Por que eu desisti de trabalhar na empresa perfeita.
A resposta é óbvia e possivelmente você a sussurrou enquanto lia o título desse artigo com certo desdém.
Ok. A empresa perfeita não existe e isso deveria tornar bem mais simples a tarefa de desistir de trabalhar nela, porém não é bem o que acontece. E pra piorar, você que trabalha com tecnologia viu esse tipo de empresa surgir como um fantasma passando pela sua timeline algumas vezes somente hoje, te oferecendo o emprego ideal. Aliás, algumas pessoas que você conhece trabalham lá e endossam o discurso: eu tenho o emprego perfeito!
Você ficou tentado.
Questionou tudo que não gosta no seu emprego atual.
E não se culpa por isso — nem deveria.
Mas enquanto tudo isso aconteceu, a empresa perfeita estava cometendo uma série de vacilos e aquelas pessoas conhecidas estavam saindo para o almoço e passariam uma hora ou mais reclamando do próprio emprego perfeito.
A justificativa para toda essa relação de falsas esperanças e altas expectativas que temos, com certeza, seria melhor explicada por um psicólogo do que por um designer, por isso vou focar menos no quanto nós seres humanos vivemos na constante busca pela felicidade plena e o sentido da vida, e mais no que a empresa na qual você trabalha agora (ou que pretende passar a trabalhar) poderia estar fazendo para te ajudar a lidar com isso.
Employee Experience é aquele tipo de termo que muitas empresas preferem mais repeti-lo até que ganhe vida sozinho e traga resultados, sem depender do menor esforço ou investimento que seja, do que realmente fazer algo sobre isso. Outro equívoco é tratá-la como se trata, por muitas vezes, a UX, como se fosse algo que se pode fazer. A employee experience não é algo que é feito, é algo que existe — ainda que não exista nenhum profissional dedicado a ela. Logo, desconfie bastante daquela empresa que dedica mais investimento e tempo em propaganda barata disfarçada de espontaneidade (e isso inclui alguns daqueles posts que você viu no seu Linkedin), do que em pessoas que realmente darão atenção à experiência que seus profissionais estão tendo.
Primeiro de tudo, precisamos entender juntos o que constrói a experiência de um profissional no seu dia a dia em um ambiente de trabalho e tentar mapear o impacto de cada uma das peças desse quebra-cabeça. Qualquer ponto de contato do empregado com a empresa onde ele trabalha constrói um pouco dessa experiência, desde as pessoas com quem ele convive aos processos mais burocráticos, do ambiente físico ao mais abstrato dos valores, das ferramentas de trabalho que ele controla ao comportamento dos colegas sobre o qual não tem controle algum. Se é muita coisa para dar atenção, você separa tudo em algumas caixinhas. Jacob Morgan, autor de best-sellers sobre o tema, mapeia três ambientes que englobam os pontos de atenção citado: o físico, o tecnológico e o cultural.
Enquanto o ambiente físico e o tecnológico são palpáveis (ou quase isso), a cultura é imaterial, ainda que seu impacto seja da mais alta sensibilidade. Antes de aprofundar um pouco mais naquilo que realmente constrói nossa relação com a empresa que trabalhamos, preciso não fazer pouco caso das questões mais estruturais e chover no molhado reforçando o quanto tudo isso é uma rede na qual um ambiente não se sustenta sem o outro. Morgan, para sintetizar ainda mais o assunto, mapeou empresas em 4 tipos, trabalhando nas interseções desses ambientes.
Quando se tem um bom ambiente cultural e tecnológico, ele o designa como empoderado (em tradução livre): você tem os recursos que precisa para executar uma tarefa e também tem propósito para realizar isso. Já as empresas com bom espaço físico e as ferramentas certas de trabalho, porém sem uma cultura de fato interessante, são chamadas de habilitadas: você tem os recursos para fazer o seu trabalho, mas o sentimento não é bom e o engajamento idem. Já nas empresas engajadas, o ambiente físico e cultural são bons, mas não se tem o ferramental necessário para que se possa trabalhar de maneira mais eficiente, afetando a produtividade e a colaboração entre seus empregados.
O que todas as empresas querem? Claro, ser o quarto tipo, no qual os três ambientes são contemplados e assim são denominadas, por Morgan, empresas experienciais. Aquelas que vão, potencialmente, vencer a disputa na preferência entre os profissionais do mercado (eu li empresa perfeita!?). Afinal, ela tem um espaço físico de primeira, as ferramentas certas para você executar o seu trabalho e uma cultura exemplar. Queria eu deixar o download de um e-book aqui agora e encerrar esse texto por aqui, te entregando em mãos o guia perfeito de “Encontre a empresa perfeita para você trabalhar” ou um título ainda mais millenium como “As 10 coisas que não podem faltar no seu próximo emprego”. Se você é faminto por certezas, ao certo, não chegou até esse ponto do texto — já pra você que resistiu, vou deixar aqui uma dica (não uma fórmula, nem uma regra) do que você realmente poderia estar procurando para o seu próximo emprego.
Procure por empresas que te oferecem autonomia e abertura para colaborar com elas.
Simples assim — e complexo igualmente. A razão não é uma regra, no entanto, é um padrão que se repete exaustivamente: a empresa perfeita de hoje é o problema de amanhã. As estatísticas que apresentam o tempo de permanência no mesmo emprego corroboram com esse sentimento. Dois anos no mesmo emprego? Uou, temos um recorde aqui. Chamem o guinness! — os números gritam.
A mudança na forma em como as pessoas encaram seus empregos atualmente, o aquecimento do mercado com aportes bilionários e salários inacreditáveis, além de outros diversos eteceteras justificam muito esses dados. No entanto, o seu tempo de estadia pode ser também indiferente a toda essa questão. Você estará mudando e, de um dia para o outro, aquilo que fazia todo sentido deixará de fazer. A sua reação é de imediato se lembrar daquele seu amigo segurando um balão com o nome dele e o nome da empresa na qual acabara de chegar está gravado. Letras lindas em um balão cintilante como o sorriso no rosto de Cauê, 19 anos — desenvolvedor iOS SÊNIOR.
Ou o Cauê é fera demais ou simplesmente foi promovido trocando 6 vezes de emprego nas últimas 4 semanas, garantindo a ele um salário que em um mês soma o que seus pais ganhavam em um ano e um cargo para o qual não está minimamente preparado.
Então por que é tão importante a autonomia e a abertura para colaborar com a empresa onde trabalho se, no fim das contas, em menos de dois anos estarei fora dela? Primeiro porque dois anos demoram um século para uma pessoa insatisfeita, que se sente improdutiva e/ou injustiçada — dê valor à sua saúde mental. Segundo, a troca e a colaboração é o que possivelmente traz o impacto mais positivo em qualquer tipo de relação, seja pessoal ou profissional. Nós nos aproximamos pelas expectativas criadas, e mantemos juntos pela troca que nos faz seguir crescendo e se desenvolvendo.
Para criar as expectativas em ambos os lados da relação, empregado ou do empregador, não são poupados recursos. Para manter a satisfação em uma crescente razoável, a coisa complica. Por isso, na Concrete, nosso time de Cultura construiu um framework que nos permite buscar melhorias para a experiência de nossos times, de maneira empírica, iterativa e incremental — e não confiamos que funcionaria qualquer coisa fora desse modelo adaptativo. Afinal, não há uma fórmula mágica que vá garantir que todos os usuários do nosso produto cultura, com diferentes perfis, saiam satisfeitos após um dia comum de trabalho.
Sim, produto cultura.
A Carol, gerente de Cultura da Concrete, já contou um pouco disso em seu texto de estreia aqui no nosso Medium. E, com um poder de síntese muito maior que o meu, ela resume:
A cultura é o que ela é, e não o que queremos que ela seja.
Para sabermos o que ela realmente é, permitir que ela esteja sempre se sustentando e se fortalecendo, precisamos agir de forma colaborativa entre a empresa e as pessoas que a constroem — não vemos por que fazer isso de outra forma.
Enquanto Jacob Morgan apresenta um framework de design para Employee Experience muito mais focado no que a empresa faz de um lado com o aprendizado gerado pelas respostas de seus funcionários na outra ponta, eu aproveito de toda autonomia que a Concrete me dá para desenvolver nosso próprio framework e descobrir na prática se ele funciona e como pode ser melhorado. Uma pequena adaptação no ciclo de feedback que é cerne da metodologia Lean Startup (de Eric Ries), o Build-Measure-Learn, nos ajudou a obter resultados mais expressivos com nosso trabalho até então.
O Build-Measure-Learn and Share que é como temos chamado (ainda que discretamente) esse framework. Aos poucos, vamos validando seu funcionamento e implementando em toda empresa. Mas qual é sua principal diferença para o framework que o inspirou? Se já conhecemos bem o BML (e tudo bem se não conhecer, não irá lhe faltar material online para estudar), um loop no qual se constrói, se mede os resultados, aprende com eles e decide se aquela construção terá ou não continuidade e como será melhorada a fim de gerar mais valor, adicionar um share a tudo isso não parece mudar tanta coisa. Para nosso cenário, porém, é essencial.
Não é apenas uma palavrinha para tornar aquilo que fazemos mais cool. É porque acreditamos que não basta a empresa ou um time designado a cuidar de sua cultura determinar que isso ou aquilo trará boas emoções às pessoas que trabalham nela, e assim isso se tornará uma realidade. No final, a cultura é o que o sentimento coletivo diz sobre os principais temas da empresa, como relacionamento entre pessoas, a comunicação entre elas, a atuação de times e líderes, o propósito e qualquer outro momento que constrói o clima da sua relação com seu trabalho, suas entregas, seus resultados e seu crescimento. Engajados aos propósitos da empresa e ao interesse coletivo, todos são responsáveis por construir a cultura que a empresa precisa.
Enquanto nosso Time de Cultura atua no macro, construindo ações de melhoria, medindo e aprendendo sobre os hábitos de todas as pessoas que compõem a empresa, também temos o papel de empoderar lideranças para que atuem de forma local em seus times, programas, capítulos e/ou sedes. Esse empoderamento vem com dados, modelos de ações e autonomia na ponta. Portanto, apesar de encarregarmos os líderes dessa função, não falta espaço para que cada indivíduo faça algo para contribuir conosco.
O indispensável é que a troca de aprendizados entre o time de Cultura e os outros times da empresa permita uma evolução conjunta. Como uma rede conectada de pessoas interessadas em fazer o dia a dia uma das outras ainda melhor. Construindo um futuro mais próspero para a companhia e para elas mesmas. Um sentimento de “o que eu aprendi com o meu time pode ser muito útil para outro — e esse aprendizado não pode ficar preso aqui”.
Pretendo me aprofundar mais em como estamos fazendo isso acontecer em outro artigo futuramente. O propósito ao abordá-lo aqui é simples: reforçar o quanto acredito ser mais importante poder colaborar de forma estruturada com o lugar onde quer trabalhar e permitir que ele colabore com você (ainda que isso dure dois ou dez anos), do que acreditar que o pulo perfeito te garantirá uma vaga na empresa perfeita, que atende a todos os seus anseios sem depender de um mínimo esforço seu em sua cultura.
Se você prefere a segunda opção, a empresa perfeita se traveste de diversos nomes e facilmente você as encontra no mercado — inclusive, tenho vários conhecidos que trabalham nelas, posso te indicar e te desejar boa sorte. Agora, se quer aprender e se desenvolver, enquanto contribui diretamente com a construção de uma cultura focada naquilo que realmente dará propósito a você, te convido a vir trabalhar comigo.
Grande parte do meu tempo é destinado à busca de soluções para diversos problemas que ainda temos por aqui — e que não preciso esconder de ninguém — usando pensamento de design. O certo é que não tenho todas as respostas certas para solucioná-los — mas sinto que juntos podemos encontrá-las.