Não é a ignorância. É a ilusão da verdade que faz com que grande parte das pessoas compartilhe notícias falsas

Sérgio Lüdtke
Digital Media by Interatores
5 min readJun 19, 2018

Sérgio Lüdtke. Especial para o Jornalistas & Cia.

Albert Moukheiber

Albert Moukheiber é doutor em neurociência e psicólogo clínico do Departamento de Psiquiatria do Hospital Henri Mondor em Créteil, na França. Ele tem estudado o que está nas mentes das pessoas que compartilham notícias falsas e participa do grupo Chiasma, que organiza conferências e debates sobre temas associados à neurociência. Moukheiber diz nesta entrevista a J&Cia que não é a ignorância, mas a ilusão da verdade que faz com que grande parte das pessoas alimente as redes compartilhando notícias falsas.

Jornalistas&Cia — Até que ponto a ignorância e a falta de conhecimento estão relacionados à disseminação de notícias falsas?
Albert Moukheiber — A disseminação de notícias falsas não está explicitamente ligada a ignorância ou falta de conhecimento, mesmo que esses elementos desempenhem um papel. Uma das principais razões é antes a ilusão do conhecimento: acreditar que sabe. Quando somos “ignorantes”, tendemos a ter uma posição para querer “aprender” e, portanto, nossa flexibilidade mental é mantida e concordamos em “reavaliar” nosso conhecimento e duvidar do que lemos, especialmente se é seguido por uma “checagem de fatos”.

Mas quando estamos na ilusão de conhecimento pensamos que estamos bem-informados sobre um assunto e, por isso, a informação que confirma esse conhecimento prévio não estará sujeita a “vigilância intelectual”; acreditaremos nela sem nos perguntarmos se é uma notícia falsa ou real. É, portanto, essa superestimação de quanto alguém domina um assunto que diminui nossa vigilância em relação a uma notícia e, portanto, não nos permite avaliar se é uma verdadeira ou falsa.

J&Cia — Isso explica por que as pessoas compartilham informações sem a certeza da veracidade de seu conteúdo?
Albert — As pessoas acham que têm certeza da veracidade do conteúdo que compartilham. Este é o drama das fake news. As pessoas que compartilham essa notícia acham que são apenas “notícias”. Quando não têm certeza, as pessoas frequentemente checam. Seria interessante estudar os mecanismos e fatores que contribuem para o grau de confiança que as pessoas têm nas notícias. Isso pode estar ligado à fonte: algumas pessoas confiam em algumas fontes e não em outras; também está ligado a nossos preconceitos: vou verificar menos as coisas que estão alinhadas com minhas crenças a priori, por exemplo.

J&Cia — Quais mecanismos o cérebro usa para duvidar de ou aceitar notícias falsas?
Albert — Vários mecanismos estão em jogo na forma como avaliamos a relevância das informações a que somos expostos: gostaríamos de reduzir nossa dissonância cognitiva — preferimos as informações que confirmam nossas ideias ou nossos comportamentos e rejeitamos aquelas que os contradigam; tendemos a pensar de forma “motivada” — não pensamos no mundo como se fôssemos um detetive buscando encontrar a “verdade”.

Tendemos, isto sim, a pensar como um advogado que quer defender seu cliente, especialmente no que diz respeito a tópicos sensíveis. E assim como um advogado prestamos mais atenção à informação que vem “para defender nosso cliente” e varreremos a informação que possa desfavorecê-lo. Outros mecanismos também estão em jogo, mas a dissonância cognitiva e o raciocínio motivacional são os dois conceitos centrais em nossa avaliação das informações que recebemos do mundo.

J&Cia — A busca pela coerência nos leva, então, a acreditar em falsas notícias?
Albert — Nosso cérebro está sempre organizando o mundo para dar a ele um “sentido” e uma “coerência”, e isso não se limita de forma alguma às fake news. Fazemos com tudo. É por isso que se meu filho faz algo ruim, é menos “sério” do que se o filho do vizinho fizer a mesma coisa. Não percebemos o mundo de maneira objetiva; nós o colorimos permanentemente com quem somos, muitas vezes para sermos coerentes com nossas ideias, nossos comportamentos e nossas crenças.

Se sou um ativista antiglobalização e participo sempre de protestos, não vou reagir “positivamente” a um artigo que diz que os organismos geneticamente modificados (OGMs) não representam um risco para a saúde. Mas se eu acredito que a Terra é oval, não irei gastar meu tempo explorando os argumentos de uma pessoa que acredita que a Terra é plana. Estamos sempre tentando reduzir a lacuna da incoerência, mesmo que isso signifique negar a realidade. E reitero: a maioria das pessoas que compartilham fake news acha que são notícias verdadeiras.

J&Cia — Como então podemos fazer para orientar as pessoas na luta contra a disseminação de notícias falsas? Como promover o ceticismo?
Albert — Infelizmente, não existe uma solução mágica para promover o raciocínio crítico e a flexibilidade intelectual, mas algumas dicas parecem mais promissoras do que outras:

  • Pesar nossas opiniões: atribuir uma pontuação de confiança às nossas opiniões e ponderá-las. O conhecimento é muitas vezes dimensional (num continuum) e não dicotômico (verdadeiro / falso), e atribuir um fator de confiança à nossa opinião pode nos proteger de ilusões do conhecimento: por exemplo, acho que Bitcoin é uma boa alternativa monetária e tenho 40% de confiança nessa opinião porque não sou especialista em criptomoedas.
  • Tentar explicar por que tenho uma determinada opinião: sou capaz de explicar por que acredito que os organismos geneticamente modificados são ruins? Entendo como funcionam? A biologia que há por trás? Se não, eu deveria desconfiar das minhas próprias opiniões.
  • Ler fontes de opinião contrária: entender como alguém chegou a uma opinião tão diferente da minha, não para julgá-lo, mas para ver quais informações utilizou, colocando-me em seu lugar.
  • Valorizar a razão pela qual temos determinada opinião, em vez de valorizar a opinião em si: quando se está ligado à opinião, tendemos a querer defendê-la, ela se torna “identitária”, ao passo que se a valorizamos porque temos uma determinada opinião, retiramos nosso orgulho do nosso raciocínio, e portanto ficamos menos na defensiva quando novas informações contradizem nossa opinião e teremos mais chance de mudar.
  • Controle metacognitivo: pensar sobre nossos pensamentos, não acreditar em todo e qualquer pensamento que me ocorra e passá-los por filtro que o avalie antes de acreditar nele imediatamente. Leio um artigo e imediatamente digo para mim mesmo: “é bobagem”; fazer uma pausa e perguntar por que, em vez de acreditar imediatamente no meu pensamento “automático”.

E, acima de tudo, devemos fazer esforços na educação e começar a dar cursos de pensamento crítico e promover a flexibilidade intelectual na escola.

Este vídeo publicado no YouTube resume a teoria de Moukheiber sobre fake news.

Esta entrevista é parte do especial sobre fake news da série Empresas Cidadãs publicada pelo Jornalistas & Cia e Portal dos Jornalistas.

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Sérgio Lüdtke
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Jornalista especializado em mídias digitais, diretor de interatores.com e editor do Projeto Comprova.