The Post — A Guerra Secreta
Por Diego Bonetti
Se fizesse o básico, The Post — A Guerra Secreta seria um filme qualquer. Depois de Spotlight — Segredos Revelados e em um momento conturbado para a imprensa nos EUA, era necessário fazer mais.
O argumento do longa reside na árdua empreitada do jornal The Washington Post, tido como um jornal de bairro e um negócio de família, até se tornar um dos veículos mais importantes e relevantes do mundo. O divisor de águas para esta empresa é exatamente o evento retratado aqui no longa de Spielberg: A publicação de documentos sigilosos conhecidos como Pentagon Papers, referentes à Guerra do Vietnã.
É impossível dissociar o novo filme de Spielberg do atual momento político dos Estados Unidos, o qual Trump constantemente grita aos quatro ventos que o jornalismo crítico não passa de fake news.
Em seu núcleo, The Post fala sobre a liberdade de expressão da imprensa, uma das leis sob as quais a América foi fundada. E a vontade de Spielberg em querer relatar esta história específica, hoje, aos 71 anos de idade, mostra que o cineasta continua antenado com questões extremamente urgentes e fervorosas. Ainda que The Post se passe na década de 1970, qualquer um pode enxergar o reflexo dele nos tempos atuais, quando ainda se briga pelo direito de expressão, em especial quando o dedo é colocado na ferida de poderosos, de governantes, que ainda cismam em se achar intocáveis. E isso não é uma questão norte-americana, mas mundial. Um país como o nosso sofre os mesmos dilemas, é claro que elevados a uma maior potência.
É justamente por isso que obras como The Post são tão importantes. Não se trata apenas de um filme, mas de um recado. Discute o papel, as responsabilidades, o compromisso, e as obrigações de uma das profissões mais antigas e honradas, o jornalismo. A integridade e a imparcialidade almejadas nem sempre podem se manter longe da corrupção, mas é preciso.
De um lado, o jornal, personificado pela sua dona, Kay Graham (Meryl Streep), aliada ao seu editor-chefe, Ben Bradlee (Tom Hanks); de outro, o governo dos EUA, com o Presidente Nixon invocando a Lei de Espionagem para proteger a si mesmo, seu governo e de seus antecessores.
O longa segue a esteira de diversos outros que também retratam o admirável e perigoso jornalismo investigativo — atividade que envolve uma série de obstáculos (pesquisa, dúvidas, riscos, pressão, óbices jurídicos e luta contra o tempo). Bradlee e seus colegas representam os bons jornalistas, aqueles que sabem que a liberdade de imprensa é um bem maior. De maneira superficial, mas satisfatória, o roteiro lembra o outro lado da moeda: o dever que a imprensa tem de informar a população, que, por sua vez, tem o direito de ser informada. Ainda assim, isso tudo é básico e óbvio demais para um filme que tem Meryl Streep e Tom Hanks como protagonistas.
Ninguém melhor que Streep — cujo currículo fala por si só — para interpretar Kay, personagem fascinante que faz malabarismo entre a vida de socialite, cultivar as amizades de seu falecido marido, a vida familiar e, claro, os problemas do jornal. Embora seja apresentada de maneira grandiosa ao tomar uma decisão corajosa, o script deixa expresso que ela é persona non grata na posição que ocupa na empresa. Isso, contudo, não a fragiliza: ela tem sua vulnerabilidade apenas por ser muito humana. Entendendo a proposta realista, Streep optou por uma interpretação minimalista — e dá um show — , investindo na linguagem corporal, demonstrando insegurança, já que Kay não está em sua zona de conforto. Tom Hanks é também um ator muito gabaritado, todavia, a personagem é previsível e tem menos camadas. Tudo fica mais interessante quando os dois estão juntos: Ben e Kay têm um relacionamento claramente amigável, porém, quando a conversa entre eles fica mais ácida, a sutileza das atuações justifica suas reputações. Sozinho, Hanks vai bem. Juntos, a química é fenomenal.
O terceiro grande nome da produção é o do aclamado diretor Steven Spielberg que apresenta uma direção refinada, com insights admiráveis — como na brilhante cena em que o material é coletado, criando a atmosfera de clandestinidade através do uso da câmera seguindo-o, da música de tensão, da precária iluminação e da climatização notívaga — e valorizando a direção de arte na representação da época (em especial na elegância do figurino de Kay).
Com três gigantes de Hollywood reunidos, The Post — A Guerra Secretaentrega o que promete. Seu grande trunfo é criar um clima de tensão sobre os detalhes dos fatos, evitando a monotonia, caminho fácil para um plot de conhecimento público.
O longa nos traz a reflexão de que a história sempre se repete. E pode estar mais presente do que imaginamos. “Pensar o passado para compreender o presente e idealizar o futuro”, escreveu Heródoto, o historiador da Grécia Antiga. The Post está mais interessado na denúncia do ataque à liberdade de imprensa, como quem diz “olhem, vejam lá se não é isto que está acontecendo outra vez”.
É uma causa justa e que ganha, com facilidade, a empatia dos espectadores, até porque Streep e Hanks (e um elenco secundário admirável) e a habitual competente realização de Spielberg não deixam dúvidas sobre a importância do que está em discussão. O filme acaba quase por servir como ponte para Os Homens do Presidente, onde Watergate derrubou Nixon.
SOBRE O FILME:
Onde: Nos cinemas
Quanto: A partir de R$ 18,00 (meia-entrada)
Estreia: 25 de Janeiro de 2018
Trailer:
Dirigido por: Steven Spielberg
Elenco: Meryl Streep, Tom Hanks, Bob Odenkirk, Sarah Paulson, Michael Stuhlbarg
Ano de produção: 2017
Gênero: Drama
Duração: 116 minutos
Distribuidor: Universal Pictures
País de Origem: Estados Unidos
Diego Bonetti é publicitário, estudante do curso de jornalismo na FAAP e editor da primeira edição do LabJor FAAP.