Clubbers da Esquina: a revolução da cena de música eletrônica mineira
Prestes a darem seu corpo de baile a virada de ano de 2020, os coletivos de música eletrônica mineiros Masterplano e Mientras Dura contam sobre cultura e mudanças da cena alternativa local.
No coração do Brasil, coletivos se juntaram para mudar a cena cultural da cidade de Belo Horizonte, levantando bandeiras políticas e lutando por seus ideais. Como? Com muita garra, coragem e música eletrônica. A cena conta com muitos e muitas protagonistas e há espaço para todo mundo: quem está começando, nomes consagrados e, principalmente, pessoas de fora que querem conhecer a "melhor pista do Brasil", de acordo com inúmeros DJs que já tocaram em Belo Horizonte.
Existe um prisma de coletivos diversos nessa maravilhosa cena, que irão embalar as celebrações do Ano Novo do MECA. Por isso, entrevistei artistas que vão discotecar e celebrar conosco , na melhor virada de ano das nossas vidas! Acompanhe a seguir as entrevistas com Breno, Yonanda, Pedro Pedro, Sosti Reis (SUPOLOLO) e Romana Abreu, dos coletivos mineiros Mientras Dura e Masterplano.
MIENTRAS DURA
Liderada pela dupla Breno Barreto de Oliveira e Yonanda Santos, a Mientras Dura tem influência das festas paulistanas Voodoohop e Venga Venga!. Em 2008, Breno se mudou para São Paulo para estudar e acompanhou o surgimento da Voodoohop e de outros coletivos alternativos. Ele se admirou pela possibilidade das festas ocuparem espaços não-convencionais fora dos clubes — fator que inspirou a cena alternativa eletrônica do país inteiro.
Depois de 6 anos, Breno voltou a Belo Horizonte e quis levar uma festa para a capital mineira. A escolha foi a Venga Venga!, festa que traz sons e visuais ciganos e batidas mais lentas. Mas, depois de longas conversas, a ideia de criar um selo próprio, em vez de levar um festa de fora, se tornou realidade.
Em março de 2015, a primeira edição da Mientras Dura rolou e foi no susto que Yonanda começou a tocar. "Quando a gente estava planejando a edição Abduções Ancestrais percebemos que estávamos muito sem grana e o Breno me falou ‘você não quer tocar?’. Eu nunca tinha considerado a possibilidade, mas fazia sentido. Sempre importante ter mais mulheres tocando e sempre gostei de pesquisar música, daí topei!”
Já Breno lembra que apesar de ter estudado música por muitos anos desde a infância, não tinha nenhuma familiaridade com discotecagem. “Pedi uma mãozinha pro Omoloko, que já vinha tocando naquela época. Toquei meu primeiro set já na segunda edição da Mientras e, apesar do perrengue que foi produzir a festa e tocar ao mesmo tempo, saí dali com a certeza de que ia ter que dar um jeito de conciliar as duas coisas.”
Todo DJ que toca em Belo Horizonte se apaixona pela pista e pelos protagonistas da cena. Qual a diferença da pista mineira pro resto do Brasil?
Yonanda: “As pistas de cada cidade são sempre muito particulares, né? Acho que elas sempre refletem um pouco o espírito de cada lugar e são influenciadas pelo clima político e social, pela arquitetura, pelo transporte público, pelo tamanho da cidade e até pelo clima mesmo (frio, chuva, calor).
O que percebo de muito diferente aqui em relação a outros lugares que já toquei, tanto no Brasil quanto fora, é o tanto que as pessoas estão abertas e entregues a todo tipo de som. Elas embarcam com muito entusiasmo na onda que o DJ quer apresentar, são muito receptivas e calorosas. Também é a pista que as pessoas mais dançam, a gente fica até mal acostumado!
Por aqui é comum a piada de que BH é um ovo, que todo mundo se conhece em algum nível. Não é que a cidade seja pequena, não é, mas acho que por vários motivos (transporte público péssimo sendo um deles), determinados grupos sempre circulam nos mesmos lugares. Por um lado isso é um problema, principalmente pensando em acesso e diversidade, mas também contribui pra criar um senso de comunidade na cena. Como todo mundo se conhece, não é tão comum rolar carão, acho que as pessoas estão mais abertas pra conversar, são mais simpáticas e também cuidam mais umas das outras.”
Breno: “Quando o [lendário DJ americano] Justin Strauss tocou no nosso aniversário de 4 anos, ele se disse surpreso por há muito tempo não estar em uma festa grande onde ele olhava pra pista e sentia que as pessoas ali se conheciam. É uma coisa que sempre senti como uma característica definidora da nossa cena e fiquei impressionadíssimo com a facilidade dele em perceber isso. Existe aqui uma combinação entre o ethos das pessoas e uma cidade que não é exatamente nem grande nem pequena que permite a gente ter uma cena com festas grandes, mas que ao mesmo tempo mantém um senso de comunidade impossível em uma metrópole como SP, por exemplo. Essa mistura criou por aqui uma pista fervida e calorosa, com uma atmosfera única, aberta a uma variedade enorme de sons e que se joga até o fim.
Esse senso de comunidade também transborda pros protagonistas da cena que acabam sendo muito próximos, tão sempre frequentando e tocando uns nas festas dos outros, se ajudando em tudo que é possível e somando na construção dessa cena.”
De quais formas vocês fomentam a cultura da cidade?
Yonanda: “Pra falar em ações concretas, nós fazemos em média 3 festas fechadas e 4 festas gratuitas de rua por ano, além do bloco de carnaval. Também aprovamos um projeto na Lei Municipal de Incentivo à Cultura pra realizarmos um festival de rua gratuito com as festas da cidade, englobando vários estilos musicais, não só eletrônico. O projeto também contempla uma semana de seminários sobre as cenas e a produção de um documento sobre a incidência política e econômica dos rolês no município, que vai ser encaminhado ao poder público. Ainda estamos em fase de captação, mas a programação deve rolar em 2020 ou 2021.
Essa questão do fomento à cultura é bem importante e delicada, porque na maioria das vezes manifestações culturais festivas, que têm o som mecânico como atração principal, ainda não são consideradas cultura, e sim entretenimento. Por isso é importante frisar que fazer uma festa já é fomentar a cultura: é uma manifestação que engloba música, performance, cenografia, fotografia, moda, design, política. Pra mim, é um fazer político através do afeto e da diversão, que tem muita potência de transformação e que transborda pro dia a dia de quem frequenta. A pista é o ensaio pro mundo que a gente quer ver lá fora.”
Breno: “A Mientras Dura é uma plataforma de fomento pra DJs, músicos, performers, artistas visuais e todo tipo de arte que cabe ali. E ultimamente a gente está tentando ter um foco cada vez maior em festas de rua gratuitas. Em 2019 nós estreamos nosso bloco de carnaval e fizemos uma Mientras na rua pra cada festa fechada produzida. É sempre maravilhoso viver a cidade de novas formas e poder atrair novos públicos e novas vivências pra dentro do rolê.
Mas pra além da Mientras, nosso maior foco de fomento pra cultura da cidade hoje é o projeto que aprovamos na LMIC (Lei Municipal de Cultura) dedicado a promover o encontro e intercâmbio entre diversas cenas culturais que ocupam a rua em BH — que vão da música eletrônica ao Rap/Hip Hop, Funk, Dub/Reggae, Soul/Black Music, Vogue, etc. A programação do projeto, ainda em fase captação, prevê um seminário de 3 dias e um festival de rua no hipercentro de BH, com três palcos assumidos por projetos independentes, coletivos, DJs e artistas visuais. Serão 12h de rolê pra fomentar e enaltecer a diversidade desse panorama cultural da cidade.”
Como vocês veem a cena eletrônica de Belo Horizonte?
Yonanda: “Vejo como uma cena jovem, mas que carrega uma tradição enorme. Nos ano 90 e 2000 BH foi muito importante pra cena eletrônica nacional. Durante um tempo esse movimento ficou meio latente e foi retomado pela gente a partir de 2015. E apesar de serem só três coletivos maiores e mais conhecidos fora daqui, tem bastante coisa legal rolando e acho que a cena ainda vai crescer bastante. Alguns dos movimentos pra ficar de olho são Galla, Ayo, Trembase e Avulsa.”
Breno: “Não sei se consigo ter um visão muito abrangente dessa cena. A gente ouve muito sobre um momento áureo da cena de 20 anos atrás — que não vivemos — e acaba que não conhecemos como um todo nem mesmo a cena eletrônica de hoje em dia, por não frequentarmos boa parte dos clubes e grandes festivais do mainstream que passam por aqui.
A Mientras faz parte de uma cena eletrônica majoritariamente queer que surge na borda e se desdobra a partir de 2015. Hoje ela é composta por coletivos como: Masterplano, 101Ø/Curral, GALLA, AYO, Íntima/Avulsa, Discothèque, Trembase e outros. Falando especificamente desse nosso movimento, eu vejo uma cena ainda jovem, mas já madura e com uma identidade muito forte, que tem conseguido se reinventar a cada ano e ainda tem um fôlego imenso pra crescer.”
MASTERPLANO
Além de festas, o coletivo reúne artistas para conversas, workshops, atividades e oficinas para capacitar e fortalecer o seu público. A Masterplano tem um grupo de seguranças 100% feminino e sempre se mobiliza para causas sociais, onde tod_s podem se sentir segur_s na pista — e na cidade.
Como você começou a discotecar?
Pedro Pedro: “Desde 2013 a ordem dos fatores se confundiu um pouco. Tudo parece tempo demais e ao mesmo tempo novidade. Acho que na minha cabeça canceriana as coisas são mais floridas e, como já não tenho certeza, gosto de pensar que o surgimento da Masterplano carrega também o surgimento dessa persona — e de uma nova cidade. Tive a sorte de ser forjado no mesmo lugar que grande parte desse coletivo — mixando no dedinho, na rua, de um jeito precário e cheio de afetos, aprendendo junto e compartilhando as ambições de construir muito mais que a experiencia de curtir ou oferecer um DJ set, mas toda uma festa e uma cena.”
SUPOLOLO: “Comecei a discotecar em 2013. Meu amigo Alexandre de Sena é DJ há tempos e a gente já trocava uns links e likes desde que nos conhecemos. Aí um dia ele me chamou pra tocar com ele numa festinha e me ensinou a mexer no Virtual DJ. O comecinho foi assim e o projeto/nome SUPOLOLO nasceu em 2014.”
Romana: “Comecei por volta de 2015/2016 junto com o surgimento do Masterplano e de uma forma muito descontraída, nunca foi um projeto profissional. Apesar de sempre ter um interesse enorme por música, no início só queria botar uns sons que eu curtia e com o tempo isso foi se tornando um desejo maior.”
Porque o coletivo Masterplano começou?
“Não é possível fazer o que a gente faz sozinhes. E lá em 2014 — a partir de um grupo no Facebook — a gente já compreendia isso. A Masterplano nasceu de um grupo aberto no Facebook que existe ainda hoje, onde trocamos referências em música, rolezinhos, dicas e artes em geral. E nessa época Belo Horizonte debatia e reivindicava intensamente o uso do espaço publico a partir dos seus agentes culturais independentes, porém sem a existência de um front ou de rolezinhos eletrônicos que nos contemplassem. A cena eletrônica só existia nos clubes. Naquele contexto politico inflamado montamos nosso pequeno sistema de som em frente a um boteco no Centro de BH e nos divertimos ao som daquilo que gostávamos na época, num formato que seguimos acreditando — uma grande novidade pra cidade. Nesse mesmo dia transmitimos nossa primeira rádio online, reunindo umas 30 pessoas na primeira edição aberta ao público. Crias da internet e da rua. Tudo misturado, foi marcante!”
Qual a diferença da pista de mineira pro resto do Brasil?
SUPOLOLO: “Eu acho que a pista de BH dá tudo de si. As pessoas querem se montar para os rolês , se jogar no front, falar com os DJs, produtores, atuar diretamente na cena, fazer amigos, trocar contatinhos, beijar umas bocas. Eu amo o Brasil, mas acho que BH, Recife e Natal têm muito a ensinar pro resto do país.”
Pedro Pedro: “De todas as pistas que já experimentei ela é definitivamente a mais receptiva!”
Romana: “A pista de BH é um pouco do reflexo da dinâmica da cidade. Apesar do mito de que o povo mineiro é desconfiado, eu acho que as pessoas daqui são amigáveis, abertas e hospitaleiras. Isso acaba refletindo muito também na forma como o público recebe os artistas de fora, elas estão dispostas a te ouvir e curtir o que você tem pra mostrar!”
De quais formas vocês fomentam a cultura da cidade?
“Somos um grupo muito diverso e politicamente ativo. Desde nosso surgimento reivindicamos a rua como possibilidade cultural — citando Leminski — “fazemos parte dessa gente, que pensa que a rua é a parte principal da cidade”. Já travamos batalhas homéricas e temos uma rede de apoiadores muito poderosa. Hoje, por exemplo, o sistema de licenciamento de eventos na cidade tem sido revisado a partir de uma pressão popular que a gente comprou com todas as forças. Nessa trajetória criamos sempre pontes com outros coletivos, e já realizamos cineclubbers, debates com temas que orbitam a cena como, ativismo de gênero, segurança, sexualidade, territórios e a própria forma de produção — encontros abertos e de formação. Oficinas de djs, vjs, produção. Temos um programa de rádio. E seguimos a todo vapor! Em 2020 vai acontecer a primeira edição do nosso festival, que é um projeto de formação em cultura eletrônica para jovens e adolescentes através da lei municipal de incentivo à cultura. Um festival que busca formar novas pessoas e celebrar isso que estamos construindo de um jeito único. É o Clubbers da Esquina. Estamos ansiosas por esse momento, tem tudo pra ser um marco.”
Como você vê a cena eletrônica de Belo Horizonte?
Pedro Pedro: “Como um lugar político de experimentação e acolhimento. Vejo a cena de Belo Horizonte como uma possibilidade real de sermos mais livres e ousados. Sem espaço pra carão!”
SUPOLOLO: “Sensacional.
As pontes são maiores que os muros, entre os coletivos e os artistas. Isso nos impulsiona muito. Tem mil rolês acontecendo ao mesmo tempo. Não dá pra acreditar que esse lugar já foi mega entediante pro circuito eletrônico a uns anos atrás.”
Romana: “A cena daqui se valoriza muito. Isso dá muita força pra quem ainda tá no corre ou iniciando algo novo. As pessoas te dão suporte e elas acreditam no potencial das festas daqui, no público e nos artistas da cidade. Existe ainda uma vontade muito grande de fazer acontecer.”
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Sobre o nome "Clubbers de Esquina": é um festival que articula música eletrônica, arte, tecnologia e pedagogia urbana por meio de uma programação de oficinas, debates, performances e apresentações musicais. Atualizando a histórica vocação musical e criativa da cultura jovem de Belo Horizonte, o festival celebra o cenário de música eletrônica que nos últimos dois anos vem ocupando, de maneira mais intensa, espaços públicos e edifícios ociosos da cidade. Oficinas formativas de arte e tecnologia, debates sobre a dimensão política e urbanística da festa, Festa-processo como ponto de convergência de todos os conteúdos e projetos desenvolvidos durante as oficinas e debates.