Capitão Fantástico x O Show de Truman

O conceito de normalidade é algo complexo. O quê, para o senso comum, é ser normal? É seguir padrões? Tendências? Modas? Costumes? Atitudes? Hábitos? E, se alguém pensar diferente, conseguirá de fato “sair da casinha”? E se essa zona de conforto for o mundo virtual ao qual estamos conectados todos os dias? Será que existe vida além desses muros binários?

Capitão Fantástico é um filme que aborda a história de um casal que decide dar aos seus 6 filhos uma realidade de vida completamente diferente do padrão. A família vive absolutamente isolada em uma floresta e sem ligação com o restante do mundo, sequer por meio da internet, da televisão ou até mesmo do telefone. Às crianças, são ensinadas noções de liberdade, direitos civis, técnicas de sobrevivência na selva e muitos exercícios puxados, como, por exemplo, escalada; tocam instrumentos, leem obras clássicas, debatem e caçam, além de terem um ensino que incorpora não só as disciplinas básicas as quais elas seriam expostas se frequentassem um colégio tradicional, mas também muitas que certamente não estariam no currículo dessas crianças se esse fosse o caso.

Capitão Fantástico nos faz pensar que sair dessa casinha tecnológica pode ser muito mais “normal” do que estar encarcerado nela. Você duvida? Então vamos lá: a explosão da era digital chegou com tudo. Vivemos em um mundo onde os indivíduos quase em sua totalidade querem ver e principalmente serem vistos, mas até que ponto essa necessidade de exposição pode influenciar a vida de uma pessoa? Quais as consequências dessa falta de privacidade? E como lidar com essas novas tecnologias sem que elas interfiram ou manipulem a nossa visão do mundo?

Imagine que, ao nascer, você é comprado por uma empresa de TV e, ao te adquirir, essa empresa tem a finalidade de criar um mundo paralelo onde nada é “real” para expor a sua vida inteira em um reality sem que você saiba. É exatamente o que acontece com Truman, personagem do filme “O show de Truman”. No enredo, ele é o primeiro ser humano a ser comprado por uma empresa e, ao decorrer da história, o personagem, que nem imagina ser protagonista de um programa de TV, tem toda a sua vida filmada para ser exibida em larga escala.

Apesar de ser uma história fictícia filmada no final dos anos 90, Truman não é um personagem muito distante da realidade na qual nos encontramos atualmente. É comum vermos pessoas divulgando imagens da vida privada a todo tempo através de dispositivos digitais, mas, nesse caso, com consciência de tal exposição. Foi desenvolvida uma espécie de sociedade do espetáculo: o privado se tornou público e, assim como num show, o objetivo final é alcançar aplausos. Traduzindo para a linguagem binária, tal exposição tem como fim conseguir curtidas, visualizações, compartilhamentos. O conceito de amizade não mais se estabelece pelos grupos de pessoas com quem convivemos ou sequer pelos laços que construímos em nossas relações, mas pelo número de pessoas que nos seguem em determinadas redes sociais. Assim, tudo o que precisamos para poder colocar o nosso próprio reality show virtual em prática é o que comumente já temos em nossas mãos: um celular, internet e o mais fácil de encontrar nas redes sociais: uma plateia para o nosso espetáculo.

Diariamente nossas escolhas são influenciadas por dispositivos digitais, somos acordados por nossos celulares, decidimos nossas roupas ou que trajeto tomar a partir das informações do Google e até para escolher um novo corte de cabelo recebemos influência das grandes mídias. A conclusão a que chegamos é de que toda a nossa vida social e privada é pré-determinada pela tecnologia.

É complicado pensar nesses dois extremos: por um lado, um modo de viver completamente à parte do mundo globalizado e instantâneo que conhecemos; por outro, uma vida de total exposição, sem nenhum tipo de privacidade. Os meios digitais não precisam ser necessariamente o vilão da historia da vida humana. Apesar de vivermos numa era na qual a exposição é muito valorizada e tida como um negócio, inclusive com valor lucrativo de fato, pode haver um equilíbrio entre essas duas extremidades e todas as nuances que estão entre elas. Um bom exemplo disso são as pessoas ferramentadas (perfil digital de um determinado indivíduo, definido por um estudo chamado digigráficos). Os ferramentados são pessoas que utilizam as ferramentas digitais como forma de facilitar a interação com a sociedade e não como o objeto central de suas vidas. O segredo está em utilizar as tecnologias, mas, ao mesmo tempo, em não se deixar ser utilizado pelas mesmas. A questão é: até que ponto isso é possível num mundo como o nosso?

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