A imagem e o êxtase da visão: Stan Brakhage

Diego Franco
Diego Vieira
Published in
3 min readOct 20, 2020

Introdução

O movimento flower child, o psicodelismo e a contracultura são sinônimos de um novo estilo de vida que desabrochava nos Estados Unidos, em 1960. Os jovens buscavam libertar-se da autoridade burguesa dominante, das normas sociais e estéticas às quais eram submetidos, ao mesmo tempo que posicionavam o corpo no centro da discussão contemporânea. No campo artístico, esse retorno ao corpo se refletiu principalmente nos happening e nas performances, enquanto no campo cinematográfico temos experimentações como as realizadas por Stanley Brakhage.

Contaminado pelas influências sociopolíticas a ele contemporâneas e pelo movimento vanguardista no cinema, tanto o francês, do início do século XX, quanto o que se desenvolvia nos Estados Unidos desde os anos 1940, Brakhage atravessou as limitações da forma dramática dos seus primeiros filmes e passou a documentar o ato de ver. Por meio de loops, sobreposições invertidas e intervenções na própria película, o realizador criou um equivalente cinematográfico para a experiência perceptiva.

Como a visão é recordada pela memória e como essa memória afeta as visões posteriores? Através dos olhos o mundo plasma em nossa consciência. A função cerebral que denominamos percepção se encarrega de aderir as imagens do passado às imagens que enxergamos no presente, em um movimento que ressignifica umas às outras. Quando essa conjunção ocorre, quando o fora se liga inexplicavelmente ao corpo, acontece o que Brakhage chamava de uma revelação verdadeira.

A busca pela emulação de uma certa sensorialidade visual no campo cinematográfico levou o cineasta a complexificar o vínculo entre a representação e a visualidade. No lugar de documentar um olho sendo cortado, como Buñel em Um Cão Andaluz (1929), sua estética buscaria as sensações que o olho experimentou ao ser cortado. O olhar do espectador é assentado no olho que está sendo atravessado pela navalha, o que transformava o olho na própria câmera. Para Brakhage, o importante era experimentar meios de produzir esteticamente as sensações visuais e perceptivas. Seu cinema sobretudo está focado naquilo que é essencialmente cinematográfico, nas formas, luzes e ritmos, recusando o apelo narrativo convencional.

Nesta série de textos, retomarei a monografia que finalizou minha graduação em História da Arte, na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Naquela época, me movimentava o desejo de explorar a obra de Brakhage para além das concepções inaugurais pelas quais o cinema ficou conhecido, buscando visões que pensassem a forma cinematográfica de maneira expandida. Ao mesmo tempo, desejava levantar pontos que refletissem sobre a possibilidade de subversão da arquitetura cinematográfica mainstream, encarnada pela produção hollywoodiana, que ainda hoje domina o campo audiovisual com seus efeitos de forte apelo espetacular. Diante disso , a proposta da monografia foi oferecer uma contribuição para as pesquisas de cinema e artes visuais, a partir do enfrentamento das questões que surgiam junto à minha experiência com os filmes de Brakhage, sobretudo com o curta Prelude, a primeira parte do que se tornou o longa-metragem Dog Star Man (1964).

Para um certo mapeamento do cinema experimental, problematizei o conceito de vanguarda, dissociando-o do Modernismo ao qual é constantemente vinculado, e pontuei as transformações do seu caráter político e imaginativo nas práticas americanas dos anos 1960. Depois, propus uma análise sobre a vanguarda cinematográfica americana, conhecida como cinema experimental, e os movimentos contraculturais que emergiram nos anos 60, pontuando seus reflexos no cenário artístico.

Em seguida, busquei uma aproximação dos significados possíveis para o cinema experimental americano, assim como também suas relações com o dito cinema de artista, na França. Analisei ainda o bairro novaiorquino Greenwich Village e sua cena cultural, para uma melhor contextualização da obra de Brakhage dentro de um panorama de investigações artísticas e da criação de dispositivos capazes de promover encontros e reflexões teóricas, como no caso do cineclubismo e das revistas e jornais dedicados ao cinema experimental. Após esse movimento histórico e conceitual, a monografia foi de encontro com o mito Brakhage, analisando certas peculiaridades biográficas do cineasta, abordadas a partir de textos, entrevistas e ensaios do próprio realizador. É um pouco disso tudo que você vai acompanhar nas próximas publicações.

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