Construindo um time de UX Research

Desafios e aprendizados da construção e escala de um time de pesquisa em UX

Diana Fournier
difournier_uxr
11 min readMar 4, 2022

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Depois de 10 anos de experiência contribuindo como pesquisadora e designer em UX, em 2019 me aventurei no outro lado da carreira Y, o lado da gestão. O desafio de construir e escalar um time de UX Research me apresentou uma série de aprendizados que ganhei por meio de erros e acertos que compartilho neste artigo.

Trago a visão de quem começou na primeira empresa ainda hands-on e com somente uma pessoa liderada e na segunda empresa construindo um time que começou com 4 pessoas e depois de 2 anos virou uma diretoria com mais de 20 pesquisadores.

Por onde começar?

Conhecendo a empresa

Esse é um conselho que dou para qualquer pessoa quando entra numa empresa nova, independente do cargo (se é UXR, PD, PM…). Conheça a empresa que você está. Faça um intensivão mesmo.

Busque responder perguntas como:

  • Qual é a história da empresa?
  • Qual é o modelo de negócio da empresa? Como a empresa se mantém?
  • Em que mercado ela está inserida (financeiro, e-commerce, imobiliário, educação, saúde, transporte, etc.)? O que rege esse mercado? Quais são os órgãos reguladores? Há leis específicas desse mercado?
  • Quais são as alavancas de negócio? Quais são as principais métricas que a empresa olha e o que ela faz para manter tais números saudáveis?
  • Quais são os principais concorrentes e seus modelos de negócios? De que forma eles se assemelham ao modelo desta empresa?
  • Quais são as áreas da empresa que provavelmente terá interface com seu time? Data? Growth? Marketing? CX?
  • Como é a estrutura da área de tech, produtos, design e pesquisa dentro da empresa?
  • Quem é a liderança principal da área que você, como líder de pesquisa, vai ficar? Quem é o C-level ou vice-presidência? Qual é o modelo de liderança dessa pessoa?
  • Como é a estrutura da empresa? É por BUs (Business Units), verticais, tribos, squads?
  • Qual é o público ou quais são os públicos alvo ou usuários da empresa? Há mais de um perfil? Se sim, quais são?
  • Quem serão seus pares? Seus principais stakeholders?

Conhecendo o time e o contexto

Quando você entra em uma empresa com cargo de liderança, de duas, uma: ou você vai liderar um time já existente ou vai ter que construir do zero.

Eu vejo o primeiro cenário como o mais desafiador, tanto para a pessoa líder como para as pessoas lideradas. Nesse cenário você vai ter que entender todo o contexto, o histórico das pessoas ali, quais problemas existentes (tanto de processos, estruturas e comportamentais), além de entender o que já foi feito até agora, o que deu certo, o que deu errado e o por quê deu errado, etc.

Isso tudo leva tempo e o desafio individual nosso é fazer isso de maneira rápida e já mostrar valor. O que mais observo são pessoas entrando em cargos de liderança e já mexendo em tudo, desfazendo coisas que já rodavam, sem entender o contexto, o porquê aquilo foi definido de tal maneira, etc.

Sobre tal ponto, vou trazer falas que ouvi de duas lideranças minha, que tinham modelos de gestão completamente diferentes entre si. O primeiro dizia que, quando você entra numa empresa “você é parte da solução! Ou seja, você tem que resolver rápido os principais problemas do time, porque se o tempo passa e o problema continua lá, você passa a ser parte do problema”.

A idéia de já chegar “resolvendo” gera uma ansiedade e auto-cobrança muito grande — principalmente em nós lideranças femininas (e isso é assunto para um outro artigo). Numa empresa onde o ecossistema é imenso, provavelmente NENHUM problema você vai resolver sozinha(o), pois existem dependências de outros times, outras pessoas para fazer rodar, etc.

Aí mais recentemente, ouvi do meu atual diretor o seguinte: “Quando entramos num contexto novo, devemos ser 5 ouvidos e 1 boca!”, ou seja, devemos exercer 120% a escuta ativa à princípio, o que HOJE eu concordo plenamente. E vou ser sincera com vocês, nesse quesito, errei feio e errei rude quando comecei.

Quando entrei na atual empresa, existia uma série de problemas processuais que já haviam tido tentativas de resolução sem sucesso. Eu poderia ter feito um mapeamento aprofundado, mas não fiz. Então algumas coisas que propus, o time já tinha tentado resolver e não havia dado certo. Isso trouxe uma sensação de invalidação e pareceu que meu modelo de liderança era aquele que não escuta o seu time.

Ficou claro que o meu erro foi uma MEGA FALHA DE COMUNICAÇÃO e quando acontece esse tipo de erro, os fatores envolvidos são pessoas. Lidar com pessoas é complexo e precisamos ganhar a confiança delas, afinal, são seus liderados e deverá existir um ambiente seguro entre vocês, para que as pessoas possam falar o que pensam, o que acham e performar da melhor maneira.

Então, ao entrar num time já existente, sempre procure entender:

  • Quem são as pessoas? De onde vieram? Quais são os seus contextos pessoais? Suas experiências de trabalho e não trabalho?
  • Qual é o contexto dessas pessoas no time?
  • Qual é o histórico delas dentro do time? O que já fizeram? Suas entregas? Os impactos das entregas? Visão dos pares?
  • Quais problemas essas pessoas enfrentam nos níveis de: processos, pessoas e empresa no geral?
  • Depois do mapeamento dos problemas, quais já tiveram tentativas de resolução? Por que não deu certo? Quais eram as pessoas, times envolvidos?
  • Quais dos problemas ainda não endereçados você pode resolver em pouco tempo? Quem vai estar envolvido na resolução?

Tais perguntas vão te ajudar a mapear o "estado da arte" do time da empresa, ajudando assim a gente a construir a estratégia necessária para aquele contexto.

Construindo a estratégia

Entenda a necessidade da empresa referente à pesquisa

Nós pesquisadores somos EMOCIONADOS. Pesquisa é sempre um “plus” para as empresas, então quando uma resolve construir um time de pesquisa em UX, a gente pira, grita, chora, fica feliz, dança… Afinal, é sinal de que as coisas estão mudando, já que as empresas estão vendo valor na disciplina ao ponto de investir num time com esse foco.

Pesquisa em UX é um mundo vasto e tem diversos tipos para cada etapa do processo de desenvolvimento de um produto digital. UX Research vai além de testes de usabilidade para validar soluções desenvolvidas pelo time de Produtos e Design, e também não se resume em entrevistas de profundidade e questionários antes de tomar alguma decisão, ou ainda, a fim de fazer descobertas ou validações/refutações de hipóteses de problemas (o dito Product Discovery e as questões sobre os 4 Riscos do Marty Cagan).

Então é importante mapear o porquê a empresa resolveu investir em um time de pesquisa, quais são as expectativas para tal time e como esperam que entreguemos valor.

Entenda coisas como:

  • Por que quiseram construir um time de pesquisa?
  • Quem é o principal "patrocinador" do time (quem quis que o time existisse)? O que essa pessoa espera do time?
  • A empresa já faz pesquisa com usuários? Em que nível?
  • Quem faz pesquisa hoje na empresa (no cenário de ainda não ter um time para isso)? Como fazem pesquisa?
  • Para que fazem pesquisa? Somente para validar soluções? Para validar ideias? Para descobrir oportunidades?
  • As necessidades mudam por time ou nível hierárquico? Se sim como? (PMs e PDs pensam mais em validações, enquanto lideranças pensam mais em oportunidades, por exemplo).
  • Que tipo de impacto esperam do time de pesquisa?

Maturidade em Produto e UX e como nos afeta

Muitas das coisas que você for propor para as lideranças ou para o “patrocinador” do time deverá estar alinhado com o que você mapeou de contexto da empresa mais as necessidades levantadas. Além disso, o que vai influenciar bastante em como você vai montar o time é a MATURIDADE da empresa/time/BU/vertical em UX e Produtos.

Já leram os artigos maravilhosos sobre maturidade em UX da Nielsen Norman Group? Pois leiam! Tenho estudado bastante sobre e o que tenho aprendido é que não adianta querer fazer algo do nível 6 de maturidade se a empresa tá no nível 3. Temos que ir dando um passo de cada vez e entendendo como entregar valor para os times, de acordo com seu grau de maturidade e o que se espera de impacto nos primeiros momentos.

Os 6 níveis de maturidade em UX que as empresas se encontram. Em qual nível está a sua empresa? Fonte: https://www.nngroup.com/articles/ux-maturity-model/

Entenda qual grau de maturidade está a sua empresa e crie um plano para que essa maturidade vá aumentando aos poucos — com ajuda dos times pares, como Product Design e Product Management. Se o desafio primeiro é “evangelizar”, faça isso. Se o desafio é educar as pessoas sobre UXR, faça. Se a maturidade está mais alta e o desafio é que os times mapeiem oportunidades de pesquisa e levem para o backlog de produtos, entenda como você pode estar fazendo isso de maneira efetiva. Para cada degrau dessa escada, há algo que precisa ser feito antes de dar o próximo passo.

Não queime pestana querendo implementar algo ao qual a empresa ainda não está preparada. Prepare você o terreno e venda os lotes para os stakeholders se tornarem aliados nessa estratégia.

Necessidades de Design e Produtos

Depois que você entendeu a necessidade e o grau de maturidade da empresa e dos times, é o momento de definir qual vai ser o foco desse time de UX Research.

A maturidade é baixa e eles ainda não vêem valor em pesquisas macro, mas já acham importante ouvir o usuário, mesmo que somente em validações de soluções já prontas? A atuação do time deve começar por esse tipo de pesquisa.

Existem diversos times de UXR no Brasil, e pessoas UX Researchers cuja responsabilidade é basicamente fazer testes de usabilidade no produto. Não é um problema, desde que isso seja cada vez mais difundido, escalado e que esse tipo de atividade não seja uma responsabilidade só do time de Pesquisa. Afinal a área de UX não é feita só de pessoas pesquisadoras, mas também de designers, writers, etc. Se você se nomeia UX, seja Designer, Writer, e não fala com seu usuário em nenhum momento do processo de desenvolvimento de uma solução, nem mesmo quando vai validar o que você construiu, você está sendo UX sem o U de User.

Se a maturidade é mais alta e as lideranças esperam que o time de UX Research os ajude a tomar melhores decisões, mais assertivas e diminuir os achismos, provavelmente o time de UXR ficará responsável pelas pesquisas macro (de oportunidades, de visão, de levantamentos de problemas, dores e necessidades do usuário), do Espaço do Problema. Esses tipos de pesquisas são mais robustas e requerem mais tempo e foco do time. Por esse motivo não conseguimos fazer as duas coisas ao mesmo tempo — pesquisas macro mais as micros de validação.

Com isso surge o problema de escala do time.

Como crescer um time de UX Research de maneira saudável então?

Criando e escalando o time

Quando começa a escalar o time, é preciso pensar em ALOCAÇÃO e ATUAÇÃO de maneira estratégica e enxuta. Além disso é necessário pensar quais serão as responsabilidades das pessoas UXRs e dos times pares.

Pergunte-se e mapeie:

  • O time ficará com pesquisas mais macros ou ficará com as micros também?
  • Se for micro, vai ter UX Researcher por qual unidade de produto? Por tribo? Por squad?
  • Se for por Squad, faz sentido ser um UXR pra cada, ou um UXR pode olhar pra diversos Squads que tem o mesmo público, por exemplo?
  • Se for só macro, como deverá ser o olhar das pessoas pesquisadoras?
  • A alocação deverá ser por tribo? Por Business Unit? Público alvo/perfil (ex: Pessoa física, pessoa jurídica)?
  • Ainda, se for macro, precisa de fato de uma pessoa pesquisadora pra cada contexto? Há contextos semelhantes que são cobertos com as mesmas pesquisas?
  • Deverá ter lideranças por unidade? Que tipo de liderança deve ser? Técnica? Gestão?

Alocações do time

Se você está no contexto que já tinha pessoas no time e já entendeu como será a atuação do time, olhe para as pessoas que ali estão e entenda relações como:

  • Senioridade X desafio da frente/time: para ambientes mais complexos, precisamos de pessoas mais sêniores. É injusto você pegar um contexto onde o “fogo está pegando” e você jogar uma pessoa júnior nessa “fogueira”.
  • Experiência/especialidade X Necessidade da frente/time: se você tem um UX Researcher quantitativo e há uma frente que necessita desse tipo de pesquisa, dê o match que falta. Não aloque pessoas que não conseguirão entregar o necessário no tempo esperado — a não ser que a pessoa queira novos desafios. Nesse caso, alinhe bem as expectativas e trace junto com o liderado um plano de ação e desenvolvimento naquela skill requerida.

Também entenda onde as pessoas gostariam de ficar, em qual BU, tribo, vertical. Já vi algumas vezes, nesses momentos de reestruturação do time e alocações, lideranças não perguntarem dos liderados onde eles gostariam de ficar. Se há a oportunidade de escolha para seus colaboradores, dê isso a eles.

Atuação do time

Com o time alocado por BU, Tribo, Squad, área da empresa ou público alvo, é preciso entender e determinar com será a atuação dessas pessoas. A atuação será única para todas as pessoas pesquisadoras? Ou isso dependerá da necessidade da área que a pessoa está? O que a pessoa patrocinadora espera?

Dependendo do tamanho da empresa, pode ocorrer o cenário de que exista maturidades diferentes por time, exigindo assim uma atuação diferente também em cada frente. Você pode determinar também a atuação das pessoas UXRs pela senioridade: pessoas mais sêniores ficam com as pesquisas mais macros e robustas, enquanto as mais júniores ficam com as pesquisas mais micro e dê suporte às pessoas que também fazem esse tipo de validação.

Tudo isso vai depender da quantidade de pessoas no time, suas senioridades e a maturidade das frentes que elas estarão alocadas. Podemos abordar sobre SENIORIDADES x DESAFIOS em um outro artigo! :)

Que tipo de time você quer?

Depois de tudo isso: conhecer a empresa, as pessoas do time, times pares, mapear necessidades, entender alocações e atuações, há algo que deve ser pensado e que é mega importante…

Que tipo de time você quer construir?

  • Quais são os valores da empresa que você quer refletir nesse time?
  • Quais dos seus valores pessoais você quer que o time reflita?
  • O que é indispensável para o seu time? Diversidade? Colaboração? Transparência?
  • Que tipo de ambiente você quer criar entre as pessoas do seu time? Um ambiente seguro? Que tipo de pessoas você quer nesse time para que ele seja esse ambiente seguro?

Tais perguntas são extremamente importantes, já que manter uma boa sinergia entre os pares UXRs faz com que todos continuem engajados nos desafios, mantendo assim a alta performance.

Cuide das pessoas do seu time para que elas possam fazer o trabalho delas bem.

Lembre-se: times são feitos de pessoas, nossos produtos são usados por pessoas e nosso negócio é construído por e para pessoas. Se você não entende de pessoas e não cuida delas, você não entende de negócios, de mercado e nem de gestão (Simon Sinek).

Esse é um artigo que se fará parte da uma série de aprendizados e conhecimentos sobre times de pesquisa em UX. Quer trocar ideia sobre isso? Comenta, que a gente discute as dores e delícias de montar uma área de UXR em empresas de tecnologia.

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Diana Fournier
difournier_uxr

manauara, head of product user researcher at @picpay, catlover, tattoed girl