima de 60 anos para mulheres e 65 anos para homens, e incentivar contribuinte a trabalhar por mais tempo.
Fonte: IBGE / Crédito do infográfico: INSPER

2. por tempo de contribuição com a fórmula 86/96.

Fonte: IBGE / Crédito do infográfico: INSPER

3. por idade

Fonte: IBGE / Crédito do infográfico: INSPER

4. por tempo de contribuição com cálculo proporcional

5. por invalidez ou por ambiente perigoso/ insalubre

1. Por tempo de contribuição com incidência do fator previdenciário

Independente da sua idade, você pode se aposentar se tiver contribuído por 30 anos (mulher) ou 35 anos (homem). No caso dos professores e dos trabalhadores rurais, diminui 5 anos do tempo necessário de contribuição, para ambos os sexos.

No entanto, o trabalhador estará sujeito ao chamado fator previdenciário, um índice criado para desincentivar que as pessoas se aposentem mais cedo. Com ele, quanto mais novo você for, menor será o valor que irá receber, e claro, o inverso também é verdadeiro: quanto maior o tempo de contribuição, maior será o valor recebido — este podendo até superar o valor de uma aposentadoria integral. Mas cuidado, aposentadoria integral não significa que a pessoa recebe o mesmo que ganhava de salário. Ela consiste na média dos 80% maiores salários que o trabalhador recebeu desde julho de 1994 (ou a data posterior que passou a contribuir), corrigidos pela inflação.

2. Por tempo de contribuição com a fórmula 86/96 progressiva

A fórmula 85/95 foi implementada em 2015, e consiste basicamente em uma pontuação de 85 pontos para mulheres e 95 para homens. A pontuação de cada pessoa é a soma de sua idade com o tempo em que ela contribuiu. Nessa regra, para se aposentar também é necessário que a mulher tenha contribuído por pelo menos 30 anos e o homem por pelo menos 35.

Apesar de também contar o tempo de contribuição como a anterior, vantagem desse tipo de aposentadoria é que nela não é preciso aplicar o fator previdenciário, ou seja, quem se aposenta dentro dessas regras, receberá o salário integral.

No entanto, a partir do dia 31 de dezembro de 2018, passou a valer a regra 86/96, ou seja, subiu 1 ponto para cada. Dessa forma, um homem que contribuiu o mínimo de 35 anos, em 2019, pode se aposentar se tiver 61 anos (35+61=95). Já outro homem com 58 anos poderia se aposentar em 2019 apenas se tiver contribuído por 37 anos (58+37=95). Lembrando que o aumento de 1 ponto está previsto em lei para acontecer progressivamente a cada dois anos, chegando à fórmula 90/100 em 2026, e fixando-se dessa forma — isso, claro, enquanto não é aprovada a Reforma da Previdência.

3. Por idade

É preciso ter 60 anos (mulheres) ou 65 anos (homens) e ter contribuído ao menos 15 anos. A pessoa irá ganhar 70% da aposentadoria integral + 1% por cada ano de contribuição. Ou seja, se a pessoa contribuiu apenas os 15 anos mínimos, ela irá ganhar 85% (70%+15) da aposentadoria integral; já se ela contribuiu por 23 anos, por exemplo, ela irá receber 93% (70%+23) da aposentadoria integral. Por tanto, para receber o valor integral, tanto o homem quanto a mulher precisam contribuir por 30 anos (70%+30=100%).

Dessa forma, uma mulher que queira receber aposentadoria integral, se beneficiaria mais de usar a fórmula de pontuação, pois para atingir os 86 pontos, ela contribuiria pelos menos 30 anos, mas conseguiria com 4 anos de idade a menos, aos 56. Já para os homens, esta forma de aposentadoria exige 4 anos a mais de idade do que a fórmula de pontuação, mas 5 anos a menos de contribuição.

Na aposentadoria por idade, não é possível ganhar mais que o valor integral. Dessa forma, após os 30 anos mínimos de contribuição, não faz diferença se você contribuiu 31 ou 45 anos, o valor que você irá receber será o mesmo.

4. Por tempo de contribuição com cálculo proporcional

Esse tipo de aposentadoria só é válida para pessoas que contribuíram pelo menos uma vez antes de 16 de dezembro de 1998, quando uma emenda à Constituição extinguiu essa forma de previdência para quem ainda não houvesse começado a contribuir. Pessoas que se encaixam nesse caso precisam cumprir 3 critérios para receber a aposentadoria:

· ter uma idade mínima de 48 anos (mulheres) ou 53 anos (homens)

· ter contribuído por 25 anos (mulheres) ou 30 anos (homens)

· contribuir com o “pedágio”: período adicional de contribuição equivalente à 40% do tempo que faltava, em 16/12/1998, para chegar nos 25 ou 30 anos mínimos

5. Aposentadoria especial: por invalidez ou por ambiente perigoso/ insalubre

Tem direito a receber aposentadoria por invalidez aquele que não consegue mais trabalhar por conta de um acidente ou doença, sendo feita uma perícia médica para comprovar tal incapacidade.

Quem trabalhar em um ambiente perigoso ou insalubre por pelo menos 15 anos (podendo variar para um mínimo de 20 ou 25 anos, dependendo da situação), também pode receber aposentadoria com valor integral.

Professores

Algumas classes possuem regras diferentes das gerais. Os professores de escola privada (que contribuem com o INSS) podem se aposentar com um tempo de contribuição menor: 25 anos para mulheres e 30 anos para homens. Ou eles se aposentam com incidência do fator previdenciário ou através da fórmula 86/96, tendo direito a acrescentar 5 pontos a mais no tempo que já contribuiu. Os professores de escolas municipais seguem a mesma regra, pois contribuem com o INSS, já que a maioria dos municípios brasileiros não têm sistema próprio.

Desde 1998, os professores universitários não possuem o mesmo benefício do restante dos professores (exceto aqueles que já cumpriam todos os requisitos até a data da publicação da lei que os retirou da aposentadoria especial de professor). Já os professores da rede estadual possuem um regime próprio estabelecido por cada estado.

Servidores públicos

Os servidores públicos podem receber a aposentadoria integral com requisitos diferentes dos necessários no regime geral. A idade mínima é de 55 anos para mulher e 60 anos para homens, sendo preciso ter 10 anos de serviço público e 5 de exercício no cargo em que quer se aposentar, além de 30 anos de contribuição para mulheres e 35 para homens. Desde 2003, a regra para cálculo do valor que será recebido pelo servidor é a mesma do INSS (média com as 80% maiores contribuições do servidor), mas sem o teto do INSS.

Contudo, o servidor público que não tiver contribuído o necessário para se aposentar da forma anterior, pode pedir uma aposentadoria proporcional ao tempo que já contribuiu, desde que tenha 60 anos, se for mulher, ou 65, se for homem, e 10 anos de serviço público e 5 de exercício no cargo. Dessa forma, ele não receberá o benefício integral, apenas o equivalente ao tempo em que trabalhou. Além disso, há também a aposentadoria compulsória para servidores públicos quando completam 75 anos, para ambos os sexos.

Trabalhadores rurais

Atualmente, o trabalhador rural não precisa contribuir mensalmente com a previdência por conta das dificuldades particulares desse tipo de profissão. Para receber o benefício, ele precisa apenas comprovar ter exercido a atividade por 15 anos e ter a idade mínima de 55 anos (mulheres) ou 60 anos (homens). A regra não é válida para aqueles que comercializa seus produtos com empresas.

Militares

Atualmente, militares tem um sistema previdenciário diferenciado, porque quando eles deixam seus postos, passam para a reserva. Isso significa que eles podem ser convocados em caso de guerra — o que, na prática, não acontece desde a Segunda Guerra Mundial. Dessa forma, entende-se que o militar não se aposenta e, mesmo quando já está inativo, continua a receber o mesmo salário. Além disso, durante o tempo em que está trabalhando, não contribui para a sua aposentadoria — somente para pensões, destinadas a beneficiários em caso de morte -, indo para a reserva com 30 anos de atividade.

Essa condição gera bastante debate, pois os militares representam o maior déficit per capita dos últimos anos, isto é, o benefício militar é o que mais custa (proporcionalmente) aos cofres públicos. Em 2018, enquanto o déficit individual do INSS foi de cerca de R$5 mil, entre os militares superou os R$100 mil, segundo dados da Secretaria de Previdência do Ministério da Fazenda publicados pelo site Poder 360. A categoria militar corresponde a 22% da despesa e 30% do déficit financeiro da Previdência, de acordo com informações do Jornal Valor Econômico.

Políticos

Desde 1999, as regras para a aposentadoria de políticos mudou. Antes, eles tinham diversos benefícios, por se tratar de um cargo temporário. O mandato tem 4 ou 8 anos — claro que ele pode ser reeleito, mas nem sempre é o caso. Por isso, não eram considerados servidores públicos.

Depois da mudança na lei, todos os políticos, de vereadores a presidentes, passaram a ser enquadrados no regime geral de previdência, ou seja, contribuem para o INSS e recebem de acordo com as mesmas regras, inclusive com o teto do regime geral.

Agora que você já entendeu como se aposentar perante as regras de hoje e quais as especificidades de cada classe de trabalhadores, vamos às mudanças propostas na Reforma da Previdência:

Idade Mínima

A nova proposta da Reforma da Previdência estabelece a idade mínima como a única forma de se aposentar: 62 anos para mulheres e 65 anos para homens. A regra é válida tanto para os funcionários da iniciativa privada, quanto para os servidores públicos, que antes tinham uma idade mínima inferior. No entanto, a regra de que o servidor público ao chegar aos 75 anos se aposenta compulsoriamente permanece válida. Já para os trabalhadores rurais e professores a idade mínima é menor: 60 anos para ambos os sexos.

Tempo Mínimo de Contribuição

Não basta ter a idade mínima para conseguir se aposentar. De acordo com a proposta enviada ao Congresso pelo governo, será preciso ter contribuído por 20 anos para o INSS, sistema que recebe e paga as aposentadorias dos trabalhadores da iniciativa privada e trabalhadores rurais. Com os 20 anos de contribuição, será possível receber 60% do benefício integral e, a cada ano a mais de contribuição, acrescenta-se 2%, chegando aos 100% somente a partir de 40 anos de contribuição.

O piso da aposentadoria para funcionários da iniciativa privada é o valor de um salário mínimo vigente (mesmo que os 60% representem um valor menor), e o valor máximo da aposentadoria é o teto do INSS (atualmente, R$ 5.839,45). Isso significa que, independente de ter alcançado os 100% ou não, a aposentadoria não irá ultrapassar esse valor. Mas se o trabalhador contribuir por mais de 40 anos, o valor continuará aumentando (mais que 100%), até o valor máximo estabelecido pelo teto.

á funcionários públicos precisam de um tempo mínimo de contribuição de 25 anos e os professores de 30 anos. Para ambas as categorias, é necessário ao menos 10 anos no serviço público e 5 anos no cargo.

Regime de Capitalização

Uma das principais mudanças anunciadas pela equipe econômica do governo é a implementação de um regime de capitalização na Previdência. Mas o que é isso? Bom, primeiro vamos entender o regime atual: o sistema de repartição simples. Nele, o trabalhador contribui para a aposentadoria dos que já estão aposentados e, no futuro, quem irá pagar a sua aposentadoria serão os que estarão trabalhando.

Agora, voltando ao sistema de capitalização, ele funciona em outra lógica: você é responsável pela sua própria aposentadoria. Isso significa que o trabalhador irá contribuir mensalmente e o valor estará em uma aplicação financeira rendendo para que, no futuro, ele possa resgatar.

Essa proposta foi pensada porque a pirâmide etária brasileira não dá mais conta do recado, ou seja, não há trabalhadores suficientes contribuindo para o tanto de aposentados atualmente. E essa desproporção tende a aumentar com os anos, com o envelhecimento da população. Segundo uma projeção feita pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o percentual de brasileiros com mais de 65 anos em 2060 passará de 9,2% (atualmente) para 25,5%, o que representa um quarto da população. Dessa forma, o déficit previdenciário cresceria ainda mais.

Segundo a proposta, o sistema de capitalização passaria a valer apenas para quem ainda não começou a contribuir com a previdência. Para aqueles que já começaram a contribuir, mas ainda não cumprem os requisitos para se aposentar, continuará válido o sistema de repartição simples.

O Brasil entraria em recessão já no segundo semestre de 2020 se a reforma da Previdência não for aprovada. O crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) em 2019, primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (PSL), seria inferior a 1%, chegando a -1,8% em 2023. O diagnóstico foi feito pela Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia e divulgado pelo jornal O Estado de S. Paulo .

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional / Crédito do infográfico: Instituto Aos Fatos

O relatório com perspectivas dramáticas para o País foi elaborado para mostrar a importância da aprovação do projeto enviado na última quarta-feira (20) ao Congresso Nacional. Segundo o documento, se nenhuma reforma for feita nos próximos cinco anos, o crescimento do PIB tende a ser, em média, 2,9 pontos percentuais menor do que seria em um cenário com mudanças no sistema previdenciários. A recessão viria logo em 2020.

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional / Crédito do infográfico: Instituto Aos Fatos

Em contrapartida, se a reforma da Previdência passar pelo Congresso, a expectativa de crescimento para o PIB salta para 2,9% já neste ano. A diferença entre os dois cenários é justificada pela iminente deterioração das atividades econômicas causada pela manutenção do atual regime previdenciário.

Para a SPE, o descontrole das contas públicas é o principal responsável pela crise econômica que o País vem enfrentando, e o aumento dos gastos do governo com benefícios previdenciários explica esse estrado. Sem reformas estruturais, de acordo com a Secretaria, haverá cada vez menos espaço no Orçamento para a manutenção de despesas essenciais, como educação e saúde, por exemplo, e a dívida pública vai disparar.

Emprego e renda

A recessão não seria o único problema trazido pela rejeição da reforma da Previdência. Segundo a equipe econômica do governo, a taxa de desemprego poderia voltar a bater recordes, chegando a 15,1% em 2023 caso as regras para aposentadoria e pensão no País continuem as mesmas.

Por outro lado, segundo a SPE, a aprovação da reforma poderia fazer esse índice cair para 8%. Isso porque as mudanças propostas poderiam viabilizar, de acordo com cálculos do governo, a criação de quase 8 milhões de empregos até 2023, uma média de 1,33 milhão de novas vagas por ano.

Sem a reforma da Previdência , a renda per capita no Brasil também seria afetada. Neste cenário, cada brasileiro chegaria em 2023 R$ 5,8 mil mais pobre do que com as mudanças aprovadas. E esse prejuízo tende a ficar ainda maior com o passar do tempo. “Quanto mais a reforma da Previdência fosse postergada, maior seria o custo para a população brasileira”, avalia o documento.

Selic e dívida pública

Com a rejeição da reforma da Previdência, ainda segundo a SPE, a Selic dispararia nos próximos anos, chegando a 18,5% ao ano em 2023. Com a reforma, em contrapartida, a taxa básica de juros da economia brasileira poderia cair para 5,6% ao ano daqui a cinco anos. Hoje, a Selic está em 6,5% ao ano, o menor nível já registrado.

Para a dívida bruta do governo, o cenário sem reforma da Previdência seria catastrófico, com trajetória de crescimento explosiva. Os indicadores fiscais piorariam consideravelmente, trazendo resultados primários em permanente déficit. Com as mudanças propostas para o sistema de aposentadorias, porém, a dívida começaria a declinar a partir de 2021.

Entretanto, o problema é que a solução que o atual governo tenta implantar no Brasil teve reflexos negativos em todos os países que adotaram a mesma receita, piorando a situação econômica e causando profunda instabilidade política. Prova disso foram as seguidas trocas de governo, impasses e a convulsão social, vividos por países como Espanha, Itália, Portugal e Grécia.

Como argumento central para justificar a reforma, o governo afirma haver déficit no financiamento da previdência social, que segundo os dados mais recentes divulgados, foi de R$ 85,8 bilhões, em 2015. Diante dessa informação, se faz necessário trazer para o debate outros elementos que devem ser considerados para um melhor entendimento sobre a real situação da previdência social.

Inicialmente, é importante perceber que o governo federal apresenta o déficit da previdência social considerando apenas a contribuição direta do empregado e do empregador, contrariando o modelo previsto na Constituição Federal de 1988, que também prevê a participação do governo no seu financiamento.

Outro aspecto que vem sendo desconsiderado, apesar de extremamente relevante nessa conta, é o cenário econômico em que se verificou os resultados da arrecadação. A crise econômica e a consequente diminuição no emprego impactam diretamente, tanto nas contribuições previdenciárias como na arrecadação tributária, e, consequentemente, na arrecadação da seguridade social.

Se considerarmos que a crise econômica começou de forma mais efetiva em 2014 e observarmos os números de 2013, por exemplo, verificamos que o resultado entre a arrecadação e as despesas da seguridade social gerou um superávit de R$ 76,3 bilhões. Se olharmos para 2005, por exemplo, o superávit foi de R$ 72,8 bilhões.

É necessário destacar que, ao apresentar o déficit isolado da previdência social, o governo retira da conta o resultado das desonerações fiscais realizadas sobre as contribuições previdenciárias. Em 2015, o total estimado em renúncias de recursos que comporiam as contribuições para a Previdência Social em valores correntes foi R$ 64,2 bilhões, aproximadamente 75% do que o governo apontou como sendo o déficit previdenciário.

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional / Crédito do infográfico: Instituto Aos Fatos

Apesar da radical política fiscal e dos brutais cortes de gastos, a dívida pública acelerou a sua trajetória de alta, passando de aproximadamente 56% do PIB no final de 2014 para mais de 70% no mesmo período de 2016. A combinação de juros altos e corte nos investimentos funcionam como combustível para o aprofundamento da crise.

Nesse modelo, só há espaço para um ganhador, o setor financeiro. Em meio à grave crise econômica que o Brasil enfrenta, o total de ativos das cinco maiores instituições bancárias do país totalizou, em 30 de junho de 2016, R$5,8 trilhões, com evolução de 9,1%, em média, em relação ao mesmo período de 2015.

No primeiro semestre de 2016, o lucro líquido dos cinco maiores bancos somados atingiu expressivos R$29,7 bilhões.

Além disso, devemos destacar que a partir da aprovação da emenda constitucional que criou as Desvinculações de Receitas da União (DRU), em 2000, que permitiu que até 20% das receitas previstas pela Constituição para a seguridade social fossem utilizadas para outras finalidades, volumes extraordinários de recursos foram sendo retirados ano após ano.

Somente em 2015, a DRU abocanhou R$ 63 bilhões da seguridade social, sendo que em 2016 foi aprovada sua prorrogação, prevendo um aumento de 20 para 30% de recursos desvinculáveis.

Inspirada no Estado de bem-estar social europeu, a Constituição Federal de 1988, também conhecida como Constituição Cidadã, garantiu a estruturação de um sistema de proteção social universal e, sendo assim, a educação, saúde, previdência e assistência às pessoas desamparadas, passaram a ser reconhecidos como direitos sociais.

Entretanto, o modelo econômico adotado pelo governo federal, fortemente ancorado no monetarismo e em uma política fiscal radical, é antagônico ao estado de bem-estar social preconizado pela Constituição de 1988.

Nossa Constituição reflete uma visão sistêmica sobre o papel do Estado, em que a garantia dos direitos do cidadão é sua finalidade precípua, e que, portanto, deve dar sentido a todas as dimensões da ação governamental. Mas, como podemos observar, existe uma considerável diferença entre o que diz nossa Constituição e a forma como têm sido tratados os recursos destinados às áreas sociais, em especial para a seguridade social.

A receita radical que vem sendo adotada pelo Brasil foi amplamente experimentada em alguns países europeus após a crise econômica internacional, tendo como ícone principal a Grécia, que piorou sua situação econômica após experimentar esse remédio amargo.

Apesar de justificar suas ações com base em uma suposta “gastança desenfreada” por parte de governos anteriores, o atual governo esconde a principal torneira por onde escoam verdadeiros rios de dinheiro público: o pagamento dos serviços da dívida pública.

Para se ter uma ideia, no ano de 2016, 43,94% do orçamento total da União executado foi destinado para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública. Para o ano de 2017, a proposta de orçamento encaminhada ao Congresso prevê a destinação de 50,66% para pagamento de juros e amortizações da dívida pública, enquanto a saúde e a educação somados totalizam apenas 6,42%.

A partir do início de 2015, ainda no governo da ex-presidente Dilma, e aprofundados ao extremo pelo atual governo de Michel Temer, a dívida pública, ao contrário dos objetivos almejados, acelerou a sua trajetória de alta, passando de aproximadamente 56,0% do PIB no final de 2014 para mais de 70,0% no mesmo período de 2016.

Obviamente, o motivo para a manutenção do viés de alta do endividamento público nunca se relacionou com a tão anunciada gastança de recursos públicos e sim com as altas taxas de juros praticadas no período, que incidiram diretamente sobre o valor da dívida.

As altas taxas de juros inibem o consumo e o crescimento econômico. Os cortes radicais nos recursos destinados aos investimentos do governo nas áreas sociais e em infraestrutura impactam sobre empresas prestadoras de serviços para o governo, sobre o consumo dos beneficiários de programas sociais e servidores públicos. A combinação de juros altos e corte nos investimentos funcionam como combustível para o aprofundamento da crise.

No Brasil, a rotatividade no mercado de trabalho é extremamente elevada. Se compararmos o Brasil e a Itália, por exemplo, que sofreu fortemente com a crise internacional, verificamos que em 2015, quase 50% dos trabalhadores brasileiros tinham menos de três anos no atual trabalho, enquanto que na Itália esse percentual era de 20%.

O modelo autoritário que prega um caminho único, conservador e irreversível para a política econômica, baseado no desmonte do estado de bem-estar social e na retirada de direitos dos trabalhadores em favor dos vultuosos lucros do setor financeiro, além de injusto, aprofunda a crise econômica e reforça cada vez mais a descrença da sociedade nas instituições.

O objetivo do governo, ao reformar a Previdência, não é melhorar a vida dos contribuintes e beneficiários do sistema. É conter os gastos, que crescem desenfreadamente a cada ano, para que o rombo no setor não corroa toda a verba pública — e inviabilize a continuidade da própria Previdência. Sem mudanças, recursos que poderiam ser aplicados em áreas como saúde e educação são usados cada vez mais para pagar benefícios e, pelas regras em vigor, manter milhares de privilégios.

O desafio é fazer um corte que cause menos danos às camadas mais frágeis da população e, ao mesmo tempo, limite os exageros da outra ponta. A mais recente tentativa de atingir esse equilíbrio foi enviada pelo governo na forma da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019. As mudanças sugeridas são ambiciosas, mas custam caro. E, em alguns casos, o preço é alto para grupos que nem sempre são os mais privilegiados.

“Quem menos tem prejuízo, com a proposta do governo, é o rico, que já tem emprego fixo e mais condições de completar o tempo mínimo exigido de contribuição”, alega o advogado Diego Cherulli, especialista em Previdência. Ele critica vários pontos da reforma, mas dá atenção especial à exigência de 20 anos de contribuição para que as pessoas possam se aposentar, além das idades mínimas de 65 e 62 anos (homens e mulheres, respectivamente). Hoje, o benefício é garantido aos 65/60, com 15 anos de contribuição.

Quem recorre a essa modalidade são os mais pobres, que não conseguem completar os 35/30 anos de serviço exigidos para se aposentar por tempo de contribuição. Um dos motivos é a dificuldade de conseguir emprego formal. “Essa mudança pode prejudicar os mais pobres, que demoram muito mais tempo para conseguir 20 anos de contribuição. Um ano de trabalho, para esses contribuintes, não significa um ano de contribuição, porque inclui períodos de informalidade e desemprego. Por isso, eles precisam trabalhar muito mais do que um ano para conseguir 12 meses de contribuição”, explica Bruno Ottoni, Professor de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Além de prejudicar os mais pobres, essa mudança também afeta com mais força as mulheres. Em 2017, 62,8% delas se aposentaram por idade, contra 37,2% dos homens, segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Metade das que se aposentam por idade têm, em média, 16 anos de contribuição, pelos cálculos da instituição.

Equilíbrio

A dinâmica de boa parte das propostas é de “equilibrar” as mudanças. Se alguém sai ganhando em algum ponto, outros perdem. No Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos de baixa renda, por exemplo, a PEC melhora a situação de quem tem entre 60 e 64 anos, que não recebia nada e passa a ter R$ 400 por mês. Mas piora a de quem tem entre 65 e 69, que teria direito a um salário mínimo e, pela PEC, também receberá R$ 400.

A mesma característica é percebida no caso das alíquotas progressivas de contribuição. Para quem ganha até um salário mínimo — 66,5% dos beneficiários da Previdência –, o governo propôs reduzir dos atuais 8% para 7,5%. Em contrapartida, todos os outros contribuintes precisarão pagar mais. A proposta prejudica, em especial, os servidores públicos, que terão alíquotas maiores — poderão chegar até a 22% dos salários, caso recebam mais do que o teto do funcionalismo (R$ 33,8 mil, atualmente).

Alguns especialistas concordam que os servidores serão os mais afetados pela PEC, como têm dito representantes da categoria. No caso do funcionalismo público, não só a alíquota será mais alta, mas os benefícios serão menores e o acesso a alguns, mais difícil. Só conseguirão integralidade (receber como aposentadoria o último salário da ativa) e paridade (mesmos reajustes de quem está em atividade), por exemplo, ao atingir as idades mínimas de 65/62 anos.

As perdas são evidentes, mas, na visão de Ottoni, é natural que os mais ricos paguem uma conta mais cara. “Por um lado, eles estão certos em dizer que estão sendo mais afetados. Mas não diria que eles têm razão para reclamar, porque isso é justo. Eles são os mais privilegiados”, diz o economista. “Se o objetivo é reduzir desigualdade, é natural que a reforma ataque mais em quem tem mais dinheiro”, completa.

Fragilizados

A proposta do governo também reduz o tempo para aposentadoria especial de homens com deficiência grave, mas aumenta para os que têm deficiência leve ou moderada. “Acredito que o governo tenha dado algum alívio em pontos específicos para compensar outras mudanças. A ideia é que os mais ricos tenham cortes maiores e os mais pobres tenham cortes menores, mas todos precisam ceder”, explica Ottoni.

No caso dos homens com deficiência grave, a exigência cai de 25 para 20 anos; para moderada, de 29 para 25; e para leve, aumenta de 33 para 35. A cobrança para mulheres com deficiência grave continua igual, em 20 anos; na moderada, aumenta um ano (24 para 25); e a leve passará de 28 para 35 anos.

Em geral, no caso dos deficientes, há mais perdas do que ganhos, avalia a advogada Adriane Bramante, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).

Benefícios alterados

Um dos pontos positivos da PEC, para a advogada Adriane Bramante, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), é o que regulamenta o auxílio inclusão, valor pago para estimular a entrada das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. É uma espécie de complemento ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) para beneficiários que começarem a trabalhar.

Já existe previsão em lei para o auxílio inclusão, mas ele não foi regulamentado e, por isso, nunca foi colocado em prática. A PEC 6/2019 cobre essa lacuna, insere o benefício na Constituição e garante que ele comece a valer de imediato. A crítica é que o valor é mais baixo do que era esperado. A proposta é de 10% do BPC, o que hoje equivale a R$ 99,80. Na lei, a sugestão é de um salário mínimo inteiro.

O valor da aposentadoria por invalidez também cai. Hoje, são garantidos 100% da média salarial, excluídos os 20% piores salários. O cálculo passa a ser de 60% da média de todos os salários, inclusive os mais baixos, mais 2% por ano de contribuição que superar 20 anos. Só continua sendo de 100% em caso de acidente de trabalho, doença profissional e doença do trabalho.

Também causam preocupação as mudanças em benefícios que atingem diretamente famílias mais pobres, como o auxílio-reclusão, pago a dependentes de segurados presos, e o salário-família, um “bônus” para trabalhadores que têm filhos de até 14 anos ou com deficiência. Hoje, os dois são pagos a famílias de segurados que recebem até R$ 1.364,43 por mês. Se a PEC for aprovada, esse corte cairá para um salário mínimo (R$ 998).

Ganhos no Futuro

No fim das contas, todos precisam contribuir, mas quem vai poder avaliar se a reforma foi ou não boa é o futuro beneficiário. “Os ganhos são difusos. Não existe, por exemplo, uma associação de usuários do SUS (Sistema Único de Saúde) de 2025 para se manifestar em favor da reforma. O R$ 1 trilhão de economia previsto pelo governo dá uma dimensão do que estamos falando. Sem reforma, esse valor vai ser pago pelas contribuições sociais da saúde e da assistência social ou por mais impostos para as famílias, por exemplo”, explica o economista especialista em Previdência, Pedro Nery.

Na opinião dele, os jovens são os que mais serão beneficiados. “Vai ser menos dívida deixada para eles, que são hoje, de longe, as principais vítimas da crise do emprego. A incerteza quanto o gasto previdenciário tem um efeito muito forte nos juros e na confiança, e haverá recuperação do investimento e do emprego com a reforma”, diz.

A Reforma da Previdência, agora, depende do parecer do presidente da Comissão Especial da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM). A votação deverá ser realizada na primeira semana de julho, apesar da disposição do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que havia dito que iria pedir para o relator Samuel Moreira (PSDB-SP) antecipar a apresentação do texto.

Segundo Maia, o prazo de tramitação atual da comissão especial está correto e não há atraso. Ele estimou que a votação na comissão especial acontecerá na segunda quinzena de junho e no plenário da Casa na primeira quinzena de julho, se houver votos suficientes a favor da proposta.

Por se tratar de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), a proposta da reforma da Previdência não necessita ser enviada para sanção do presidente da república, ou seja, o texto precisa de 308 votos em duas votações na Câmara dos Deputados e, depois, 49 votos também em dois turnos no Senado para ser aprovado e promulgado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Após a promulgação, as regras passam a valer.

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